^.
íf^
A índia
PORTUGUEZA
Sociedade de Geographia de Lisboa
A índia
PORTUGUEZA
BREVE DESCRIPCÁO
DAS
POSSESSÕES PORTUGUEZAS NA ÁSIA
DIVIDIDA EM DOIS VOLUMES
Illustrados com 382 gravuras e 7 mappas
POR
A. LOPES MENDES
Agrónomo, sócio da sociedade de geographia de Lisboa
da real sociedade Asiática (secção de Bombay), da sociedade geographica Argentina
da real associação central de agricultura portuguesa
e antigo deputado da nação pelo circulo de Mapuçá, Damão e Diu, etc.
PUBLICADA POR ORDEM DO MINISTÉRIO DA MARINHA
Volume I
LISBOA— Imprensa Nacional — 1886
1>S
V, I
índice das gravuras
^s gravuras indicadas com (*) são tiradas de photographias
todas as mais segundo desenhos do natural feitos pelo auctor do livro
Conselheiro Mendes Leal (#)
Conselheiro José Vicente Barbosa du Bocage (*) viii
Conselheiro António Augusto de Aguiar (*)....'. ,^
Luciano Cordeiro (*j
Silva Mattos (*)
Cidade de Lisboa
OPP- íl 2
Cabo do Espichel
Gibraltar
4
Gruta de S. Miguel em Gibraltar 5
Barra de Goa ,,^„ „ ,-
opp. a t)
Ilha de Gallita ' ^ g
Ilha de Pantellaria
Pharol do Gozzo
Pharol de Aguada V.V.V.V.V.'.'opp'. a lo
Shepheard's hotel ^ .,
Montanhas da Arábia , í
Estreito de Bab-el-Mai
Bahia oriental de Aden.
Estreito de Bab-el-Mandeb , -^
i()
Hollow road (Aden) , _
Rio Mandovy entre a fortaleza dos Reis Magos e a de Gaspar
^^^s-; .' opp. a .8
Bandorá — Residência do vice-consul portuguez em Bombay oo
0^^°^ó : "opp^ ^^
%^"^o opp_ ^ 22
Conde de Torres Novas ' _ 04
Rio de Chaporá .,3
^d^^o opp". a 26
Rio Baga 28
Rio Zuary em Tonca 2<)
VI índice das gravuras
Pag.
Festividade do Ganes no Mandovy opp. a 3o
Patamarim 32
Tonas de Salcete 33
Ribandar opp. a 34
Mendiga 36
Convento de Chimbel opp. a 36
Mendiga 37
Hospital da Misericórdia opp. a 3S
Brahmane gentia 40
Fabrica da pólvora (Goa) opp. a 40
Ourives gentio 41
Seminário do Chorão opp. a 42
Pancatty ou banquete 44
Botiqueiro gentio 45
Mulher gugyr 45
Forte de Santo Estevão na ilha de Jua opp. a 46
Mulher de lençol 48
Cidade de Velha Goa opp. a 48
Carpinteiro 49
Arco dos vice-reis opp. a 5o
Mainata ou lavadeira gentia 52
Ruinas do pórtico do palácio da Fortaleza opp. a 52
Criado, de servir 53
Ruinas da Misericórdia opp. a 54
Fonte Fénix 56
Ganes 5j
Convento de S. Francisco opp. a 58
Machila 60
Traje de noivado 61
Sé de Goa opp. a 62
D. Vasco da Gama 64
Vendedeira de missanga 65
Garupeiro vendendo missanga 65
Collegio de S. Boaventura opp. a 66
Conselheiro Thomaz Ribeiro (*) 68
Conselheiro J. H. da Cunha Rivara (*) 69
Ruinas do collegio do Populo opp. o 70
Convento de S. João de Deus opp. a 72
Convento das Monicas opp. a 74
Tumulo de Francisco de Albuquerque 76
Igreja do Bom Jesus opp. a 76
Tumulo df I). Diogo de Noronha 77
índice das gravuras VII
Pag.
Interior do templo do Bom Jesus opp. a 78
Tumulo de Fernão de Albuquerque 80
Altar de S. Francisco Xavier opp. a Xo
Igreja de Santa Maria Magdalena Si
Tumulo de S. Francisco Xavier opp. a 82
Capella de Santa Catharina * 84
D. João Chrysostomo de Amorim Pessoa (#) 85
S. Francisco Xavier no estado em que se achou aos 12 de outubro
de 1 859 opp. a 8(3
Priorado do Rosário 88
S. Francisco Xavier doutrinando os povos da índia opp. a 88
Igreja de Santo António 8()
S. Francisco Xavier baptisando opp. a ()0
Forca do preto Tipeti 92
S. Francisco Xavier perseguido pelos jávaros da ilha de Moro opp. a 92
S. Francisco Xavier moribundo na praia de Senchoão opp. a <)4
Cidade de Pangim opp. a 96
Cozinheiro 97
Palácio do governo em Pangim opp. a 98
Aífonso de Albuquerque > loi
Alfandega de Nova Goa opp. a 102
Palácio da municipalidade de Nova Goa opp. a 104
Quartel da guarda municipal io5
Monumento de AfFonso de Albuquerque e Quartel de Artilhe-
ria opp. a 106
Quartel dos contingentes opp. a 108
Fonte da Vacca 1 09
Hospital militar de Nova Goa opp. a i io
Vendedeira de hortaliça i : -i
Vendedeira de ólas tecidas 1 1 3
Cathecumenos opp. a 1 14
Bailadeiras opp. a 1 iG
Nangôro ou arado ' • 7
Igreja matriz de Pangim opp. a 118
Botto ou sacerdote hindu 120
Casa de D. António de Carcomo Lobo opp. a 122
Vaizá ou curandeiro • • • 1 24
Gopalla ou guardador de gado i-^
Escola hindu • opp. a 126
Gentia amamentando o filho 12°
Prossad opp. a i3o
Visconde de Riba Tâmega (#) • - < • •'■'
VIII índice das gravuras
Pag.
Garupeiro opp. a 1 34
Palácio do conde de Nova Goa opp. a i36
Vista panorâmica da Velha cidade de Goa opp. a i38
Piladeira de Curca 141
Ruinas da Cruz dos Milagres opp. a 142
Convento do Pilar 145
Palácio e convento de S. Caetano opp. a 14»')
Filippe Nery Xavier (*) i4()
Porta de Nossa Senhora da Serra opp. a 1 5o
Igreja de Mandur 1 53
Ruinas do Carmo opp. a 1 54
Forte de Dongrim i5j
Igreja de Santa Luzia opp. a 1 58
Pelourinho novo i G i
Ruinas do palácio de Daugim opp. a 16?.
Ruinas do convento de S. Domingos i65
Capella e poço de S. Francisco Xavier opp. a 166
Ruinas de S. Thomé 169
Porta de S. Braz opp. a 1 70
Ruinas do collegio de S. Paulo 1 73
Casa da administração da ilha de Combarjua opp. a 174
Castello de Benastary 1 77
Pagodes de Marcella opp. a 1 78
Arsenal de Goa opp. a 180
Bombarda 181
Palácio do Cabo opp. a 182
Convento da Madre de Deus 1 84
Manga 1 85
Praia de Carazalem opp. a 186
Battcar 188
Zontró 189
Forte de Gaspar Dias opp. a 190
Ganicará 1 q3
Forte de Bardez ou dos Reis Magos opp. a 194
Dantem ou moinho de descascar arroz 197
Praça de Aguada opp. a iq8
Vendedeira de arroz 201
Praça de Mormugao opp. a 202
Igreja de S. Lourenço de Linhares 2o5
Porta do cães de Mormugao opp. a 206
Hospital da misericórdia de Mormugao opp a 208
Quartel do destacamento ein Mormugao opp. a 210
índice das gravuras ,x
Porta do campo de Mormugão '''^'^'
Quartel de Mapucá PP- a 212
Ponte de D. Estephania . ....".'.'.....'...".'.'.' ^^^' '' '" "'
Indígena bardezana (#) PP- a 2i<
Portaes de Britona "" '
Vendedeira de louça de Pilerne °^^' ^ ~^t
Cassabé de Pernem '""]
Igreja de Nossa Senhora da Penha de Franca '.'.'. °^^' ^ ^f '
Fortaleza de Tiracol ' "'-*
Cães e forte de Tivim V.V .V.V.V.V. ■.■.".■.■.";.■;. °^^" "" f ""
Tacarduma "^
Forte de Colual ou do Meio. . . . ". '. . '. '. '. '. '. '. '. '. '.'.''.'.'.'. °''^' ''' flt
Praça de Alorna " ^
A- ' , , ,, , , , opp. a 2.38
Casa do dessay d Arabó
Alfandega de Doddomaddoeo ""^'
p. ., . ,, ^ opp. a 24.2
Darvazo de Arabo ^,
Arequeira '"^^
Sipay do sonodo de Pernem '"^ '
Casamento gentílico "Í-*
15 ■ opp. a 25o
nananeira.
Pagode de Mulcão "/
n ■ ^ opp. a 2.-)4
Parteira ' ,^
Quartel do 3. o batalhão de Bicholim .'.' ...... .'.'.'opp.' a o 58
Sipay da administração " -
Pagode de Santer-deu em Bicholim ..opp^ a ^&y
Ruínas da mesquita dos mouros ' ' ^f-"
Armeiro gentio 'A
Casa do Dessay de Lamagão "....'.'.'.' .'.'.'.'.* .'.'.' opp'. 'a 066
Houri de Lamagão .^ -o
Tumulo de Zaibá Ranes ~r
Joguy Sorbé Sorá em Dargalv nnn V !-í!
^ . . L' .> "^i P* a 2 /O
Lrentio moribundo conduzido para o Dorôbo o--.
Pagode de Pelígão "^Õ
Mossondy ou cemitério de Morgim onn a 274
Tirta ' ^ ^ ■ V
opp. a 276
Carta da costa Occidental da índia opp a xii
Carta do território de Goa -. opp'. a xxvm
Carta da toz do Mandovy e Zuary opp. a 14
índice dos capítulos
ADVERTÊNCIA Pag.
CAPITULO PRIMEIRO
Partida de Lisboa para a índia — Silva Mattos — Cabo do Espichel — Cadiz — Gibral-
tar—Gruta de S. xMiguei — O paquete .^/oo//OH — Gallita — Pantellaria — Pharol de
Gozzo (Malta) — Alexandria — Cairo — Suez — O paquete Malta — Mar Roxo — Mon-
tanhas da Arábia — Estreito de Bab-el-Mandeb — Ancoradouro de A den- Cidade de
Aden — Marde Oman — Bombay — Bandorá — Barra de Goa — Pharol de Aguada —
Mandov V Pag. i a 20
CAPITULO II
Conde de Torres Novas — Possessões portuguczas na Ásia — Principaes rios do territó-
rio de Goa — Clima — Estatística — Ossoró — Pancathy — Sigamó — Adáo — Ganèz —
Ribandar — Machila — Convento de Chimbel —Hospital da Misericórdia — Fabrica
da pólvora — Seminário do Chorão — Forte de Santo Estevão — Goa— Principaes
edifícios da cidade velha de Goa — Igreia do Bom Jesus— Tumulo de S. Francisco
Xavier Pag. 21 a 93
CAPITULO III
lliia de Tissuary — Pangim — Palácio do governo — Aflbnso de Albuquerque — Alfandega
de Nova Goa — Paços do concelho — Praça das sete janellas — Quartel da guarda
municipal e dos contingentes— Hospital militar e escola medica— Casa doscathecu-
menos — Fonte da Vacca — Dansa das bailadeiras —Igreja da Conceição — Escola
hindu — Vaizá — Pròssad — Medicina liindii — Instrumentos aratonos — Narigòr —
Pachú — Vraxabha-boilá — Reddó — Garupeiros — Constiluição da propriedade e di-
visão da superfície productiva — Moral, leis penaes e leis civis — Leis hindus e portu-
guezas — Gentia amamentando o filho Pag. 95 a i36
XII índice dos capítulos
CAPITULO IV
Uma excursão a Neurá — Salinas — Convento do Pilar — Frades capuchinlios — Agricul-
tura indiana — Communidades agrícolas — Igreja de Mandur — Cruz dos Milagres —
Pelourinho novo — Igreja de S. Caetano — Porta de Nossa Senhora da Serra —
D. Vaco da Gama — Ruinas do convento de S. Domingos — Igreja de S. Thonié —
Ruinas do convento do Carmo — Ruinas do collegio de S. Paulo — Capella e poço de
S. Francisco Xavier — Castello de Benastary — Bombarda — Igreja de Santa Luzia —
Convento da Madre de Deus — Porta de S. Braz— Ilha de Comharjua — Am/-» ou
Mangueira — Casa da administração — Coqueiro — Palmar — Palmeira ásura — Zan-
tró — Ganicara — Pagodes de Marcclla — Arrozaes — Zandoló — Convento de Nossa
Senhora do Cabo — Praia de Carazalem — Forte de Gaspar Dias — Forte dos Reis
Magos — Praça de Aguada — Igreja de S. Lourenço — Praça de Mormugáo — Porta
do Campo de Mormngâo — Barra de Mormugão Pag. iSy a
CAPITULO V
Bardez — Quartel de caçadores 4 -Real ponte D. Estephania — Portacs de Britona-
Forte de Ti vim — Forte do Meio — Ilha de Arabó — Casa do Dessay — Darvazó —
Pernem — Dessayados — Pagode de Bogounti-deu — Fortaleza deTiracol — Tacardu-
ma — Praça de Alorna — Doddomaddogo — Bicholim — Maddy — Ticàn — Ban:ineira
— Casamento gentílico — Parto — Sexto dia — Baptismo hindu — Pagode de Mulgão
— Quartel do 3." batalhão — Pagode de Sauter-deu — Ruinas da fortaleza do Boun-
snló — Casa do dessay de Lamagão — Houri — Joguy Sorbé Sorá — Mossondy — Sa-
dotas — Doróbo — Tumulo dos ranes — Luto — Satty—Tulòssy — Pagode de Peligáo
— Tirta Pag. 21 5 a
lHu,Damao,]^ra3aJ•-.'^l.-e7Jaoa ' \
Ilha de Angé diva C*
Aio riíi mjao '^íxãL. ^*-?:í>^.
Jfiffias yeo0rnjíh{ca.s (60^ T^r-ko)
l".l/wj,u/,/„a Uu In,j,r,:ns., X„„„al
\MlU!l^'Él
.i<,.
ADVERTÊNCIA
ncarregado em 1862 pelo
ex.*"» sr. conselheiro José
da Silva Mendes Leal, en-
tão ministro e secretario
de estado dos negócios da
marinha e ultramar, de va-
rias commissões officiaes
na índia portugueza, ali
demorámos por espaço de
nove annos, desempenhan-
do os diversos serviços,
que vão indicados no íim da segunda parte d"este livro. Du-
rante aquelle período, e em horas que o serviço publico nos
deixava livres, colhemos os materiaes do livro, que ora pu-
blicamos, não movidos pelo amor da gloria, nem pelo inte-
resse, que não é para tanto o seu valor ou a nossa ambi
cão, mas sim estimulados pelo desejo íntimo de ser útil ao
nosso paiz, perpetuando pelo desenho os gloriosos monu-
mentos e as ruínas, que por lá vimos, testemunho eloquen-
te da nossa passada grandeza na Ásia.
Tal é o fim principal d"esta publicação.
Iremos seguindo as nossas recordações, apontando o re-
sultado de alguns estudos, que então fizemos, relativos não
so aos desenhos do natural, que adiante apresentamos, como
a vários pontos da geographia, historia, geologia, meteoro-
XIV
' ADVERTÊNCIA
logia, agricultura, estatística, ethnographia, religião, usos,
costumes e leis dos povos do Estado da índia.
De mais sabemos que é imperfeito o nosso trabalho; nem
elle poderia ser completo, senão com longos annos, dedica-
dos especialmente aos estudos que esboçamos. Mas que
outros, e mais competentes se sintam incitados pela leitura
CONSELHEIRO JOSÉ DA SILVA .MENDES LEAL
do nosso livro a proseguir n"esta ordem de trabalhos, e nós
teremos conseguido o fim a que nos propozemos.
Conselheiro Mendes Leal. — O ex.'"° conselheiro José da
Silva Mendes Leal (de quem olFerecemos o retrato) é um
verdadeiro homem de bem, litterato distincto, insigne poeta,
diplomata muito considerado, e uma gloria da actual gera-
ção litteraria de Portugal. Nascido em Lisboa a i8 de ou-
ADVERTÊNCIA XV
tubro de iSi8, geriu a pasta da marinha c ultramar desde
•21 de fevereiro de 1862 a 12 de dezembro de 1864, e a dos
negócios estrangeiros desde 11 de agosto de i86g a 20 de
m.aio de 1870 (sendo em ambos os gabinetes presidente do
conselho o nobre e illustrado duque de Loulé, hoje falleci-
do). Enviado extraordinário e ministro plenipotenciário em
Paris e Madrid^ membro do conselho de estado politico;,
bibliothecario mór da bibliotheca nacional de Lisboa; anti-
go deputado ás cortes; sócio da academia das sciencias, da
sociedade de geographia de Lisboa, Paris e Londres, etc,
«É talvez — dizia o nosso saudoso amigo A. da Silva
Tullio — o que tem escripto mais, e seguramente em mais
variados ramos do saber humano. Colligidas já todas as
suas obras, pertencem bibliologicamente á polygraphia.»
Em novembro de 1881 oíferecemos á benemérita socie-
dade de geographia de Lisboa, sempre disposta a animar
todos os sentimentos generosos, este modesto e ligeiro es-
tudo sobre a índia portugueza, como demonstram os docu-
mentos em seguida publicados.
«111.™" e ex.""" sr. — Tenho a honra de passar ás mãos de v. ex.'" o
manuscripto do meu livro intitulado : A índia portuguesa para ser pre-
sente á sociedade de geographia de Lisboa, a fim de se publicar, se
para tanto tiver valor.
"Os 279 desenhos originaes do natural e 7 mappas, sendo dois geo-
graphicos, três chorographicos e dois topographicos, que deviam acom-
panhar o manuscripto, serão opportunamente enviados a v. ex.''. —
Deus guarde a v. ex.*. Lisboa, 3o de novembro de 1881. — 111."^" e
ex."" sr. Luciano Cordeiro, primeiro secretario da sociedade de geo-
graphia de Lisboa. =^4. Lopes Mendes.»
Em os números 9 e 10 da segunda serie do boletim da
sociedade de geographia de Lisboa, lê-se o seguinte:
«Do sócio sr. António Lopes Mendes, officio de 3o de novembro,
apresentando e offerecendo á sociedade, a fim de se publicar, se qui-
zer, um manuscripto de um livro do mesmo sócio intitulado : A índia
portuguesa, e promettendo enviar opportunamente os 279 desenhos
originaes e 7 mappas, sendo 2 geographicos, 3 chorographicos e 2 to-
pographicos, que fazem parte da referida obra.
XVI ADVERTÊNCIA
«...Acrescentou o sr. presidente (visconde de S. Januário) que a
sociedade queria certamente que se agradecesse ao sr. Lopes Mendes
a ofterta do seu trabalho sobre a Índia. Que elle, sr. presidente, vira
por alto este trabalho, e não podia ainda formar um juizo seguro, mas
estava antecipadamente convencido da utilidade da obra, porque sen-
do governador d'aquelle nosso Estado tivera a fortuna de ser coadju-
vado por tão digno funccionario. Que o sr. Lopes Mendes permanecera
ali por largos annos, estudando e investigando dedicadamente muitos
factos, usos e costumes, e que a sociedade de geographia folgará de
ter, no trabalho do seu sócio, elementos de apreciação e de estudo -
relativos á índia portugueza, desejando até que se proponha ao gover-
no a impressão d'este manuscripto.
«O sr. Ferreira Ribeiro disse que folheara algumas paginas da obra
do sr. Lopes Mendes, a qual se lhe afigurava muito importante, porque
vinha vulgarisar conhecimentos que a poucos era dado possuir. Que
applaudia, pois, o auctor e o felicitava pelo seu valioso trabalho.
«Em seguida deliberou a assembléa que se agradecesse ao sr. Lopes
Mendes, e se propozesse ao governo a impressão d'esta obra.»
A sociedade de geographia, em execução do que acaba-
va de se resolver, dirigiu ao governo o officio seguinte:
nlU.""' e ex."» sr. — Tendo sido ofterecido á sociedade de geogra-
phia de Lisboa o manuscripto de uma obra do nosso consócio e illus-
tre agrónomo o sr. António Lopes Mendes, intitulada : A índia por-
tugue:[a, acompanhada de 279 desenhos e 7 mappas, e considerando
a sociedade quanto importa á sciencia e ao paiz a publicação da refe-
rida obra pelas interessantes informações que dá acerca da historia,
da chorographia, das condições económicas d'aquelle Estado, dos seus
monumentos, dos costumes e tradições dos seus povos, dos seus recur-
sos e aptidões, e considerando, outrosim, na falta que ha de obras que
acrescentem o conhecimento das nossas possessões de alem-mar, e
quanto seria particularmente opportuna a publicação d'esta, resolveu
solicitar de v. ex.% em virtude do decreto de 12 de agosto de 1880, e
confiada no patriotismo e esclarecido critério de v. ex.'', que a mesma
obra fosse impressa na imprensa nacional de Lisboa, como publicação
da sociedade e nas condições das mais a que mesmo o decreto se refere.
«Não appella a sociedade para o decreto referido senão porque, com
grande sentimento, não pôde considerar-se habilitada para auxiliar o
governo na despeza a fazer com a publicação de tão útil e opportuna
obra, e convicta está a sociedade de que não deixará de encontrar em
V. ex." aquelle nobre patriotismo e favor que sempre lhe tem dispen-
sado o governo do Estado em proveito da sciencia e honra do paiz.
ADVERTÊNCIA XVII
"Deus guarde a v. ex." Sociedade de geographia de Lisboa, 14 de
dezembro de 1881. — 111.™" e ex."'° sr. ministro e secretario de estado
dos negócios da marinha e ultramar.^0 presidente, José Vicente Bar-
bosa dii Bocage.»
Sem resposta a este officio, a sociedade dirigiu o seguinte:
«111.""' e ex.'"" sr. — Tendo sido ofFerecido a esta sociedade pelo nosso
consócio o sr. Lopes Mendes o manuscripto original de uma obra do
mesmo cavalheiro sobre a índia portugueza, solicitou em tempo a so-
ciedade ao governo de Sua Magestade a publicação da mesma obra por
consideral-a muito importante para o estudo e conhecimento d'aquella
nossa província. Sendo, porém, necessário proceder-se ao orçamento
respectivo na imprensa nacional, foi por esta sociedade enviado o refe-
rido manuscripto a esse ministério, d'onde não voltou até hoje ao nosso
poder.
"Não tendo, porém, havido communicação de qualquer despacho
concedido á nossa solicitação, e correndo agora na imprensa a noticia
de que vae ser publicada a obra alludida, que é propriedade da socie-
dade de geographia, tenho a honra de pedir a v. ex.'» o obsequio de
me informar acerca da veracidade d'esta noticia, para que eu possa
communicar á direcção o estado do assumpto. — Deus guarde a v. ex.*
Lisboa, 22 de maio de 1884. — 111."'° e ex.""" sr. conselheiro secretario
e director geral do ministério da marinha e ultramar. =0 secretario
perpetuo, Luciano Cordeiro.»
Em 3 de junho de 1884 recebea a sociedade o seguinte:
«Secretaria de estado dos negócios da marinha e ultramar — Direc-
ção geral do ultramar — Sexta repartição — N.»... 111.°"* e ex."» sr. —
S. ex.-'' o ministro e secretario de estado dos negócios da marinha e ultra-
mar encarrega-me de communicar a v. ex." que por seu despacho de
hontem auctorisou a despeza a fazer com a publicação da obra do
sr. António Lopes Mendes, intitulada : A índia portuguesa., e que n'esta
data se dá conhecimento d'esta resolução á imprensa nacional a fim de
proceder á impressão. — Deus guarde a v. ex." Secretaria de estado
dos negócios da marinha e ultramar, em 3 de junho de 1884. — 111."" e
ex.™" sr. presidente da sociedade de geographia de Lisboa. = O dire-
ctor geral, Francisco Joaquim da Costa e Silva. '>
Em 9 de Junho dirigiu a sociedade á imprensa nacional
o seguinte annuncio:
"111. mo e ex."» sr. — Tendo-nos sido communicado pelo ministério da
marinha e ultramar que s. ex." o ministro, por despacho de 2 de junho,
XVIII ADVERTÊNCIA
fora servido auctorisar a despeza a fazer com a publicação de uma
obra pertencente a esta sociedade, intitulada : A índia portuguesa, de
que é auctor o sr. A. Lopes Mendes, tenho a honra de inforinar v. cx."
de que por intermédio d'aquelle ministério será remettido a essa im-
prensa o original do texto d'essa obra e pelo seu auctor os desenhos ou
estampas que devem incluir-se n'ella, e bem assim que o formato da
publicação poderá ser o da obra dos srs. Capello e Ivens.
«Quaesquer outras indicações serão fornecidas a v. ex.-'' por esta se-
cretaria, logo que V. ex." as deseje ou ellas se tornem opportunas. —
Deus guarde a v. ex." Lisboa, 9 de junho de 1884. — 111.°"' e ex.'"" sr.
conselheiro director da imprensa nacional. =0 secretario perpetuo, Lu-
ciano Cordeiro. •>
Na data de 17 de junho recebemos o officio que se segue:
■■111.'"'' e ex.'"^ sr. — Por officio do ministério da marinha e do ultra-
mar, de 3 do corrente, foi-nos communicado que s. ex." o ministro,
deferindo á representação que lhe fizemos, auctorisou a despeza a fa-
zer com a publicação da obra que v. ex.'' teve a generosidade de ofle-
recer á nossa sociedade, intitulada : A índia portuguesa.
"Tendo de dar instrucção á imprensa para o fim indicado, rogo a
V. ex.'' o obsequio de me indicar quando poderemos ter uma pequena
conferencia, por isso que muito naturalmente desejámos que a publica-
ção se faça ao agrado de v. ex." — Deus guarde a v. ex.". Lisboa, 17 de
junho de 1884. — 111."'° e ex."'" sr. A. Lopes Mendes. = O secretario per-
petuo, Luciano Cordeiro.»
Quasi dois annos depois, dirigiu a sociedade ao ministro
da marinha e ultramar o seguinte officio:
«Sociedade de geographia de Lisboa — N." 4Ò-A. — 111.""' e ex.""" sr. —
Conformando-se com o parecer d'esta sociedade e deferindo aos seus
officios de 14 de dezembro de 1881 e de 22 de maio de 1884, de accor-
do com o decreto de 12 de agosto de 18S0, foi servido o governo de
Sua Magcstade ordenar a impressão na imprensa nacional da obra
notabilissima do nosso consócio sr. A. Lopes Mendes, por elle offere-
cida a esta sociedade, e intitulada: A índia portuguesa. Demorada in-
felizmente, e por diversas circumstancias, a composição typographica
respectiva abrange já alguns capítulos, e deve entrar agora em maior
desenvolvimento.
«Não nos apressámos em fixar e propor definitivamente o numero
de exemplares da publicação aiictorisada, que convém espalhar entre
os estudiosos estrangeiros, e da qual não poderá fazer-se sem conside-
rável despeza uma segunda edição, porque aguardávamos que chegasse
ADVERTÊNCIA XIX
O momento em que, indispensavelmente e consideradas todas as neces-
sidades e conveniências da mesma publicação relativamente a este pon-
to, podesse fixar com segurança a respectiva tiragem.
Tendo chegado esse momento, por isso que não podem demorar-se
mais os trabalhos de impressão das primeiras folhas, calculámos pela
seguinte forma a tiragem que nos será necessária :
i:ooo exemplares para distribuição obrigatória e externa da sociedade e commissão central
(sócios, institutos e repartições nacionaes e estrangeiras).
3oo exemplares que o auctor deseja, e nos parece de todo o ponto equitativo concedir-llic.
200 exemplares (reservados a dis'ersos destinos).
«Temos a acrescentar, porém, o numero de exemplares que v. ex.-''
tiver por conveniente determinar que sejam postos á sua disposição ou
d"esse ministério, parecendo-nos consequentemente, que a edição não
deverá ser inferior a 2:000 exemplares, o que por um lado não augmen-
tará a despeza computada, e por outro fará que a obra se torne sufih-
cientemente conhecida, em bom e positivo serviço do paiz, obviando a
que rapidamente se torne rara e á despeza de uma nova edição.
«A obra, comov. ex.'"" naturalmente não ignora, tem verdadeiramente
um caracter monumental: não só é uma interessantíssima e completa
monographia da índia portugueza, estudada e elaborada quasi toda so-
bre o terreno, permitta-se-nos a expressão, mas é o registo e repositó-
rio das memorias e padrões do nosso glorioso império indiano, muitos
dos quaes infelizmente desapparecidos já. É o livro de uma verdadeira
e notável exploração scientifica, artística e estatística d'aquelle Estado.
«Aguardando que v. ex.^ se sirva mandar-nos indicar o numero de
exemplares que considera convenientes que reservemos para esse mi-
nistério, e quaesquer outras ordens com que nos queira honrar, a fim
de fixarmos definitivamente a tiragem a fazer da nossa utilíssima obra
já em adiantada composição, temos a honra de renovar perante v. ex.''
os protestos da alta consideração d'esta sociedade. — Deus guarde a v.
ex.'* Sociedade de geographía de Lisboa, 14 de março de 1886. — 111.""
e ex."'" sr. ministro e secretario de estado dos negócios da marinha e
ultramar.= 0 presidente, António Augusto de Aguiar^O secretario,
perpetuo, Luciano Cordeiro.»
Em resposta a este officio. recebeu a sociedade o seguinte:
«Secretaria de estado dos negócios da marinha e ultramar ^^Direc-
ção geral do ultramar — Sexta repartição — N." . . . 111.""" e ex.»'" sr. —
S. ex." o ministro e secretario de estado dos negócios da marinha e ul-
tramar encarrega-me de dizer a v. ex.", em resposta ao seu officio n."
4tj-A, de 14 de março ultimo, que deverá ser de 2:5oo exemplares a edi-
ção da obra do sr. Lopes Mendes, .4 índia portuguesa, sendo i:25oexem-
XX
ADVERTENXIA
piares destinados á venda, na conformidade do disposto no decreto
de 26 de junho de 1879, 1:000 para a sociedade que v. ex.« dignamente
preside, e 25o para esta secretaria de estado. — Deus guarde a v. ex.^
Secretaria de estado dos negócios da marinha e ultramar, em 10 de
abril de 1886. — 111."" e ex."» sr. presidente da sociedade de geogra-
phiade Lisboa. = O director geval, Francisco Joaquim da Costa c Silva.»
CONSELHEraO JOSÉ VICENTE BARBOSA DU BOCAGE
Agradecer á benemérita sociedade de geographia de Lis-
boa a sua valiosíssima coadjuvação é para nós cumprir um
dever, e publicamente affirmar esta genuina expressão do
nosso sentimento, e com especialidade aos seus dignos pre-
sidentes, os ex.™5 conselheiros visconde de S. Januário (de
quem falíamos no capitulo x), José Mcente Barbosa du Bo-
cage, e António Augusto de Aguiar.
ADVERTÊNCIA
XXI
S. ex.3 o ex."i° conselheiro Barbosa du Bocage, antigo
presidente e um dos mais dedicados fundadores . da socie-
dade de geographia, ex-ministro da marinha e dos negócios
estrangeiros, erudito professor, nosso amigo e mestre, é um
magistrado integro, cuja vida irreprehensivel é citada com
/%?n^1
CONSELHEIRO ANTÓNIO AUGUSTO DE AGUIAR
louvor em toda a parte onde seu illustre e honrado nome
se conhece, venera e respeita.
O ex..^° conselheiro António Augusto de Aguiar, aetual
presidente da sociedade de geographia, ministro honorário
das obras publicas, commercio e industria, encarregado de
uma importante commisscão na índia por occasiao da reali-
sação dos tratados luso-britannicos, é um dos talentos mais
XXII ADVERTÊNCIA
brilhantes da actualidade, de mais reconhecida competência
para os elevados cargos que tem exercido com aprazimento
publico, de génio aniavel, caracter cavalheiresco, e austero
sacerdote da justiça impoUuta.
Agradecemos igualmente, pela notabilissima dedicação
que empregou para se publicar esta obra, ao nosso bom
amigo e consócio, o ex."^" sr. Luciano Cordeiro, secretario
perpetuo, trabalhador infatigável e profundo conhecedor da
nossa historia colonial. E não é somente a nossa cordial
amisade que presta a vassallagem devida aos seus talentos,
aos seus relevantes serviços e aos insignes predicados do
seu caracter. Melhor o fazem os seus consócios na Home-
uao-em a Luciano Cordeiro, adoptando a proposta do sr. Au-
gusto Ribeiro, apresentada em sessão de 7 de dezembro de
"1885. Relata a commissão nomeada para dar parecer sobre
a proposta:. . .«Alem dos trabalhos com que tem enrique-
cido a bibliographia historico-geographica portugueza, por
dezenas se contam ainda as suas outras publicações, que
comprehendem discursos académicos, estudos críticos de lit-
teratura e de arte nacional, obras de economia financeira,
questões de administração municipal e districtal, viagens na
pAiropa, etc.
«Se a isto acrescentarmos que o sr. Luciano Cordeiro,
com a sua longa vida jornalistica, tem redigido e collabora-
do em muitos \^eriodicos políticos, litterarios e scientificos
nacionaes e estrangeiros, ficarão indicados summariamente
alguns documentos que provam com largueza os muitos ser-
viços que, na qualidade de escriptor publico, ha prestado
ao paiz.
«Foi o sr. Luciano Cordeiro quem iniciou a celebração
nacional do terceiro centenário do eminente cantor dos he-
róicos navegadores portuguezes. Foi a seu convite que a
imprensa de Lisboa se reuniu nas salas da sociedade de
geographia e tomou a direcção das festas que em 1880 se
fizeram na capital^ e esta brilhante e ruidosa iniciativa, re-
percutindo em todo o continente, nas ilhas e nas possessões
ADVERTÊNCIA XXIÍI
dc alem-mar, deu logar ás manifestações imponentíssimas
com que a nação inteira aífirmou perante o mundo o seu
reconhecimento e respeito por um compatriota egrégio, fal-
lecido ha três séculos, c[uerendo ao mesmo tempo sj^mboli-
sar em Camões o amor pátrio, que hoje, como então, domina
os que tiveram a ventura de nascer portuguezes.
«Muitas e importantes Scão as commissões de serviço pu-
blico para que tem sido nomeado o sr. Luciano Cordeiro.
«Em 1875 para a commissão encarregada de estudar e
projectar a reforma do ensino artístico, conservação dos mo-
numentos históricos e formação dos museus nacionaes, com-
missão de que foi secretario e relator.
«Em 1876 para a commissão central de geographia, da
qual foi vice-secretario e mais tarde primeiro secretario.
«Em 1878 foi um dos delegados por parte de Portugal
no congresso internacional de geographia de Paris. N"este
congresso tentou-se pôr em duvida a nossa soberania nos
territórios do Congo, chegando a ser apresentado em sessão
plena, pela commissão respectiva, um voto que era eviden-
temente attentatorio d"essa soberania; e o sr. Luciano Cor-
deiro, em nome dos delegados portuguezes, fez opposíção
por forma tão intransigente e patriótica, que o congresso
negou a sua approvação á proposta apresentada subrepti-
ciamente, com o intuito talvez de apressar o desenlance a
que a diplomacia europêa só conseguiu chegar seis annos
depois.
«No mesmo anno de 1878 foi também nomeado para duas
commissões do ministério da marinha, uma das quaes teve
o encargo de propor a reorganisação das missões ultrama-
rinas, e por ella foi eleito secretario relator, e a outra occu-
pou-se de reorganisar e reformar a commissão central de
geographia,
«Em 1881 foi delegado de Portugal no congresso inter-
nacional de sciencias geographicas de ^"eneza. N'este anno
fez também parte da commissão directora do inquérito in-
dustrial, sendo delegado d"ella junto da secção do Porto.
XXIV ADVERTÊNCIA
«Em 18S2 foi nomeado pelo ministério das obras publicas
para o conselho geral do coinmercio, pelo ministério da fa-
zenda para a commissão de reforma e organisaçao do ser-
viço das contrastarias, e pelo ministério do reino para a com-
missão que por parte do governo dirigiu a festividade civica
do centenário do marquez de Pombal.
«Em i883 para a commissão de estudo da emigração por-
tugueza.
«Em 1884 para a commissão central de estatística, e para
delegado technico de Portugal na conferencia internacional
africana de Berlim, que terminou os seus trabalhos no anno
de 18X5.
a O sr. Luciano Cordeiro encetou a carreira do professo-
rado em 1871, sendo nomeado pelo ministério da guerra
para a regência das cadeiras de litteratura e philosophia do
real collegio militar; mas dois annos depois entendeu nobre-
mente que devia pedir a sua demissão, como hzerani tam-
bém outros coUegas seus, em desaggravo de um acto de
immerecida desconsideração que sotfréra um membro da
familia escolar.
«Em 1882 foi nomeado em concurso primeiro official do
ministério do reino, e nos annos de i883, 1884 e i885 tem
ali occupado o logar de chefe da repartição de instrucção
superior.
«Nos cargos electivos que tem desempenhado, já como
procurador á junta geral do districto de Lisboa, em 1878,
já como deputado da nação nas duas ultimas legislaturas,
tem sempre feito parte das commissões internas mais impor-
tantes, e os respectivos registos attestam a multiplicidade de
conhecimentos do trabalhador distincto de que nos estamos
occupando.
«Os pareceres parlamentares relativos ao tratado do Zaire
1 1882) e á conferencia de Berlim 1 1885) e os discursos pro-
nunciados por occasião da discussão deste ultimo, são mo-
numentos que só por si fariam a reputação de um homem
de estudo, e honrariam o paiz a que elle pertencesse; mas
ADVERTÊNCIA
XXV
estas producções não foram uma revelação; confirmaram
niais uma vez o conceito elevado em que era tido já o sr.
Luciano Cordeiro, e augmentaram a gratidão nacional a que
tem jus, por tantos serviços prestados dedicadamente, de-
vendo acrescentar-se que o collar da ordem de S. Thiago,
LUCIANO CORDEIRO
do mérito scientifico, que lhe orna o peito, reflecte pallida-
mente o reconhecimento da nação.
«Tendo-se dedicado, aos estudos historico-geographicos e
ás questões ultramarinas por maneira tão notável que n'e"stes
assumptos occupa entre nós o primeiro logar, é a elle que
recorrem todos os estudiosos e trabalhadores, que procuram
servir a sciencia geographica, e em especial os que buscam
para campo das suas heróicas e civilisadores batalhas o con-
XXVI ADVERTÊNCIA
tincnte africano. Os exploradores consultam-o, e tiram du- i
vidas sobre um c muitos factos*, os exploradores estrangei- i
ros mantéem com elle correspondência activa, não deixando |
nunca de o visitar e ouvir aquelles que passam por Lisboa; 1
e os cavalheiros que nos últimos annos têem gerido a pasta I
da marinha e ultramar hão recorrido varias vezes, nas ques-
tões mais importantes, ao seu conselho auctorisado e á sua '
sincera cooperação, posto nem sempre tenham sido adopta- '
das as suas idéas transformadoras da administração ultra-
marina, j
«O sr. Luciano Cordeiro é um dos portuguezes mais co- i
nhecidos e respeitados lá fora no grande mundo da sciencia, i
e os diplomas que lhe tèeni enviado as sociedades geogra- ]
phicas e os institutos scientificos de Hespanha, França, ;
AUemanha, Bélgica, Itália, Austria-Hungria, Brazil, etc, são "1
honrarias de que nos devemos orgulhar, visto como são os j
nossos homens notáveis que engrandecem e tornam respei- |
tada a nossa querida pátria. j
«Das commissões de serviço publico que tem desempe- i
nhado, devemos especialisar a ultima, de delegado technico '
na conferencia de Berlim, como a mais delicada e melin- ■
drosa. Está ainda por escrever, e talvez nunca se escreva
a parte, que se considera reservada, d'esta conferencia, e se j
porventura for conhecido um dia tudo o que por essa occa- <
sião se passou em Berlim nos bastidores da diplomacia eu- '
ropêa, poder-se-ha saber então quaes os desgostos que soí- •]
freu, os esforços que empregou, a dedicação de que deu |
prova e os conhecimentos que revelou para defender com j
acrisolado patriotismo os interesses de Portugal. j
«Vem a propósito repetir aqui o que a imprensa perio- 1
dica tem affirmado muitas vezes sobre a acção poderosa da i
nossa sociedade em quasi todos os actos praticados nos ^
últimos tempos em beneficio dos nossos domínios africanos ?
e das raças que povoam aquelle continente. Pela nossa 1
constante propaganda conseguimos despertar a attenção j
publica, no sentido de se apreciarem devidamente esses ri-
ADVERTÊNCIA XXVII
quissimos territórios. Pelas nossas investigações e estudos,
postos ao serviço do paiz, temos reivindicado os nossos di-
reitos, demonstrado as nossas aptidões tradicionaes e exce-
pcionaes para a civilisação das raças aborigenes, solicitado e
promovido as medidas que julgamos de necessidade empre-
gar, e finalmente temos auxiliado todas as manifestações
tendentes a mostrar á Europa culta que somos não só os
descendentes dos c[ue descobriram a Africa e ali iniciaram
a civilisação, mas também os continuadores dessa obra gran-
diosa.
«E isto o que diz a imprensa, mas os nossos importantes
archivos dizem mais alguma cousa. Por elles vemos também
que, em todos os trabalhos e emprehendimentos da nossa
sociedade, a parte principal pertence ao sr. Luciano Cor-
deiro, que pela sua talentosa perseverança tem concorrido
enormemente para que a sociedade de geographia conquis-
tasse a posição eminente a que chegou.
«Rasão tem, pois, o sr. Augusto Ribeiro, quando affirma
que cumpre a esta associação honrar o cidadão emérito que
c: A alma de todo o moderno movimento africanista em
Portugal.»
Seria faltar a um dever se deixássemos também de dar
aqui testemunho sincero do nosso reconhecimento á admi-
nistração geral da imprensa nacional, aos srs. typographos,
revisores, desenhadores em madeira, gravadores e estampa-
dores, pela nunca desmentida boa vontade que emprega-
ram para esta obra sair dos prelos o mais nitida possível.
Dos illustres ministros e secretários de estado dos negó-
cios da marinha e ultramar, os ex.™°^ conselheiros José de
Mello Gouveia, Manuel Pinheiro Chagas, e Henrique de
Macedo, que se dignaram auctorisar a publicação d.esta
obra, e uma maior tiragem de exemplares, tratamos devi-
damente na segunda parte deste livro, onde oíferecemos
os retratos de s. ex.^*
A. Lopes Meudes.
•''■■ - ^ ^
CAPITULO PRIMEIRO
Partida de Lisboa para a índia — Silva Mattos — Cabo do Espichel —
Gadiz — Gibraltar — Gruta de S. Miguel— O paquete Moolton —
Gallita — Pantellaria — Pharol de Gozzo (Malta) — Alexandria — Cai-
ro— Suez — O paquete Malta — Mar Roxo — Montanhas da Arábia
— Estreito de Bab-el-Mandeb — Ancoradouro de Aden — Cidade de
Aden — Mar de Oman — Bombay — Bandorá — Barra de Goa — Pha-
rol de Aííuada — Mandovv.
narração que segue é simples-
mente a indicação do nosso iti-
nerário até á barra de Goa, sem
de modo algum pretendermos
descrever a viagem de Lisboa
á índia pelo Egypto. Esta via-
gem encontra-se em muitos roteiros e ou-
)s livros, descripta por homens de ele-
'ada illustração, e por isso nos dispen-
sámos de a descrever.
Partimos de Lisboa a 1 1 de agosto
de 1862, a bordo do Ville de Lisbonne,
paquete francez, que seguia viagem para
Cadiz e Gibraltar, devendo esperar n''esta cidade o paquete
inglez Moolton, que havia de transportar-nos para Alexan-
dria.
2 A índia
Ao separar-nos da encantadora cidade de Lisboa, e dos
nossos estimáveis amigos, o dr. Augusto César da Silva
Mattos e Francisco Joaquim Moniz de Bettencourt, que
receberam a bordo os nossos últimos abraços de despedida,
sentimos bem fundo aquelle delicioso pungir de acerbo
espinho.
SILVA MAlTt
Silva Mattos, poeta mimoso e distincto jurisconsulto, ao
despedir-se, offereceu-nos os seguintes versos, que em ho-
menagem á sincera e nunca desmentida amisade que a elle
sempre nos ligou e ainda hoje liga, aqui devemos transcre-
ver:
Adeus, amigo; n'essas longas plagas
Dias de gloria vás de certo achar:
Junto do berço da encantada aurora,
N'um céu de fogo, no esplendor do mar.
ii;iiiii!iiítí
'•y~""-i-"^T
PORTUGUEZA
Alem dos mares, que vedados foram "
Em velhas eras para um velho mundo,
Derrama luzes, que teu nome dourem,
E em luzes podes vir de lá profundo.
Deixas a pátria! Poderoso verbo
De áureo futuro te desvenda o trilho.
Dos férteis germens, que na mente levas,
Vás noutros climas derramar o brilho.
Nem só dos Gamas a missão é nobre.
Vale a charrua muito mais que a espada;
Castro e Albuquerque são ingentes vultos,
Mas a conquista para o solo é nada.
Vae, bom amigo, segue a tua estrella.
Qualquer na terra cumpre o seu condão;
Caminha ousado para o teu futuro,
Buscando um astro de gentil clarão.
E um dia, rico dos mil bens da terra,
Ou dos thesouros dum saber profundo,
Volta aos amigos, que saudosos deixas
Na extrema raia d'este velho mundo.
Foi com profunda saudade (tormento doce e maguado),
que ás nove horas da manhã vimos sumir-se Lisboa, dei-
xando somente á vista o litoral, que também parecia fugir-
nos. Recordámos, então, com entranhavel sentimento, os
sublimes versos do nosso épico:
Não sei (oh doces aguas!), não sei quando
Vos tornarei a ver; que maguas taes,
Vendo como vos deixo, me deixaes.
Que de tornar já vou desconfiando.
As onze horas dobrávamos o cabo do Espichel, e alta
noite estávamos defronte do promontório de S. Vicente.
Na manhã do dia i2 navegávamos ao longo da costa do
Ajgarve, e em distancia que mal permittia ver as povoa-
ções que a orlam. O tempo estava bello e o mar sereno.
/'.
A índia
Pelas duas horas da tarde fundeava o Ville de Lisbonne na
bahia de Cadiz, onde desembarcámos, aproveitando quatro
horas que nos foram concedidas, para vermos esta encan-
tadora cidade hespanhola. Aqui deixámos o nosso compa-
CABO DE ESPICHEL
nheiro de viagem, o sr. Bustamante de Sá, medico brazi-
leiro, ficando-nos apenas inglezes por companheiros de via-
gem até Goa.
liaâliáfe
Ás seis horas da tarde estávamos de viagem para Gibral-
tar. Passámos de noite o cabo deTrafalgar e o de Espartel^
que formam a entrada occidental do estreito; e na manhã
do dia i3 surgimos em frente de Gibraltar, que, vista da
enseada, offerece uma linda perspectiva.
PORTUGUEZA
Demorámo-nos ali quatro dias, vendo o que tem de mais
notável esta importante praça de armas, de que os inglezes
se apoderaram em 1704.
Na manhã do dia 17 passávamos já, a bordo do Moolton,
entre os montes Calpe e Abyla (columnas de Hercules), que
servem de umbraes á entrada oriental do estreito (Gadi-
tamim fretiim, de Plinio), o iiou pliis iillra dos antigos
mareantes.
GRUTA DE S. MIGUEL EM GIBRALTAR
Em todo este dia navegámos no Mediterrâneo, como
sobre um delicioso e sereno lago, emquanto costeámos a
Hespanha.
Tão doce e aprazível nos foi então a navegação, sempre
debaixo de um céu puro e ameno, como incommoda e des-
agradável depois que chegámos á vista da costa da Barbe-
ria, onde o mar principiou a agitar-se.
No dia 20 avistou-se para sueste a ilha de Gallita, de
natureza vulcânica e deshabitada, pertencente ao be}: de
Tunis. É importante pela pesca de coraes, que é feita, nas
suas proximidades, por italianos, maltezes e tunesinos.
O mar continuava agitado, e o calor intenso e suffo-
cante.
6 A índia .
No dia 2 1 avistámos a ilha de Pantellaria, a antiga Go-
syra, semeada de lindas e alvejantes casinhas.
Não podemos resistir á tentação de tirar um esboço d^ella,
ainda que o incommodo do enjoo, por effeito do movimento
do vapor, mal nol-o permittia. Esta ilha, aonde o mytho-
logico Telemaco encontrou Galipso, serviu sempre de pre-
sidio aos napolitanos.
A navegação no Mediterrâneo continuou a ser incom-
moda por causa da elevada temperatura, até que ao pôr
do sol uma ligeira brisa moderou o calor atmospherico.
A esse tempo avistámos o pharol de Gozzo, na ilha de
Malta, e saltámos em terra de Valette pouco depois.
A cidade de A^alette Malta) está edificada sobre um pro-
montório alto e escarpado, que separa duas grandes ensea-
das. Vista de noite do ancoradouro, produz uma estranha
impressão de novidade. No jardim que fica em frente do
palácio do governo, estivemos contemplando a colossal
estatua de bronze que representa o grão-mestre portuguez
D. António Manuel de A'ilhena, ali erigida em 1736. Aqui
recordámos os nomes dos outros grão-mestres portugue-
zes: D. Aftbnso de Portugal, filho natural de D. Aflbnso
Henriques, D. Luiz Mendes deVasconcellos e Manuel Pinto
da Fonseca.
Pela meia noite deixámos esta bellissima ilha, que na
Volta da índia podemos ver e apreciar melhor.
Em pouco tempo perdemos de vista o celebre Forte
Mqmiel, construído por aquelle grão-mestre D. António
Manuel de Vilhena.
Ao romper do dia 2 5 começámos a ver terra do Egypto,
e ás dez horas ancorava no porto de Alexandria o Moolton.
Ao pormos pé na praia de Alexandria, fomos immediata-
mente cercados por uma innumeravel multidão de indiví-
duos, de trajos e costumes mui ditíerentes dos nossos, entre
os quaes se distinguiam as mulheres, envoltas dos pés até
á cabeça n''uma roupagem azul, deixando apenas ver os
olhos, entre os quaes, por meio de um tubo de metal, ligam
PORTUGUEZA
a parte do panno que lhes cobre a cabeça, á que, em forma
de escapulário, desce quasi até aos pés.
Atravessando as ruas, encontrámos uma quantidade con-
siderável de camelos, muares, búfalos, bois, cavallos e ju-
mentos em grande agitação e confusão, que recrudescia pelos
gritos dos differentes conductores egypcios, árabes, bedui-
nos, judeus e turcos.
Difficil foi, portanto, a passagem do trem que nos con-
duzia ao Peninsular and oriental hotel, situado na praça
dos Cônsules. Notam-se n"esta praça dois lagos com repu-
xos, alimentados pelas aguas do Nilo, que engenheiros
francezes para ali fizeram conduzir em i856.
Pouco depois de chegarmos ao hotel, dirigimo-nos á
residência do sr. Populani, cônsul geral de Portugal, para
lhe entregar uma carta do ex."^° e sempre lembrado conse-
lheiro Rodrigo de Moraes Soares, director geral do minis-
tério das obras publicas, na qual lhe recommendava a
compra de cavallos árabes para padrear. Não encontrámos
o sr. Populani, que por esta occasião andava viajando pela
Europa. Disse-nos, porem, o agente consular, que os bons
cavallos árabes se não encontram em Alexandria, mas em
Suez, aonde os beduínos costumam ir vendel-os.
O pouco tempo, seis horas apenas, que nos demorámos
em Alexandria, empregámol-o em visitar a cidade, que se
compõe de duas partes distinctas: uma habitada pelos tur-
cos e indígenas, e a outra pelos europeus, sendo a praça
dos Cônsules o centro doesta ultima, cujos edifícios elegan-
tes e vistosos parecem ter todas as condições h3'gienicas
para se poder viver com commodidade n''esse cálido clima.
É na parte superior da praça dos Cônsules que está si-
tuado o sumptuoso palácio em que, então, residia o irmão
do vice-rei do Eg3'pto. O bairro em que habitam os "indí-
genas e mouros, exceptuando as mesquitas e as habitações
dos turcos, compõe-se de miseráveis choças de terra, onde
vivem os desgraçados yc/j/zj-, representantes da escala infe-
rior da sociedade egypcia.
A índia
Ás cinco horas da tarde partimos de Alexandria pelo ca-
minho de ferro para o Cairo. A esquerda da linha férrea, '
vèem-se plantações e culturas regulares^ palacetes elegan- ;
tes, com vistosos jardins, estradas orladas de palmeiras, j
formando contraste com a parte que fica á direita da mes-
ma linha, que é árida e composta de terrenos siliciosos, de
aspecto melancholico e lúgubre. Esta parte é cortada ao \
occidente por um braço do Mediterrâneo. I
Em seis horas percorremos, pelo caminho de íerro, o
espaço comprehendido entre Alexandria e o Cairo; ás onze ;
horas da noite entravamos no SIicpheard's hotel.
ILHA DE (ÍALLITA
No dia 26 logo de manhã cedo atravessámos, montados |
em um pequeno jumento, meio de transporte muito usado ,
no Cairo, a planicie que separa Boiílag do Grão Cairo, e
cujo aspetto é magestoso. Em seguida entrámos nas longas \
ruas da cidade, estreitas, tortuosas e térreas, ladeadas de
casas pela maior parte de tristíssima apparencia, e dirigi- '
mo-nos á esplendida mesquita de Mahomet Ali, particular-
mente considerada como o templo do islamismo, em que
o génio árabe desenvolveu todo o seu enthusiasmo e fecun-
didade. Ao entrar na mesquita tivemos de nos descalçar,
e pagar i shilling aos egypcios, que nos abriram as por- '
tas do templo, e nos calçaram umas alpercatas de panno, j
PORTUGUEZA
recommendando-nos que conservássemos o chapéu na ca-
beça para podermos passar ao interior.
Esta mesquita, situada no centro do castello do Cairo,
é construida de grés vermelho e porph3TO syenitico. O grés
ILHA DE PANTELLARI;!
é Igual ao das magnificas agulhas de Cleópatra e columna
de Pompeu, que vimos em Alexandria.
wí'V-
PHAROL DE GOZZO
O interior é de uma magnificência surprehendente. As
paredes são revestidas de S3'enites granitoides e de por-
phyro, de que é bordada toda a bacia do golfo de Suez.
Em uma riquissima capella á direita da entrada, está o
tumulo de oiro do fundador Mahomet Ali, esse soldado
ro A índia
albanez que, depois de aniquilar os mamelukos, lançou os
fundamentos da regeneraçcão egypcia.
De sobre as muralhas do castello avista-se em todas as
direcções um panorama extenso e esplendido. Na parte
inferior, a grande cidade cortada por dezenas de ruas e
travessas, com suas numerosas torres, zimbórios e mina-
retes; em frente, o Nilo cheio de embarcações de differente
construcção; do lado direito, o deserto de Gi:{eh com as
celebres pyramides Cheops e Giasur e outras mais peque-
nas, e o Sphinge; do lado opposto, outro deserto e as mon-
tanhas escalvadas que o costeiam.
Visitámos em seguida o Poço de José, uma das curiosi-
dades mais interessantes da cidadella, e no plano superior
d'esta uma parte do palácio do pachá. Nada ali havia de
notável, que nos prendesse a attenção, senão as cavalla-
riças de Said Passeia, onde admirámos bellissimos cavallos
numidas e árabes de pellame branco; e no dia immediato
vimos os jardins e o palácio de estio do vice-rei.
Passámos pela vasta praça de Esbckydi, adornada com
ricos palácios do vice-rei e de differentes personagens tur-
cos e eg3'pcios, seguindo por uma rua que corre ao longo
da cidade na extensão de 2 kilometros, toda arborisada de
rumboll (íicus glomerata), acácias e outras arvores de orna-
mento.
Nos jardins de Said Passeia, então vice-rei do Egypto,
onde se vêem plantas de todas as latitudes conjunctamente
com as indígenas, encontra-se, ao fim de uma extensa ala-
meda, o grandioso e esplendido kiosk de Choiibra, e outros
de menor grandeza, mas todos magnificentes.
O palácio de estio, coUocado no centro dos jardins, é 1
superior a tudo quanto em maravilhas se descreve nas Mil i
e uma noites! \
Havendo saído do Cairo ás oito horas da tarde do dia 26 \
de agosto, pela linha férrea que atravessa o deserto de
Gizeh, chegámos a Suez pelas duas horas da manhã do dia
27, tendo atravessado o deserto em seis horas. As quarto
PORTUGUEZA 1 1
horas da manhã estávamos a bordo do Malta, um dos
melhores paquetes da linha ingleza no mar das índias, que
nos devia conduzir a Bombay.
O ancoradouro dos grandes vapores da carreira do Mar
Roxo fica distante da cidade de Suez, por causa dos bai-
xios da enseada. A sua navegação é feita em pequenos
vapores, que conduzem os passageiros e as bagagens até
pouco alem do sitio memorável, em que, segundo a opinião
mais geralmente recebida, se eflectuou a passagem dos he-
breus conduzidos por Moysés.
Desde 27 de agosto até o i .° de setembro navegámos so-
bre o Golfo Arábico ou Mar Roxo, aonde as gloriosas qui-
nas portuguezas abateram a soberba do leão de S. Marcos.
Nos primeiros dois dias de viagem soffremos uma brisa
forte e contraria, que agitava consideravelmente o mar.
No terceiro dia acalniou o vento, succedendo-se então um
calor suffocante, que augmentou de intensidade na passa-
gem do trópico. Aqui vivemos durante cinco dias uma vida
monótona e triste, para a qual predispõe o árido aspecto
da costa, quer da Africa, quer da Arábia. As vezes, para
interromper aquella monotonia, entretinhamo-nos em dese-
nhar as montanhas e os rochedos solitários, despovoados
de vegetação, ou contemplando ao mesmo tempo grandes
cardumes de peixes voadores, que por ali pairam.
Para cumulo de enfado, sente-se também uma difterença
de tratamento a bordo, que só se poderá explicar pela que
ha entre os usos inglezes na Europa, onde elles sustentam
a liberdade, e na Ásia aonde ostentam a auctoridade.
Havendo no dia i." de setembro transposto as portas do
estreito de Bab-el-Mandeb, seguimos ao longo da costa
sul da Arábia Pétrea, e entrámos no porto de Aden para
metter carvão.
Aden, aonde o calor é suffocante, e a terra exhala um
cheiro ammoniacal e sulphureo, é imponente pelo aspecto
de suas altas montanhas de natureza vulcânica, denegridas,
nuas e de forma phantastica, aonde raro desponta alguma
12
A índia
panicula rachitica, que cresce nas quebradas mais abriga-
das e húmidas. Foi d^ili que Aftbnso de Albuquerque ex-
pulsou os árabes em i5i3.
A cidade, situada entre montanhas modernamente forti-
ficadas, consiste n\ima pequena reunião de casas construi-
das de pedra e cal, e de bella apparencia. Tem duas igre-
jas: uma catholica e outra protestante. Esta está n'uma
elevação, e é de pedra e cal; a catholica é construída de
taipa e coberta de capim. Cerca d'esta igreja existem algu-
mas arvores e arbustos da familia das leguminosas, devidas
SHEPHEARD S HOTEL
aos perseverantes cuidados dos missionários e dos inglezes,
que em toda a parte procuram forçar a natureza a satisfazer
aos seus caprichos.
O nosso desejo de ver os bons cavallos árabes foi satis-
feito em Aden. Aqui os vimos, montados por beduínos do
deserto, e soubemos então de um missionário hespanhol,
que um cavallo da melhor raça custava i :ooo francos. Estes
cavallos são importados de Hadramant e Nedjed, bem como
as duas raças de camelos empregados na cavallaria e nas
conduccões de mercadorias.
PORTUGUEZA
l3
Na praia da bahia oriental, fora da cidade e distante
d'ella 5 kilometros, estão installados os quartéis dos offi-
ciaes e soldados inglezes, assim como os abarracamentos,
MONTANHAS DA ARÁBIA
por ser esta posição mais fresca e saudável. É também ali
que se acha estabelecido o Pr ince ofWalks Hotel, do persa
Sorabjee Cowasjee.
ESTREITO DE BAB-EL-MANDEb
As duas horas da manhã do dia 2 de setembro deixámos
a bahia de Aden, sem saudade do clima e dos indígenas
que nos perseguiam constantemente, otíerecendo-nos pro-
ductos marinhos e pennas de aves.
14 A índia
Havendo perdido de vista a costa da Arábia Pétrea no
dia 3, e já quando navegávamos em frente do Golfo Pér-
sico sobre o mar de Oman, uma multidão de delphins veiu
rodear o Malta, e annunciar-nos a tormenta no mar, que
effectivamente soflremos até ao dia 6, dois dias antes de
chegarmos a Bombay.
Na tarde do dia 8 ancorou o Malta no porto de Bombay.
No dia 10, como não podessemos obter transporte para
Goa, por haver poucos dias antes naufragado o vapor da
carreira do sul, fomos, a convite do sr. Braz Fernandes,
que então era vice-consul portuguez em Bombay, residir
com elle em Bandorá, até se restabelecer a carreira de va-
pores para Goa, o que só teve logar no dia 29 de setem-
bro.
Seja-nos permittido consignar aqui á memoria do sr. Braz
Fernandes o nosso reconhecimento pela obsequiosa hospi-
talidade, que se dignou prestar-nos durante o tempo que
nos demorámos em Bandorá.
A segurança e vastidão de seu porto e á sua situação
a respeito dos golfos da Pérsia e da Arábia, deve Bom-
bay o engrandecimento do seu commercio, e ser actual-
mente — como foi Goa, nos tempos do nosso grande poder
na Ásia — o empório commercial de toda a costa occidental
da índia.
A ilha de Bombay propriamente dita, foi antigamente
(como é sabido) possessão portugueza, da qual tomaram
posse os inglezes em 4 de fevereiro de i665, em virtude
dos tratados e convenções celebrados entre as coroas de
Portugal e da Gran-Bretanha em 1661, por occasião do
casamento da infanta D. Catharina, irmã de D. AífonsoVI
de Portugal, com el-rei Carlos II de Inglaterra. Tem na
sua maior extensão, desde a ponta ao sueste em que se
acha estabelecido o arsenal até á porta de Sion junto ao
esteiro, que a separa pelo norte da ilha de Salcete, 8 mi-
lhas, e de largura 3. Está separada do continente da índia
por um braço de mar, que lhe forma o porto.
1
CARTA
FOZ DO MANDOVY EDO ZUARy
> ' W»^
I lírlino-acL.
Jr.\fc\
y'M\<S:^-:^,
PORTUGUEZA j 5
O recinto da nossa antiga fortaleza (hoje inteiramente
arrazada) inclue a capital, entre a qual e os bairros de
Solapur, Cavei e Calcavady se estende uma vasta expla-
nada, denominada Campal, cortada em differentes sentidos
por estradas espaçosas, macadamisadas e orladas de fron-
dosas arvores.
_ Bombay— capital virtual do grande império indo-britan-
nico-vê, cada anno, surgir novos editicios, novos estabe-
lecimentos de beneficência e utilidade publica. Encerra no
seu seio uma universidade, hospitaes, museus, jardins botâ-
nicos, collegios, arsenaes, estaleiros, docas, emfim, tudo o
que caracterisa e constitue um grande centro de civilisaçao.
No dia 29 de setembro embarcámos no Hilliuson vapor
da linha do sul da índia, que de Bombav nos conduziu a
Goa. Esta curta viagem foi summamente penosa, em con-
sequência da grande agitação do mar, e dos últimos agua-
ceiros da estaçcão pluviosa.
Ao alvorecer do primeiro dia de outubro fundeávamos
em frente da praça de Aguada, na foz do amplíssimo rio
Mandovy, exactamente no sitio onde cinco annos depois
de conquistar Goa ao Hidal-Kan, falleceu em 1 6 de dezem-
bro de iDi5 o Marte portuguez, AlTonso de Albuquerque,
mal com os homens por amor de cl-rei, mal com el -rei por
amor dos hom.ens.
Uma hora depois do Hilliuson checar á barra de Goa
navegávamos sobre as aguas do Mandovv em um escaler'
que de Pangim tinha vindo á rada receber miss Elisabeth
Johanna Eleonora Lobato de Faria, esposa do sr. major
do exercito de Goa, Eduardo Lobato de Faria, que junta-
mente com uma creada malaia, nos fora em Bombay re-
commendada pelo vice-consul. O escaler era tripulado' .por
marinheiros indígenas, de cor escura, e a quem somente um
panno cobre as partes, que a cobrir natura ensina.
A barra de Goa terá de largura na entrada 2,5 a 3 kilo-
metros. Ao norte fica a fortaleza de Aguada, e ao sul o
outeiro do Gabo. Esta barra, onde desemboca o Mandovy,
ib A índia
é desabrigada, e os navios ficam em perigo todas as vezes
que ha temporaes do sudoeste. É por isso que durante o
inverno, que principia depois de 20 de maio e dura até fins
de setembro — ainda que o dia 10 de agosto ou de S. Lou-
renço seja consagrado á abertura da barra, segundo a
antiga crença do povo de Goa — os navios que chegarem
a este porto, ou que vierem corridos pelo tempo, devem
procurar a barra de Mormugão ao sul da barra de Aguada,
entre o cabo e a fortaleza de Mormugão ao noroeste de
Salcete, como se vê no desenho, aonde podem entrar em
todo o tempo, e abrigar-se das travessias do inverno da
costa. ! '
Em outros mezes do anno o surgidouro da Aguada é H
excéllente. O fundo de meia barra para o norte e de meia
barra para o sul, assim como todo o canal até ao surgi-
douro de Pangim, é de pedra e areia, e d''ahi para diante
até á velha cidade de Goa é de lodo.
A praça de Aguada tem um pharol do S3-stema Argand,
de luz catoptrica, fazendo trinta voltas por hora, e visível
a distancia de 26 milhas geographicas. Este pharol está |
situado a 8õ"^,65 acima da mais alta maré, e a i5° 29' 17"
de latitude N. e 78° 4.3' 46" de longitude E. de Greenwich.
PORTUGUEZA
17
O estabelecimento do porto de Goa, isto é, a hora da
maré cheia das aguas vivas, ou cabeça de agua, como lhe
chamam os práticos, é ás 1 1 horas e 40 minutos.
A preamar de aguas vivas augmenta sobre a sua baixa-
mar 2-,o a 2-,5o, e a preamar de aguas mortas augmenta
sobre a baixamar de aguas vi\-as de i™,32 a 1"^ 54.
HOLLOW ROAD'(Ar)EN)
Na occasiáo em que o escaler navegava nas proximida-
des do frondoso palmar de Carazalem, junto ao forte de
«-aspar Dias, não podemos conter uma exclamação de
espanto, que nos provocara o esplendor da paizagem que
se nos offerecia á vista. r d m
i8
A índia
Por entre as bellezas de uma natureza luxuriante sobre-
saía a cidade que fôra theatro de grandes glorias portu-
cTuezas O sr. capitão Joaquim Lobato, que presenciara o
nosso enthusiasmo, ponderou que: «ô estado de Goa era
a parte do Indostão mais favorecida da natureza, e que
offerecia paizagens mais encantadoras. E na opmiao de
todos os viajantes o mais esplendido e ameno paiz da costa
do Malabar».
E este o bellissimo paiz que ha trezentos cincoenta e
três annos, approximadamente, o insigne capitão-mór Af-
fonso de Albuquerque conquistou pela primeira vez, vindo,
por conselho de Timoja, com 21 embarcações e r.boo ho-
mens, fundear na barra de Aguada no dia i5 de fevereiro de
iSio Em seguida mandou sondar o rio por seu sobrinho
D António de Noronha, que sendo presentido pelos mouros
da auarnicão do castello de Pangim (hoje palácio do go-
verno) teve de sustentar um renhido combate, do qual re-
sultou a tomada do castello, permittindo ao capitao-mor
navegar rio acima, e ir fundear a sua frota cm frente da
cidad^^e de Goa, aonde entrou no dia 16 com assentimento
dos principaes habitantes. _ , r, a' r
Três mezes depois veiu, pela província de Ponda, La-
mal-Kan assentar o seu arraial defronte do castello de
Benastary, pondo cerco á cidade quando se lhe reuniu o
Hidal-Kan com 60:000 homens de seu commando.
Não podendo defender a cidade, embarcou, muito a
custo Alíonso de Albuquerque, na sua frota, e veiu no dia
3 I de' maio postar-se emre Ribandar e Pangim. Numa si-
tuação cheia de embaraços esteve a frota durante três
me/es soffrendo toda a sorte de privações e doenças, ate
que em agosto pôde sair a barra e dirigir-se a Cananor.
Em 24 de novembro do mesmo anno voltou a fundear
na barra de Aguada com i:5oo portuguezes e 3oo malabares
em 23 velas. .
Durante a noite penetrou no no Mandovy, e íoi postar-
se cm frente da cidade de Goa, que na madrugada do dia
PORTUGUEZA
IQ
25 atacou denodadamente, e a tomou, entrando n'ella pela
porta da Ribeira, depois de violento combate.
Em abril de i5i i, havendo estabelecido o governo da ci-
dade, e confiado a sua defeza a 400 portuguezes, partiu
Affonso de Albuquerque para Cananor, Cochim, Sumatra e
Malaca.
Voltando a Cochim, recebeu a noticia de que a cidade de
Goa estava novamente cercada pelo Hidal-Kan. ^'indo em
soccorro dos sitiados, apoderou-se do castello de Benastar}'
(depois denominado de S. Thiago) e derrotou o exercito
inimigo.
Em 18 de fevereiro de i5i3 partiu de Goa em direcção
ao Mar Roxo. Chegando a Aden acommetteu a cidade, e,
três dias depois, mandou queimar as embarcações dos
mouros surtas na bahia, e largar as velas para o Golfo
Arábico, objecto principal da sua viagem.
Apenas chegou a Bab-cl-Mandcb mandou embandeirar a
frota e salvar com toda a artilheria em satisfação de haver
transposto o estreito, até então desconhecido aos mareantes
christãos.
No dia seguinte navegou em direcção á ilha de Gibel
Çocor, e doesta passou á de Camarão, aonde os temporaes
o obrigaram a invernar.
Voltando a Aden, tomou alguns navios aos mouros, e
largou para a índia. Dobrou o cabo Jaquete e foi surgir no
porto de Diu, d'oncie partiu para Chaul e de lá para Goa.
Tendo visitado todas as fortalezas do dominio portuguez
no Oriente, e providenciado sobre o despacho das naus do
reino, mandou apparelhar a armada, que o devia transpor-
tar a Ormuz, onde chegou no dia 26 de março de i5i5.
De volta da sua expedição ao Golfo Pérsico, attribulado
por mil desgostos, e gravemente doente, o egrégio conquis-
tador d"'esta região encantadora e deliciosa chegou á barra
de Goa, e deixou de existir, como já dissemos, pelas cinco
horas da manhã do dia 16 de dezembro de i5i5, tendo
sessenta e três annos de idade.
20
A índia
Depois do escaler transpor a restinga do banco da barra,
seguindo encostado á praia do Campal de D. Manuel, o
sr. Lobato proseguiu: «Ahi temos Pangim. É a cidade do
conde de Torres Novas, o iniciador das grandes estradas,
e de todos os melhoramentos materiaes da epocha presente
na índia portugueza».
BANDORÁ — RESIDÊNCIA DO VICE-CONSUL PORTUGUEZ EM BOMBAV
A cidade de Pangim, entremeada de bosques mais ou
menos fechados, de palmeiras verde-negras, vista n^aquella
occasião em que se achava dourada pelo arrebol da manhã,
infundiu-nos uma alma nova.
CAPITULO II
Conde de Torres Novas — Possessões portuguezas na Ásia — Principaes
rios do território de Goa — Clima — Estatistica — Ossoró — Pancathy
— Sigamó — Adáo — Ganez — Ribandar — Machila — Convento de
Chimbel — Hospital da Misericórdia — Fabrica da pólvora — Semi-
nário do Chorão — Forte de Santo Estevão — Goa — Principaes edi-
fícios da cidade velha de Goa — Igreja do Bom Jesus— Tumulo de
S. Francisco Xavier
y OUÇO depois da nossa chegada a
Pangim, fomos apresentar-nos
oíficialmente no palácio do go-
verno geral.
S. ex.''' o sr. conde de Torres
Novas, de um caracter levanta-
do e firme, de uma alma gene-
rosa e nobre, dignou-se receber-
nos com a sua costumada e
nunca desmentida benevolência
e extremada delicadeza, oftere-
cendo-nos no seu palácio franca
hospedagem, da qual tivemos
a honra de nos utilisar até janeiro de i8ó5, epocha em que
se retirou para Portugal.
22 A ÍNDIA
Náo obstante ser bem conhecida a vida publica doeste
benemérito e illustre general, corria nos o grato dever de
escrever n^este logar a sua biographia, se a natureza doeste
trabalho o comportasse,
Limitar-nos-hemos, portanto, a fazer uma concisa rese-
nha dos principaes actos e demonstrações que os assigna-
laram durante o seu governo no Estado da índia.
Tendo sido nomeado governador geral do mesmo Estado
em i855, o seu primeiro acto, depois de tomar conta do
governo, foi pacificar o paiz — em guerra desde 18^2 —
com a persuasão e medidas de suave e recta administração
de justiça, conseguindo por estes meios a restauração das
aldeias da província de Satary, arruinadas pelos estragos'
causados pela guerra de que fora theatro.
Em 1837, durante a guerra dos S3'paes da índia ingleza,
prestou importantíssimos serviços ao governo de sua ma-
gestade britannica, facilitando, através do território de Goa,
a marcha de tropas inglezas destinadas a debellar a insur-
reição de uma parte do exercito de Bombay.
Em novembro de iSoy, de accordo com o governo da pre-
sidência de Bombay, estabeleceu a primeira linha de tele-
grapho eléctrico de Belgão a Goa, de que resultaram para
o Estado da índia as grandes vantagens que hoje está aufe-
rindo.
Em março de i858 foi reconduzido por mais três annos
no cargo de governador geral, recebendo por essa occasião
do ministro da marinha e ultramar um ofticio, onde se lê o
seguinte: «Exigindo a conservação da boa ordem e da segu-
rança do Estado da índia, que, durante a crise violenta por
que está passando o império inglez na índia, o governo de -
aquelle Estado esteja confiado a mãos hábeis, e que pos-
sam, por providencias adequadas, evitar-lhe os perigos, e
compromettimentos que de tal crise podem resultar: e me-
recendo a plena approvação de sua magestade o zelo e 1
acerto com que, em circumstancias tão melindrosas, se tem j
conduzido o actual governador do referido Estado, seria do j
1
PORTUGUEZA
23
acerado do mesmo augusto senhor que o dito governador
se conservasse n^aquella commissão, emquanto as circum-
stancias indicadas assim o exigissem».
S. ex.'^ correspondeu tão plenamente á espectativa do
governo da metrópole, que, por decretos de 19 de março
de 18Ó1 e 8 de abril de 18(34, foi novamente reconduzido
no governo da índia.
Durante o seu esclarecido governo tizeram-se importan-
tíssimas construcções urbanas em Pangim; melhoraram-se
notavelmente os principaes edifícios religiosos, civis e mili-
tares de Goa; foram construídas muitas e extensas estradas
pelo systema moderno, sendo a primeira, a que de Verem
— defronte de Pangim — corre todo o território portuguez
até Sinquervale na fronteira ingleza, inaugurada e aberta ao
transito publico no dia ib de setembro de i858*.
1 O ex.""> conselheiro Thomaz Nunes da Serra e Moura, procurador
da coroa e fazenda de Goa, no seu relatório de 3o de abril de 1875, res-
pondendo ao questionário do sr. António Pedro de Carvalho, diz o se-
guinte :
«É digno de ser consultado o excelknie relatório dos obras publicas
que se executaram em Goa, desde a posse d'aquelle sempre lembrado
governador (conde de Torres Novas) até ao fim de fevereiro de 1864,
cetJi vieres do seu governo; trabalho elaborado pelo fallecido visconde
de Bucellas, coronel inspector das obras publicas d'este Estado.
«Entre estas obras legadas ao paiz por aquelle varão illustre, que
tão grata memoria deixou na Índia portugueza e ingleza, avultam as
seguintes:
«Onze estradas principaes, alem das vicinaes (e da de Sinquervale,
acima mencionada), taes como a estrada de Ribandar, a de Ribandar
ao Pelourinho, a de Santa Ignez a D. Paula, a de Pernem, a de Torres
Novas, a do antigo Pelourinho á passagem de S. Braz, a do Pelourinho
ás ruinas do convento de S. Paulo, a do Carril, a estrada principal do
concelho de Bardez. a estrada principal do concelho de Salcete; cinco
cães; obras dos cemitérios em differentes pontos; reforma e conserva-
ção dos conventos da Madre de Deus, de S. Caetano, de S. Francisco,
do Cabo, do Pilar, e da igreja do Bom Jesus, deposito sagrado do apos-
tolo das Índias, S. Francisco Xavier; obras da contadoria geral, do gran-
de quartel da capital; nas igrejas em Pernem, Canácona, Galgebaga,
24
A índia
Sobre obras publicas muito fez o liberal e illustrado conde
deTorres Novas, que bem se pôde denominar o regenerador \\
da índia portugueza. ij
CONDE DE TORRES NOVAS
S. ex.'*, respeitando sempre a legitima liberdade dos ci-
dadãos, conseguiu que se traduzisse em verdade o direito
e as praticas constitucionaes.
Pondá e Sirodá; algumas metas novas, como a deTorxem, Darval, Nei-
baga, etc; obras no palácio archiepiscopal de Panelim e no palácio do
governo geral na capital; oito pontes, como a de Assenorá, Nanorá
Mapuçá, etc; e outras obras em postos, praças e quartéis; o trapiche
da alfandega principal; ruas da cidade velha, da capital e da villa de
Mapuçá, etc; sendo a importância das 170 verbas, de que consta o
referido relatório, de um miihâo e quinhentos mil xeratins, sem que
fosse necessário para taes obras o sacriticio do lançamento de novas
contribuições.»
PORTUGUEZA
2 D
Promoveu, por quantos meios estavam ao seu alcance,
o bem estar moral e material dos habitantes do Estado da
índia portugueza confiado ao seu governo paternal. E aquel-
les povos, fazendo-lhe a devida justiça, corresponderam aos
seus desvelos, dando-lhe contínuas e plenas demonstrações
de obediência, de sj^mpathia e de reconhecimento.
BIO DE CHAPORA
O seu procedimento na índia correspondeu plenamente
ás esperanças que havia feito conceber a sua merecida
reputação, pelos seus excellentes dotes pessoaes, por sua
intelligencia e bravura, pelo amor ao estudo e por enthu-
siastica adhesão á causa da liberdade, pela qual luctou
sempre como valente, leal e dedicado soldado, com a maior
abnegação e o mais extremado patriotismo.
O governo da metrópole não deixou de reconhecer igual-
mente os relevantes serviços que o ex.'"^ conde prestou du-
rante os nove annos que governou a índia, como consta das
diíferentes peças officiaes de louvor e remuneração de ser-
viços publicadas no Relatório ou defeca e reclamação da
•20 A índia
junta de fj-enda publica do Estado da índia dirigida a sua
magcstade el-rei em 1864, e publicada na imprensa nacio-
narde Nova Goa. N'este importantissimo relatório, redigido
pelo ex."''° conselheiro Thomaz Nunes da Serra e Moura
— então procurador da coroa e fazenda, e hoje juiz da re-
lação de Lisboa— encontrarão os leitores noticia desenvol-
vida do modo distincto como o ex."^" conde se desempenhou
do cargo de governador geral da índia, e a indicação dos
serviços prestados por este benemérito da pátria.
O retrato do illustre conde de Torres Novas é copia de
um esboceto a lápis, que tirámos do natural em i863.
Antes de proseguirmos na exposição do que vimos e estu-
dámos na índia, julgámos conveniente fazer aqui menção
das actuaes possessões portuguezas n'aquella parte da Ásia,
que são as que se seguem: Território de Goa, ilha de An- \
gediva, Damão, Praganã-Nagar-Avely e Diu. Estão com-
prehendidas entre as latitudes N. 14" 40' e 20° 42' e as
longitudes E. de Greenwich 70° 2d' e 74° 24', e demoram
entre o Cabo Comorim e o golfo de Cambava.
O território de Goa está situado na orla marítima Occi-
dental do Indostão, nos limites do Concão do sul.
Toda esta região tem io5 kilometros de comprido desde
Torxem a Polem, e 60 de largo, desde Mormugão até ao
gatte ou montanha de Tinem, abrangendo proximamente a
superfície de 400:000 hectares.
Divide-se geographicamente em províncias das Velhas e
Novas Conquistas.
As provindas das Velhas Conquistas são:
Ilha deTissuaryou de Goa, e ilhas adjacentes, taes como:
a ilha de Chorão, da Piedade, Santo Estevão ou de Jua,
Capão, Corjuem, Mota, Totó e Combarjua; províncias de
Bardez, Salcete e ilha de Angediva ao sul de Caruwar.
As provindas das Novas Conquistas são as seguintes:
Pernem eTiracol, Bicholim ou Batagrama-, Satary, Pondá
ou Antruz, Embarbacem, Cacorá, Chandrovaddy, Bally e
Astagrar (sendo as cinco ultimas chamadas provindas de
PORTUGUKZA 27
Zambaulim ou Panchcmal), Canácona e jurisdicção de Cabo
de Rama ou Cola'.
A ilha de Angediva está situada na costa do Malabar, a
70 kilometros ao S. de Pangim, na latitude N. i4''45' 674" lo'
de longitude E. de Greenwich.
O território portuguez de Damão está situado a leste do
golfo de Cambaya a 20*^ 22' de latitude N. e 72° 35' de
longitude E. de Greenwich; achando-sc a Praganá-Nagar-
Avely a SO. e completamente separada da praça de Da-
mão, na distancia de 20 kilometros.
A praça e cidade de Diu estanceia próxima da costa sul
da península de Guzerate, a 20° 42' de latitude N. e a 70°
2 5' de longitude E. de Greenwich, e a 600 kilometros ao
norte da capital do Estado da índia portugueza.
Os principaes rios que banham o território de Goa são
nove: o rio Arondem ou de Tiracol, de Chaporá, de Baga,
de Sinquerim, Mando\y ou de Goa, Zoary ou de Mormu-
gão, do Sal ou de Betul, de Talapóna e o de Calisbága.
O rio de Arondem ou de Tiracol, o mais septentrional do
território de Goa, divide a província de Pernem da de Sainit
Wcirim, ou antigos domínios do Bounsuló. Está situado na
latitude N. 15" 45' e longitude E. 73° 4' 39" do meridiano de
Greenwich. Tem de extensão 1 i,5 milhas, e segue a direc-
1 Actualmente as províncias das Novas Conquistas estão divididas
em seis concelhos, pelo decreto de 14 de dezembro de 1880.
O 1° dsnomina-se de Pernem, comprehendendo a província d"este
nome e o districto de Tiracol, com a sede na cassabé de Pernem.
O 2.°, de Sanquelim, comprehendendo as províncias de Bicholim ou
Batagrama e Satary, com a sede em Sanquelim.
O 3.°, de Pondá, com a sede na cassabé de Pondá.
O 4.", de Sanguem, comprehendendo as províncias de Embarbacem
e Astagrar, com a sede em Sanguem.
O 5.", de Quepem, comprehendendo as províncias de Chandrovaddy,
Cacorá e Bally, com a sede em Quepem.
O G.", de Canácona, o Torofo de Cotlgão e a jurisdicção de Cabo de
Rama, com a sede cm Canácona.
28
A índia
cão de NE. Toma a sua origem na Índia ingleza, e depois
de banhar o limite norte de Pernem desde Torxem até
Querim, vae desaguar no Oceano Indico entre Querim e a
fortaleza de Tiracol. É navegável por pequenas tonas ou
canoas, desde Uguem até Naibaga; chegando ali a maré,
torna-se navegável por grandes tonas até Tiracol, onde dá
entrada a patamarins e outras embarcações costeiras de
menor lote. Conta de fundo na entrada i,5 a 2 braças, e
dentro do rio 3.
O rio de Chapord separa as províncias de Bicholim e de
Bardez da província de Pernem. Jaz na latitude N. i5° 37'
3o" e longitude E. 73° 46' 9''. Mede a extensão de 14 milhas,
seguindo a direcção NE. na entrada, e depois em zigue-za-
gue differentes rumos do quadrante NE. Tem a sua origem
no território britannico, e a sua foz entre Chaporá e Mor-
gim. É navegável por grandes tonas até Macazana, e d''ali
para cima até á praça de Alorna por pequenas canoas. A sua
profundidade é de i braça no banco, 2 na entrada e 2 a 2,5
dentro do rio. O banco da entrada tem duas pedras visíveis
na baixamar; franqueia entrada ás embarcações de lote
menor do de patamarins.
PORTUGUEZA
29
O corte do pequeno isthmo de Colual daria a fácil e
importante ligação do Mandov}- —pelo estreito deTivim —
com o rio de Chaporá, transformando em ilha a península
de Bardez^
O rio de Baga toma origem na província de Bardez, e
vae desaguar no Oceano Indico junto do extincto e arruinado
RIO ZaAlíV EU TO.NCA
reducto do mesmo nome, É navegável por tonas na exten-
Scão de 1 milha onde chega a maré.
O rio de Sinqiierim, com extensão de 3,5 milhas, tem
origem ao sul da península de Bardez, próximo a Verem.
Concorre para formar a península de Aguada, e vae des-
' Já se deu principio a esta grande obr
3o A índia
aguar na foz do Mandov3^ É navegável por grandes tonas,
e tem a profundidade de 3 braças na sua foz, 2,5, 2 e i
dentro do rio.
A ligação d''estc rio com o Mandovy, próximo a Acerem, |
seria também de summa importância para a navegação, j
principalmente na epocha do anno em que os bancos de |
areia do interior de Aguada não permittem a navegação j
entre a fortaleza dos Reis Magos e a de Gaspar Dias.
O rio Mandovy ou de Goa tem as suas principaes origens
no Torli-noi-volvota, Madcy q o rio Rogará da província de
Satarv, e no rio Negro, de Embarbacem; e a sua foz na
latitude N. i5° 29' 17" e longitude E. 73° 46' 4(3" Greenwich
forma a bellissima entrada da praça de Aguada; banha a
nordeste e oeste a província de Pondá, e o norte e leste
da. ilha Tissuar}^ ou de Goa; circumda as ilhas de Chorão,
da Piedade, Capão, Corjuem, Jua, Totó e Combarjua; e
estende seus amplíssimos braços até Candiapar, ao noite de
Pondá na foz do rio Negro, até Usgjo e Gangem de Embar-
bacem, Sanquelim, Bicholim, Assonorá, Tivim e Mapuçá;
finalmente, conduz a navegação a todos os pontos aonde
chega a maré, que são os acima mencionados. Segue o rumo
EO. na entrada da foz até á fortaleza dos Reis Magos, e
d^iqui toma a direcção de NE.; tem de fundo na Aguada
5,5 braças; no ancoradouro de Pangim 4,5, 5 braças; de
Pangim a Ribandar 3, 3,5; de Ribandar até ao Arsenal de
Goa 2, 2,5, 3, 4, 4,5; do arsen:d até Usgão 2,5, 2 e i. Dá [
entrada para fundearem na Aguada aos navios de alto bor- y
do, podendo, porém, apenas fazel-o os que demandam I4
pés de agua.
O rio Zoary ou de Mormugão jaz na latitude N. i5° 24'
33" e longitude E. 73° 4c)' 56" Greenwich. Toma a sua ori-
gem nos gaites ou montanhas das províncias de Embarba-
cem e Astagrar; divide as províncias de Chandrovaddy,
Pondá e ilha de Goa, da província de Salcete; faz juncção
com o rio Mandov}' entre Tonca e o forte de S. Lourenço, jç
e vae depois formar a pequena ilha do Secretario, e a barra
PORTUGUEZA 3 I
que defende a praça de Mormugão. É navegável por pe-
quenos vapores e patamarins até Rachol; e d^ahi até Pa-
rodá e Sanguem torna-se navegável por grandes tonas de
Salcete. As sondagens doeste rio ficam consignadas na bar-
ra de Mormugão.
O rio do Sal ou de Betul, que tem a sua origem nas pro-
víncias de Salcete e de Bali}", e a sua foz na barra de Betul,
é navega\'el até ás vizinhanças da villa de Margao, no sitio
denominado Careachobando. Está situado na latitude N. i5°
5' 3o" e longitude E. 74° 1' 39", Conta 8 milhas de extensão;
segue na entrada da foz ao S. 4° E. para dentro NE. entre
a costa e a terra firme até Assolná, e continua depois em
zigue-zague. Mede de fundo na entrada de Betul 2, i,5 e
2,5 braças; dentro do rio 2 a i,5; na entrada de Assolná
,1,5, 2 e 3; e dentro do rio de Assolná 3. Dá entrada a
patamarins e a grandes tonas.
O rio de Talapoiía toma a sua origem no Torofo do Co-
tigão da provincia de Canácona, e vae desaguar entre Quin-
delem e Talapona. E navegável até próximo de Partagal.
O rio Cãlisbdga, que tem origem nas montanhas do sul
de Canácona e a sua foz entre as aldeias de Loliem e Calis-
bága, é o mais meridional do território de Goa, e navegável
até pequena distancia de Panguinim.
Como se vê na carta geographica do território de Goa,
o Mandovy e o Zoary são os rios mais imjiortantes. Ligam
a capital com as províncias dasA'elhas e Novas Conquistas,
e são ainda estas duas grandes vias fluviaes as que fornecem
ás províncias de Bardez, Bicholim, Satary, Pondá, Embar-
bacem, de Zambaulim e de Salcete os meios mais fáceis e
económicos de importação dos artigos de que carecem, e de
exportação dos seus productos agrícolas, por meio da nave.
gação fluvial feita por patamarins e por tonas de ditíerentes
dimensões.
Os rios de Sinquerim, Mandov}^ e Zoar^^ vão desembocar
no porto de Goa, e os outros que deixamos mencionados
em diíferentes pontos da costa do Malabar.
02
A índia
As barras de Aguada e Mormugão são as únicas que po-
dem receber grandes navios; os outros portos dáo accesso
a pequenas embarcações áenomm^ãáãs patamaríus, e a tonas
ou canoas de differentes dimensões.
Clima. — O sr. visconde de Bucellas, Cândido José Mou-
rão Garcez Palha, que era director da escola mathematica
e militar de Nova Goa, onde nós regiamos a cadeira de
agricultura e zootechnia elementar, publicou em 1867, sob
o titulo de Feições meteorológicas de Goa, algumas obser-
vações por elle feitas, das quaes extrahimos as seguintes:
mòi
PATAiURIM
A maior media mensal da pressão atmospherica em ja-
neiro é de 29,92 ; a menor em junho, 29,64; a media do
anno é 29,80.
Os ventos mais geraes e dominantes de Goa são os do
quadrante de NO., e os do quadrante de SO. Exceptuando
os mezes de junho, julho e parte de agosto, que pertencem
á quadra das chuvas, e em que dominam exclusivamente os
segundos, reinam os primeiros em quasi todos os dias do
anno.
PORTUGUEZÂ
33
Os ^•entos do quadrante de NE. respeitam á quadra dos
terraes, que abrange parte de novembro, dezembro e janeiro,
e ás vezes ainda alguns dias de fevereiro.
Esta quadra é a mais agradável para os europeus recem-
chegados da Europa. O terral manifesta-se, de ordinário,
depois de extincto o crepúsculo vespertino, e continua sem'
cessar até á manhã do dia seguinte, circumstancia que raras
vezes se dá em respeito aos outros ventos pacíficos da nossa
rosa, que todos dormem.
TONA* DE SALCEIE
Emquanto sopra o terral é tal a diaphaneidade da atmos-
phera, que se distinguem, e com a maior clareza, objectos
mui remotos.
Durante a noite a lua brilha em todo o seu esplendor,
lUumina a terra como em nenhuma outra quadra do anno,
e na ausência d'este astro o firmamento, deixando ver a
olho nu o maior numero possível de luminares que o po-
voam, ostenta toda a sua magnificência.
Lm vento também da terra, mas rijo e desagradável, que
se sustenta desde as primeiras horas da manhã até que a
34
A ÍNDIA
viração da tarde tenha a necessária força de emmudecel-o,
vem' perturbar algumas vezes a pureza atmospherica.
Apparece ainda debaixo de um segundo aspecto na epo-
cha em que occorrem as descargas de terra, de ordinário
em outubro, como encerramento da estação pluviosa.
Caracterisam estes dois ventos — SO. e NE.— as duas
grandes monções da índia. Reina o primeiro, quando o sol
gira sobre a parte da zona tórrida, que respeita ao hemis-
pherio boreal, e o segundo, quando gira sobre a restante
parte da mesma zona no hemispherio austral.
A media annual da temperatura da evaporação ou psy-
chrometria é de 74^,0; maior media mensal, em maio 79°,3;
menor, em dezenibro 69"; a humidade media do anno é de
o°,q3o.
A humidade depende muito dos ventos dominantes. Assim
os de S. e O. são naturalmente húmidos, e com especia-
lidade o primeiro; os de N. e E. são4he contrários, e mais
pronunciadamente o segundo.
O total médio das chuvas do anno é de 82,73 pollegadas
inglezas, ou 76,4'i pollegadas portuguezas, o que equivale
em unidades métricas a 21 decimetros proximamente.
A maior media em junho é de 32. Nos mezes de de-
zembro, janeiro, fevereiro e março ha ausência absoluta de
chuvas.
Comquanto não se mencione chuva alguma desde dezem-
bro até marco, diz o sr. visconde de Bucellas, a pag. 44 do
seu excellente opúsculo, que se dá o caso de chover acciden-
talmente em todos aquelles quatro mezes, e principalmente
nos annos em que a quadra corre escassa.
As chuvas em dezembro, janeiro, fevereiro e março, e
mormente nos primeiros dois mezes, affectam só por mo-
mentos a pureza da atmosphera.
Dias chuvosos, termo médio, 100; chuvas do mar, ou de
fora, 68,5o pollegadas; chuvas de terra ou de dentro, 14,25. \
As primeiras vem do quadrante de SO. As segundas de- ^
compõem-se em duas epochas, sendo a primeira do qua^
PORTUGUEZA 35
drante de SE. caracterisada por uma grande evolução do
fluido eléctrico desde os fins de maio até os primeiros dias
de junho, e a outra, do quadrante de NE., é também cara-
cterisada de igual modo desde os principies de outubro até
mciado do mesmo mez. Estas duas procedências revezam-
se entre si algumas vezes.
As chuvas de SO. applica-se em Goa a denominação de
inverno, mas impropriamente, porque se desenvolvem den-
tro dos limites do verão. Foi de 6,75 a media das maiores
espessuras liquidas obtidas dentro de vinte e quatro horas
em todo o periodo das observações, que foram uma em
cada anno, e sempre em junho e julho.
Pertencem ás chuvas do mez de agosto as que têem na
índia o nome de Maga ou, mais vulgarmente, Mogó. A sua
duração não chega a quatorze dias, e a respectiva media
pôde ser com.putada em 4.5 pollegadas.
Attribuem-se-lhes algumas qualidades favoráveis, e são
por isso muito appetecidas. Em outro tempo preparavam-se
as cisternas para se proverem doestas aguas, que passam por
pouco susceptíveis de corrupção; e ainda hoje, em relação á
agricultura, se expõem á sua immediata acção as raízes das
palmeiras, abrindo-lhes em roda as alengas ou caldeiras.
As chuvas do Mogó, que começam de ordinário desde 10
até i5 de agosto, e as de Rochiny, que determinam o ser-
viço da semeação do arroz, desde 20 até 2 5 de maio, mere-
ceram sempre especial menção aos astrónomos hindus em
seus escriptos.
A maior media mensal da temperatura em maio é de
29°,4; a menor em dezembro 24^; a media do anno 26°,5
centígrados.
Estatística. — A sociedade da índia portugueza é com-
posta de classes heterogéneas: europeus, asiaticos-christãos,
gentios, mouros, africanos e descendentes d"aquella primeira
e d'esta ultima raça.
Os mappas da população do estado da índia, revistos em
novembro de 1864, dão no seu apuramento 385 1124 habi-
36
A índia
tantes, sendo 555 europeus, descendentes de europeus 2:440,
asiaticos-christãos 252:2o3, gentios 127:746, mouros 1:637,
africanos 346, e descendentes doestes 197.
A população, que progressivamente tem augmentado, as-
cende hoje a 386:000 habitantes, ou, em numero redondo,
mais 80:000 sobre a população de 1776^
Os asiaticos-christãos (vulgo nati-
vos ou canarins) e os gentios divi-
dem-se em castas nobres e plebêas.
As nobres compõem-se de brahmanes
e quetrys ou charodós; e as plebêas
de vaixds ou vésias e sudros. Alem
doestas quatro castas — sacerdotal,
militar, industrial e servil — ha tam-
bém a dos pariás ou faraies, fructo
' produzido pelo commercio illegitimo
das differentes castas entre si.
Os brahmanes, derivados da cabeça
de Brahma, symbolo da sciencia, são
considerados superiores a todos os
demais homens, e destinados ao sa-
cerdócio, ao estudo e ao ensino.
Os qiietrys ou charodós, produzi-
dos dos braços, indicativos da força,
nasceram para governar e combater.
Os vaixds ou vésias tiram a sua
origem do ventre, symbolo da alimen-
tação, e por isso têem por obrigação
prover ás necessidades 'materiaes da vida, por meio da
agricultura e do commercio.
Os sudros, finalmente, nascidos dos pés de Brahma, em-
blema da escravidão e dependência, são destinados a servir
1 Segundo o recenseamento de 17 de fevereiro de 1881 a população
de Goa é de 420:868 habitantes.
PORTUGUEZA
37
as outras castas, e a desempenhar os mais rudes traba-
lhos.
Os parias ou fara:^es, que no antigo regimen nem mesmo
eram homens, mas sim entes abjectos e impuros, ainda hoje
são objecto de repugnância e desprezo publico, tornando-se
bastante a sua presença para inspirar horror a qualquer
gentio de pura casta.
Os mouros e africanos são poucos,
e sem importância politica.
Os gentios são mais numerosos, e
exercem a industria, o commercio e
a agricultura; mas aferrados ás leis
tradicionaes e ao seu systema reli-
gioso, do qual derivam os preceitos
da vida social e domestica, são mais
propensos á obediência que á resis-
tência.
Os nativos seguem em grande nu-
mero as profissões liberaes :' são pro-
prietários, commerciantes, padres,
advogados, médicos, e entram nos
cargos parochiaes, municipaes, da ma-
gistratura e das repartições do es- ;^__4_
tado, Consideram-se os legítimos se-
nhores da terra.
Os descendentes dos europeus são
poucos em numero, mas de bastante
influencia moral. Raros são ricos, e a
maior parte vive dos empregos públicos, e occupa principal-
mente os postos de othciaes do exercito e o magistério de
ensino superior.
Europeus são somente os poucos empregados superiores
enviados pelo governo da metrópole, alguns officiaes do exer-
cito e praças de pret.
A divisão dos homens pelas castas é ainda hoje a princi-
pal forma do estado social dos gentios.
38 A índia
O filho succedendo invariavelmente ao pae; o homem
continuando de século em século com seus hábitos e gostos;
todas as existências limitadas a um circulo que se não trans-
põe; alguma cousa de antigo e tradicional, que lhe rouba
mesmo a idéa do nascimento; instituições petrificadas como
os seus Ídolos de pedra, traçando á creança, ainda no claus-
tro materno, o limite das suas occupações e dos seus deve-
res, e até das suas idéas; eis o estado de opprcssao sob que
geme o gentio, que não tem recebido o influxo da civilisação
europêa. Agrilhoado á historia pelos despotismos de uma
religião absorvente, não vinga ali o progresso, não raiam
ali auroras de liberdade.
Submettida a um tal regimen, esta sociedade não é mais
que um modo cie ser de escravidão, tanto mais pesada,
quanto mais toca nas extremidades do corpo social. O fardo
que pesa sobre a raça inferior, torna-se maior com o das
outras raças.
«Brahma, senhor das creaturas, segundo as Leis de Ma-
nii^, tendo creado os animaes úteis, os confiou aos cuidados
do résia, e coUocou toda a raça humana sob a tutela do
brahmane e do qiietrj' ou chat^odó. »
«Um résia deve sempre estar bem informado do preço
corrente das pedras preciosas, pérolas, coral, ferro, tissus,
perfumes e adornos.»
«Deve ser bem perito na melhor maneira de semear as
terras, entendedor das boas ou más qualidades dos terrenos;
e perfeitamente conhecedor do completo systema de pesos
e medidas.»
«As boas ou más qualidades das mercadorias, as vanta-
gens ou desvantagens das dilTerentes localidades, lucro ou
perda provável da venda das mercadorias, e o meio de
1 Leis de Mami. Trad. do original francez, por J. de V. Guedes de
Carvalho (hoje visconde de Riba Tâmega e juiz do supremo tribunal
de justiça), publicadas em Goa, em i85g.
PORTUGUEZA 39
augmentar a creação dos animaes, tudo c da competência
da casta dos vésias.»
«Deve empregar todo o cuidado em augmentar a sua for-
tuna por meios licitos, e ter cuidado no sustento de todas
as creaturas animadas.»
«O principal dever de um sudro, e que lhe proporciona a
felicidade depois da sua morte, é a obediência cega ás or-
dens dos brahmanes, versados nos conhecimentes dos livros
santos, maioraes de casa e reconhecidos por sua virtude.»
«Um sudro, puro de corpo e espirito, submisso ás vonta-
des das castas superiores, affavel em sua linguagem, isento
de arrogância e dedicando-se especialmente aos brahmanes,
obtém um nascimento mais nobre.»
Taes são as principaes regras a respeito do porte das
castas plebèas.
Os brahmanes arrogaram-se a ingerência no governo, na
administração civil, nas rendas publicas e na justiça. Tinham
tudo sob a sua mão occulta e poderosa. Sob a mascara de
mentida abnegação, a classe brahmanica trabalhou sempre
por se enriquecer e augmentar a influencia da sua casta.
Aconteceu na sociedade hindu o mesmo phenomeno que
se opera em todas as sociedades — a direcção da força pela
idéa, o predomínio da intelligencia sobre a ignorância. A cas-
ta bralimanica tinha e tem conhecimentos superiores aos das
outras castas, e por isso as domina e governa.
Os traços ph3^sionomicos dos dois sexos gentílicos não
differem, em geral, dos europeus.
Entretanto as diversas castas tèem uma physionomia par-
ticular; e ainda que ella não seja muito fácil de indicar, nem
por isso deixará de ser notada pelo observador intelligente.
Também não é inferior a estatura do hindu á dos povos
da Europa; mas o seu corpo, mais esvelto, mais ágil e mais
bem disposto, é também menos robusto e menos musculoso,
o que se attribue commummente á elevada temperatura do
clima, á imperfeição do seu regimen alimentício, ao uso pre-
maturo dos prazeres do amor e ao seu pouco exercício.
40
A índia
Mas os que trabalham, e que se nutrem de alimentos
substanciaes, nem são menos vigorosos, nem a sua força
de resistência é inferior á dos europeus.
As mulheres indianas, e principalmente as oriundas do
Concão e de castas nobres, se lhe exceptuarmos a cor
um pouco trigueira, não são menos bellas que as euro-
pêas; e talvez não se encontrem
em muitas partes do globo tão
bellos olhos, tão alvos e peque-
nos dentes, e cabellos tão pre-
tos, tão lustrosos, tão finos e
corredios. Nota-se-lhes, sobre-
tudo, um indetinivel attractivo,
um ar de simplicidade infantil,
c um donaire, que não exclue,
nem a vivacidade, nem a delica- ,
deza. Esta nossa apreciação já
tivemos occasião de a consignar
a respeito das gentias nos Apon-
tamentos sobre aproi'incia deSa-
tarf. Hoje a affirmãmos mais
uma vez, e a tornamos extensiva
a todas as classes femininas da
nossa índia, incluindo as senho-
>■" ras descendentes de europeus,
x^^ ^ - => „ -"• se lhes exceptuarmos a cor da
BRAHMANE GENTIA pclle, que í hYàuc^ c mimosa.
É para sentir que a formosura
na índia seja uma flor que desbota, murcha e se desfolha
muito mais cedo do que na Europa.
O sexo feminino na índia portugueza attinge o perfeito
desenvolvimento desde os dez aos doze annos, e começa a
declinar dos trinta aos quarenta.
Os gentios, invariavelmente aferrados aos seus usos e
costumes, nunca censuram os dos outros povos, por mais
estranhos que lhes pareçam. São prudentes, cortezes e
PORTUGUEZA
41
obsequiadores, tanto quanto ]h'o permitte a sua religião,
que lhes prohibe toda a communicação íntima não só com
os estrangeiros, mas até com os compatriotas de casta
differente.
Amam muito as conversações joviaes e os ditos chistosos,
e recreiam-se, sobretudo, em contar historias de guerreiros
e heroes, de fadas encantadas e
das metamorphoses de seus deu-
ses. O som da sua voz é ac-
centuado, declamatório, e ges-
ticulam muito quando faliam.
Os bottos e os gentios das
castas superiores costumam pin-
tar, nos braços e no peito, ^ di-
versos traços.
A pintura é feita com um pó
esbranquiçado, que se compõe
de cinza de xénc, ou bosta secca
queimada de vacca, e de tinta
branca, extrahida do pau de sân-
dalo humedecido com agua e ro
çado sobre uma pedra; usam
também de tinta amarella de
açaírão, e de tinta vermelha que
se obtém da planta chamada
ciicomb. Os sectários deVishnu
pintam, a maior parte das ve-
zes, uma risca vertical vermelha
e amarella sobre a fronte; e os
de Shiva traçam-na, horisontalmente. Os svmbolos que- os
gentios pintam, na testa depois de comer, são os seguintes:
7^
7T
OURIVES GENTIO
42 A índia
Ossoró. — O nosso desenho, tirado do natural, representa
uns noivos indígenas christãos de Goa, sentados no seu os-
soró^ ou sala de recepção, recebendo as bênçãos.
Entre os parentes e convidados está a noiva vestida com
o seu rico pauno-paló, afogador e outros adornos. Gomo
que envergonhada dirige sempre a vista para o chão; e na
mesma sala está collocada sobre um tamborete uma salva,
onde os parentes e convidados deitam algum dinheiro e as
prendas que lhe olTerecem.
Quando alguém se approxima da noiva para a saudar e
abençoar, ella levanta-se e cruza os braços, curvando a ca-
beça, e agradecendo em silencio. Esta cerimonia tem logar
quando os noivos voltam da igreja.
Finda a cerimonia da saudação saem todos do ossoró
para a ramada construída á porta do gard ou casa, e ali
começa a dansa do niaiidó, ao som de cantigas allusivas ao
casamento acompanhadas de um instrumento denominado
ghiiinaíía'-^.
Os indígenas de Goa fazem grandes despezas nas suas
bodas nupciaes, dando isto logar a que por alvará do i .° de
outubro de 1729 fosse regulada a que os portuguczes e na-
turaes christãos deviam fazer por occasião de casamentos
e baptisados, e prohíbíndo também o convite de parentes
alem de terceiro grau.
Por alvará de 28 de dezembro de i(38i foram igualiriCnte
1 A linguagem coucanj', que empregámos nos nomes próprios de
plantas, terrenos, festividades, etc, é a usada principalmente nas ilhas
de Goa; e para evitar confusão vão os nomes indicados em grypho,
assim como os nomes scientiíicos das plantas. A orthographia da maior
parte das palavras concanys, é a seguida na Granmiatica e Diccionario
concany, composto por wn missionário italiano^ que o sr. C. Rivara
publicou em 1868.
2 Ghumatta é uma panella de barro vermelho, aberta de ambos os
extremos, um muito largo, e outro estreito; na abertura larga estende-
se uma pelle de talagoia, ficando a abertura estreita inteiramente livre.
E o batuque ordinário.
PORTUGUEZA ^3
prohibidas as vigílias do sexto dia depois do nascimento dos
filhos. Estas vigílias ainda se praticam hoje em Goa, consis-
tindo em um infernal concerto de ghumattas, com o fim de
afugentar o espirito maligno, que os indígenas suppõcm vir
introduzir-se no corpo do recemnascido.
Paiicattf. — Os hindus nos seus pancaitjs ou banquetes,
como nas suas refeições ordinárias, depois de tomarem ba-
nho e de conservarem por algum tempo uma porção de agua
na boca, assentam-se junto dos seus potrorohs, pratos fei-
tos de folhas de bananeira, ou de pimpôl, artisticamente
ligadas.
Estes pratos são collocados sobre um terreno bosteado
de fresco, em forma de um quadrado, se o commensal é
brahmane; de um triangulo, se é um quetrv ou charodó;
de um circulo, se é um véxia ou marath}'; e de uma meia
lua, se é um sudro. Em seguida inclinam-se diante dos ali-
mentos que se lhes apresentani, e com a mão esquerda
levantam as bordas do potrovoly. Antes de começarem a
comer percorrem com a mão direita a roda do prato, para
o isolar de qualquer objecto estranho. Feito isto, tomam
cinco bocadinhos do alimento e oíferecem-os a Yama, deus
infernal; tomando depois nova porção de agua na boca,
offerecem outros cinco bocadinhos aos cinco sentidos. Con-
cluídas estas cerimonias, abaixam os olhos, e entregues ao
maior silencio começam a sua refeição, fazendo dos alimen-
tos, com todos os dedos da mão direita, pequenas bolas
que com o dedo pollegar impellem para a boca.
Nunca se servem de cadeiras, nem de mesas; assentam-se
no chão ou em esteiras de bambu, com as pernas cruzadas.
Também não têem garfos, facas, nem colheres.
Sigamó. — É o carnaval dos gentios, como o alahdo é o
carnaval dos mouros, e tem logar antes da quaresma dos
hindus. Por esta epocha os ricos habitantes da índia orga-
nisam no chouqiii da casa — pateo central, igual aos claus-
tros dos conventos — , ou em frente das habitações, uma
grande sala de baile, que illuminam com profusão de alam-
44
A índia
padas, e diulfs ou candieiros de bronze, e onde offerecem
aos seus amigos e ao publico, sem distincção, o espectáculo
das dansas e cantos das calavontcs ou bailadeiras. É uma
d"'estas salas que o nosso desenho representa.
PANCATTY OU BANQUETE
Ali a multidão assiste no logar que melhor pôde alcançar,
excepto no reservado aos indivíduos de maior respeito. As
gentias ficani sempre separadas dos homens. Alguns cypacs,
collocados á porta para fazer a policia, servem também para
introduzir as pessoas de distincção e os europeus.
Quando entra algum europeu ipadó)^ o dono da casa vem_
recebel-o, e encaminha-o para um logar reservado, onde se
acham dispostas algumas cadeiras. Depois de tomar assen-
to, vem uma donzella olVerecer-lhe, n\ima salva, o bétel e
arcca da boa- vinda indiana.
PORTUGUEZA
4D
A certa hora entram na sala as bailadeiras seguidas dos
miirdangueiros ''tocadores de murdaiiga ou pequenos tam-
bores com o duplo do comprimento em relação á circum-
ferencia), que sempre as acompanham; e começa então a
festividade, que s(3 termina na madrugada do dia seguinte.
BOTlQl.lilIlO CLMIO
MULHER GLGYR
Addo. — Depois do Sigamó, outra festividade indiana se
nos oflerece em Nova Goa. E o addo, ou festividade da
colheita do arroz, que tem logar todos os annos no dia 24
de agosto.
N^esse dia certos gãocares privilegiados da aldeia de Ta-
leigão, depois de cortarem solemnemente as primeiras ga-
vellas de arroz, vão, acompanhados de jogadores de arma
branca, e com tambores á sua frente, ofterecer no altar da
46
A índia
Sé em Velha Goa, e em seguida ao governador geral e ou-
tras auctoridades, o arroz novo e avel, isto é, arroz pisado
e torrado com assucar.
Vêem-se no desenho que representa esta festividade, os
Indiimbys ou trabalhadores agrícolas, e os potocarcs em
frente do palácio do governo geral, esgrimindo com duas
espadas cada um, e os gãocares, de casaca e chapéu alto,
com a bandeira portugueza e uma salva cheia de espigas
de arroz recentemente ceifado.
As espadas ou potós, de que se servem os kiilwnbys n^esta
festividade agrícola, são compridas e largas, de dois gumes,
e com o respectivo braçal.
São bastantes pesadas, mas de grande elasterio, e mane-
jáveis unicamente pelos que estão habituados ao seu uso
desde pequenos, e que por isso se chamam potocarcs. Usam
uma ou duas espadas ao mesmo tempo, e n'este ultimo caso
servem-se d^ellas não só para manejo, mas também para
atacar o adversário, dando o esgrimidor grandes pulos.
O arroz, como objecto de primeira necessidade, é absolu-
tamente indispensável ao viver dos povos da índia, e por
isso constitue o principal ramo de agricultura. Usa-se doeste
cereal em tudo: na alimentação ordinária, preparado de di-
versos modos; em massas e doces; nos preparados pharma-
cologicos; em alguns juramentos, e nas cerimonias do rito
gentílico.
Os trregos e os romanos recebiam-no da índia, mas em
pequena quantidade, para o empregar na medicina. Depois
d'isso, a sua cultura estendeu-se até a Europa e America;
sendo o Piemonte a região mais septentrional em que se
cultiva na Europa.
A planta do arroz, um dos mais importantes productos
alimentares da índia, é abundantemente cultivada no Ca-
nará do Norte, d^onde se exporta em larga escala para ou-
tras regiões da costa do mar.
O arroz contém uma pequeníssima percentagem da verda-
deira matéria nutritiva; e o seu valor, segundo Fromberg,
{
I
í
li
PORTUGUEZA
47
comparado com o de loo de ervilha é somente 35, emquanto
que o do centeio é 75, do feijão 80 e do trigo 7Õ.
O arroz, pois, contém grande porção de matéria carbo-
nacea, de que pouco se carece nos climas quentes, e pouca
matéria nitrogenia, que é necessária para se fazerem os te-
cidos animaes, especialmente nos trópicos, onde a perda é
mais rápida do que nas zonas mais temperadas.
A quantidade de matéria carbonacea tem uma notável
influencia nas doenças, especialmente nas febres indianas;
mostrando a experiência que os que vivem exclusivamente
doesse mantimento têem mais curta longevidade. Se os eu-
ropeus estivessem sujeitos a uma alimentação de. arroz, tor-
nar-se-íam tão languidos e degenerados como são geral-
mente os brahmanes e os hindus de castas superiores.
Sem embargo de não estarem exclusivamente sujeitos a
alimentação de arroz, diz M. Ewart {Staíísíícs of tlie ar-
mies iii índia, pag. 20) :
«Os europeus téem desapparecido na presidência de Ben-
gala em dez annos e meio; na de Bombay em treze annos
e três mez-s; na de Madrasta em dezesete annos. Termo
médio, em toda a índia, treze annos e meio.»
O arroz que produz o território de Goa não é sufficiente
para o consumo da sua população.
Recorrendo aos dados estatísticos officiaes vê-se que em
1846 importou 47:197 fardos. De i85o a i85i houve uma
deficiência de arroz correspondente a ii3,5 dias de consu-
mo, como se conhece por um mappa elaborado por ordem
do governador geral, visconde deVilla Nova de Ourem.
A producção total do arroz no território de Goa calcula-
se, approximadamente, em 14:742 aimbos, ou 47:174 kiio-
litros e 4 hectolitros.
O arroz indispensável para alimentação diária de uma fa-
mília composta de quatro pessoas é calculado, pelo menos,
em 3 medidas ou pnris. Uma medida é menor do que um
litro. O litro está para o pôri como 1 : o9C)82 5.
Em 1854 foram importados 71:3 12 fardos de arroz.
48
A índia
Em 1864 a importação d'este cereal, só pela alfandega
principal de Nova Goa, subiu a 77:898 saccas, que corres-
pondem a 31:932 arrobas.
No anno de 1869 a importação de arroz pela mesma al-
fandega foi a seguinte: arroz descascado ou iandul^ 16:198
candis de 16 mãos; arroz com casca ou bate^ 19:868 candis*.
O arroz descascado, a rasão de 100
xerafins ou francos o candil de mão,
importou em xerafins, 1.819:800; o
bate, ou arroz com casca, a rasão de
40 xerafins o candil, em 794:720;
perfazendo a somma de 2.614:520
xerafins, que saíram do paiz em pre-
juízo da agricultura, do commercio,
da industria e do thesouro.
A exportação pela referida alfan-
dega computa-se, media annual, em
45o a 5oo candis de arroz descascado.
É principio recebido que uma porção
de bate depois de descascado se re-
duz a metade.
O arroz, — ory\a sátira de Lin.— ,
é a gramínea que o agricultor indiano
cultiva com mais esmero. Tem o col-
mo direito e elevado, de 60 a 90 cen-
tímetros de altura, cylindrico, liso,
apresentando três ou quatro nós. As
folhas são lineares, lancioladas, agudas, muitas vezes de
3o a 40 centímetros, denticuladas e ásperas sobre os bor-
dos; a bainha é profunda e fendida, e a ligação membra-
MULHER DE LENÇOL
1 Medidas de capacidade de seccos em Goa: o cumbo tem 20 can-
dis, o candil 20 curós, o curo 2 pailís, o paili 4 pôris, o pôri ou medida
2 nactis, o nacti 2 ardnactis, o ardnacti 2 guirnactis, o guirnacti 2 sola-
vens, o solavem 2 botes solavens.
O pôri, que se toma como base d'este systema, é pouco menor que |
4
Il I ^ 1
U n I il
l \ Mil \Í\>u^l
PORTUGUEZA
49
nosa disposta contra o colmo, delgada, lisa e bipartida.
xNa base da folha, no ponto onde os dois bordos se con-
fundem com a bainha, acha-se de cada lado um pequeno
appendice falsiforme, offerecendo no seu bordo inferior
uma serie de pestanas longas e sedosas. As flores estão dis-
postas em uma panicula terminal,
mais ou menos intensa. Espiguetas
unifloras; lapicena bivalvula, pil-
losa e mui pequena; gluma igual-
mente com duas palhetas, três a
quatro vezes mais longas; válvula
externa, em forma de carena mui
saliente, caracterisada por lados
longitudinaes e terminada na parte
superior por uma pragana curta c
recta; válvula interna mais alon-
gada, menos saliente. Taes são os
caracteres botânicos do arroz.
Originaria da índia oriental,
esta interessante gramínea é co- t^
nhecida de quasi todos os povos, 'f^/
O arroz, como quasi todas as '^^,
plantas cultivadas de longa data, '^^
apresenta grande numero de va- '"''"'^
riedades. Na índia portugueza di-
vide-se em dois grupos : arroz com
pragana e arroz sem pragana.
O arroz com pragana ou barba, chama-se cumsachembate;
e o desprovido de barba, denomina-se mottcm-bate. Alem
desta divisão, ainda se classifica em bate grosso e bate fino.
UTI INI 1 [RO
O litro. Tendo o pôri 38 pollegadas cubicas, é a sua equivalência no sys-
tcma métrico 0,00099825, e sendo o litro 0,001 cubico. O litro está para
o pon como i : 099S25.
curó^^rQf,- ^°''' '^'"^ ''"' ^^^ P^'"'^' ^'í"'^-^'^^ '^ ^-^^9.62 litros; e um
cui o 37,980 litros.
4
5o A índia
As variedades mais cultivadas em Goa são vinte e seis,
a saber: asgô, asgiiy, babry, belló, beily, bilare, calaqui,
calló ou cavaco, caró-asgô, caro-quendaló^ calassó, cargun
tó, cotombarsal, dangó, dongorem, dovem-bim, dovi-patny,
girisal, normaré, conchoró, concheiy, sapo-queudaló, sirtó,
sirty, siiucoly e tambri-patny.
Os terrenos — bhuins — destinados á cultura do arroz são
quasi horisontaes, ou de um declive suave para facilitar as
regas ou inundações, condição indispensável á prosperidade
dos arrozaes. Depois de convenientemente preparados, di-
videm-se em espaços ou taboleiros quadrados ou quadri-
longos, cercaiido-os de margens ou cômoros — varcundós —
de um palmo cubico, que os kiilumbjs amassam com os
pés, a fim de poderem sustentar as aguas, e darem pas-
sagem ao cultivador para se poder empregar nos trabalhos
da cultura. Estes taboleiros estão dispostos de sorte, que
a agua se conserva n"elles sem se vasar por fenda alguma,
passando de uns para outros por meio de comportas, que
se abrem e fecham facilmente, como convém.
Dispostos assim os taboleiros, procede-se á sementeira,
que tem logar para o serôdio em fins de maio, epocha em
que começam as chuvas de Rohiuf; e para a vaugana, em
princípios do mez hindu cartico ou novembro. As chuvas de
Roliiny, que determinam o serviço da semeadura do arroz,
desde 20 até 25 de maio, merecem especial menção aos
astrónomos hindus em seus escriptos.
Sementeira — ompoií. — Ha três modos de semear o arroz:
O primeiro consiste em lançar á terra a semente secca.
Isto faz-se quando o solo é secco, ou somente um pouco
húmido.
O segundo, em se deitar á terra a semente depois de gre-
lada. Para este segundo modo de semear prepara-se previa-
mente a semente, pondo-a em cestos com pesos em cima,
e banhando-a três vezes por dia durante algum tempo. Esta
semente assim grelhada — vou — semeia-se quando a terra
já está impregnada de agua.
ARCO'^ D0> V1CK-I(EI>
PORTUGUEZA 5 j
O terceiro, íinalmente, consiste em espalhar pela terra
a semente já grelada, como no segundo modo, mas n^um
pequeno espaço, e muito densa, para mais tarde ser trans-
plantada. Quando as plantasinhas têem crescido sufficiente-
mente, isto é, attingido a altura de o'", 2 são transplantadas
para os campos já preparados para as receber, ou para as
raleiras que, por qualquer circumstancia, uma vegetação
fraca e enfezada deixa muitas vezes nos taboleiros.
Antes de se proceder á ompon definitiva, costumam os
hindus fazer uma cerimonia, que consiste em os primeiros
gáocares espalharem solemnemente pela várzea um punhado
de rou ou semente grelada.
Para os arrozaes de vangana empregam sempre os culti-
vadores o bate denominado sirtó.
Esta variedade de arroz, que leva cinco mezes e ás vezes
mais para se desenvolver e fructificar, produz-se em terre-
nos lodosos e salgados. Os terrenos de Macazana, em Sal-
cete, são considerados os melhores para a produccão do sir-
tó; sendo ali onde os cultivadores de vangana vão annual-
mente buscar as sementes de que carecem.
Feita a sementeira introduzem logo a agua nos taboleiros,
conservando-a proporcionada ao crescimento das plantas'
até que o arroz começa a amadurecer na espiga.
Durante o seu desenvolvimento os arrozaes são monda-
dos uma ou mais vezes. Os indígenas dão o nome de iitraçô
a primeira monda, que consiste em arrancar ou extirpar
as plantas ruins, que podem prejudicar o desenvolvimento
e fructificação do arroz.
Para que a maturação do grão se possa completar, es-
coam-se as aguas alguns dias antes da colheita. Esta opera-
ção é denominada pelos indígenas iitravalem.
_ Logo que o arrozal adquire uma cor amarella carregada,
signal de que o grão está maduro, o que de ordinário acon-
tece três mezes depois da sementeira, procede-se i colheita
ou lunvitã. A ceifa é eífectuada, depois da cerimonia da
espiga —Adão—, de que já falíamos.
D 2
A índia
Para ceifar o arroz usam os cultivadores do r///o' ou coi-
íy, espécie de foucinha, e cortam o colmo com grande cui-
dado e destreza pelo terço superior, a fim de que o grão,
que facilmente se desprende da espiga, não se espalhe pelo
solo.
Depois do bate ceifado conduzem-no em feixes para a eira
— qhal — ^ onde tem de ser de-
bulhado.
A debulha • — molny — faz-se
pegando nas gavellas ou pavêas
pela extremidade inferior do col-
mo, e batendo com ellas contra
uni poste, ou no terreno da eira.
Depois de terem feito largar ás
espigas a maior parte do grão,
ajuntam-nas em montão, e em
seguida os trabalhadores, agar-
rados a um pau — mollong —
atravessado horisontalmente so-
bre duas forquilhas perpendicu-
lares, esmiuçam-nas com os pés,
e completam este trabalho ba-
tendo alternadamente com bam-
bus sobre a palha, a fim de ex-
trahirem os grãos que ella ainda
possa conter depois das primei-
ras operações. Em algumas lo-
calidades é executada a debulha
por um cordão de bois ou de
búfalos, em torno do calcadouro.
Como a palha do arroz serve para alimentar o gado vac-
cum, quando lhe faltam as hervagens, é ella conveniente-
mente esmiuçada na occasião da debulha.
Acabada a debulha, levantam os trabalhadores a palha,
ajuntam o grão, padejam-no ao vento, limpam-no, e tornam
a juntar n"'um montão todo o bate debulhado e limpo.
MAINATA OU LAVADEIRA GENTIA
RUÍNAS DO PÓRTICO DO PALÁCIO DA FORTALEZA
PORTUGUEZA
53
Em seguida o gãocar colloca um coco no centro da eira,
e com um cesto de bambu — dal — vae medindo e lançando
o arroz em cima do coco, e ao mesmo tem.po avaliando cm
voz alta o numero de ciirós que produziu o arrozal.
O arroz não se pôde levantar da eira, nas Novas Con-
quistas, sem que difterentes indivíduos venham receber certa
quantidade de producção. O pri-
meiro é o empregado da fazenda
publica, que recebe a parte per-
tencente ao Estado; segue-se o
nacorniin ou escrivão adminis-
trativo, que recebe um curo;
depois o taxi li dar ou cabo de
policia, que recebe um paili; e
seguidamente o boi to ou sacer-
dote gentio, que leva um curo,
e a bavina ou servidora do pa-
gode, que tambcm recebe um
paili. Nas Ilhas, Bardez e Salce-
te, procede-se de igual maneira;
com a diíTerença, porém, de que,
em logar do botto, é o padre
catholico, em vez da bavina, é o
sacristão, o dizimeiro, o medi-
co, artífices e outros servidores 1:
da communidade agrícola.
Satisfeitas estas contribuições
estabelecidas pelos antigos usos
e costumes hindus, o arroz que fica na eira é dividido em
tantas porções, quantos foram os indivíduos que concor-
reram com o seu trabalho ou capitães para o produzirem.
Para conservarem o arroz os agricultores encelleiram-no
em ciiddos ou esteiras de vergas de bambu, ou em muddys
ou fardos de palha do mesmo arroz.
A palha fica na eira formando o ciiddem ou palheiro de
forma cónica, onde os bois e os búfalos xíxo procurar manti-
CRUDO DE SERVIR
54 A índia
mento, quando a seccura do terreno tem feito desapparecer
de todo as hervagens.
O arroz, para ser consumido, é primeiramente cozido, e
depois de secco descascado, mediante o pilão — mussó — ,
como nos primitivos tempos da agricultura indiana. A esta
operação dão os indigenas o nome de solitd.
O arroz vem para a mesa unicamente cozido com agua
e sal, e, quando assim preparado, denomina-se sito. O caril
mistura-se com o arroz, á mesa, na quantidade, que apraz
a cada um dos convivas. É uma espécie de molho, semi-
líquido, composto de muitas especiarias: summo de tama-
rindo, coco, com carne ou peixe misturado, sendo a parte
radical a pimenta longa — pipcr longum, de Linneo,- — e a
malagueta. Os hvgienistas indianos consideram estes e ou-
tros condimentos, tomados com moderação, como indispen- V
sáveis para manter boa saúde e prophylaticos dos excessos
de transpiração.
Com o caril usa se do papari ou ápa mui delgada feita
de farinha de nachinim, amassada com especiarias, e frita
n\ima frigideira de barro.
A relação da producção com a semente empregada varia
segundo a natureza e qualidade do terreno. Nas margens
dos esteiros é, termo médio, i8:i; nas vanganas, io:i; nos
terrenos de sequeiro, 8: i. Esta pequena producção é devida
ao mau amanho dos terrenos, e á falta dos indispensáveis
adubos.
Mas esta desvantagem de producção comparada com os
productos do arroz em Portugal, que sobem muitas vezes
nos paúes a loo e mais sementes, e quasi nunca descem de
40, é compensada, comquanto os arrozaes na índia não pos-
sam ser tidos por insalubres, pela diminuição das febres
palustres, e outras doenças periódicas, que têem motivado
a prohibição dos arrozaes em alguns paizes da Europa.
Depois de assistirmos ao addo., que, como acabámos de
ver, os agricultores catholicos da aldeia de Taleigão fazem
todos os annos desde a conquista de Goa pelos portuguezes,
PORTUGUEZA DD
náo precisamos sair de Pangim para presenciarmos também
uma grande festividade gentilica, a do Ganes, denominada
Ganèsachovote ou porobe.
É principalmente no bairro das Fontainhas, onde se en-
contra a esplendida Fonte Fenix^ cuja agua brota cr3-stallina
e fresca na base oriental do outeiro de Pangim, que no dia 4
da lua crescente do mez hindu Badrabad — setembro — , se
festeja com mais esplendor nas casas dos gentios a imagem
do Ganes collocada n'um arôto (oratório), ornada de valiosas
jóias e cercada de luzes, flores e fructos, cujo enlace é re-
matado em diversas direcções por cachos de areca,
O Ganes ou Ganapoty, como se vê no desenho, está sen-
tado de pernas cruzadas, com o ventre de grandes dimen-
sões, cingido por enorme serpente. Tem a cabeça de ele-
phante, e quatro braços, dois dos quaes estão levantados e
dois pendentes sobre o corpo. Na mão esquerda dos braços
levantados empunha uma machadinha, e na direita, a me-
tade de um dente; nas outras duas mãos tem: na do lado
direito, a tromba, e algumas vezes uma salva com laru ou
modac, doce de que, segundo a tradição, elle muito gostava;
e na do lado esquerdo, sustenta um tridente. É todo pintado
de branco pelos hindus que observam os preceitos da pre-
sente epocha designada Xali; e de encarnado, pelos que
ainda seguem o costume da epocha denominada Diupur.
O rato, que se vê junto d^elle, representa um celebre
gigante, a quem os deuses haviam concedido o privilegio
daimmortalidade e outros poderes, de que abusou contra
os homens; e, por este motivo, Ganapot}^ o transformou
n'aquelle roedor.
O Ganes é um dos deuses mais adorados no mundo
hindíi, aonde também o denominam Nali-Ganapatf,-Vi-
tiiaeq, Ecodanto, Qiiniiarary e Polear. Está para os bra-
mínes como o Espirito Santo, ''s3'mbolisado na Pomba,
para os catholicos.
Os gentios, antes de emprehenderem qualquer trabalho
intellectual ou manual, invocam sempre o divino auxilio do
DO
A índia
seu Ganes ou Mnahii, para que lhes anime o espirito e for-
taleça o corpo com a sua divina graça.
Sobre a procedência do Ganes e a sua cabeça de ele-
phante, diz a tradição gentilica que estando um dia Parvo-
tv, esposa de Shiva ou Mahés, a banhar-se, tivera a velei-
dade de fazer uma figura de barro amassado com agua do
banho, que se animara ao contacto do seu hálito. Voltando
1 ONTE 1-KM\
para casa trouxe Parvoty comsigo o pequeno Ganes, que
lhe servira de companhia durante a longa ausência de seu
marido, que andava peregrinando pelo mundo.
Passados doze annos voltou Mahés ao domicilio conjugal;
e quando pretendia transpor o limiar da porta, o pequeno
Ganapoty oppoz-se á sua entrada por desconhecer o esposo
de sua mãe. Mahés, agastado por esta contrariedade, lança
PORTUGUEZA
57
mão da espada e degola o insolente rapaz, que assim se
atrevia a estorvar-lhe a passagem. Em seguida entra nos
aposentos de Parvoty. Esta sabe, entáo, por seu esposo,
do trágico acontecimento que acaba de ter logar, c conta-
Ihe a origem do Ganes, e as ordens que este tinha de não
permittir ingresso nos seus aposentos a pessoas desconhe-
cidas. Mahés corre em procura do decapitado choro (rapaz)
para reparar o mal que fizera; mas, encontrando o corpo,
58 A índia
não vê a cabeça, por haver desapparecido. Então Mahés íi
corta a cabeça ao seu melhor elephante e colloca-a sobre o
pescoço do Ganes, que se ficou também chamando Polear.
A Gânésachovote e os pi/-ds ou orações ao Ganes duram |
dia e meio, e em algumas casas mais, conforme as promes
sas e os milagres realisados por intervenção de Ganapoty. \^
Finda a festividade, a imagem do Ganes é, como se vê
no desenho, solemnemente lançada ao mar. a um rio, ou
poço; ficando em casa unicamente aquellas aquém se fez
promessa, até a próxima futura gânésachovote.
Os hindus dingem quotidianamente ao Ganes os pii^as
ou orações, das qiiaes danios em seguida a traducção:
D'entre os deuses tu és o mais formoso
Máha Ganapoty !
E és em qualquer parte conhecido
Filho de Parvoty !
As argolas que te adornam as orelhas
São tão resplandecentes
Como essas que do Sol o filho usa
Entre os astros fuleentes.
O sândalo e outros mil aromas castos
Espalham sobre ti
O santo, o rico, os poderosos nobres
Brahmá, Hora e Goury !
De ti, do teu valor e nobre empenho
Recebem protecção
Aquelles que só têem para offertar-te
A simples oração.
Zoideu, Zoideu, deidade triumphante,
A minha devoção é que illumina,
Com a luz d'um diuly o teu semblante
Ornado d'essa tromba elephantina.
Sobre o gigante que n'um rato enorme
Oh! Filho de Mahés!
Tu transformaste, vejo-te sentado
A ti, lindo Ganes!
PORTUGUEZA bg
Antes que houvesse dado ao barro immundo
Forma a deusa Goury,
Já vivias puríssimo na mente
Pura de Parvoty.
Tu que das sciencias e das artes bellas
És o Deus protector,
Dá um raio da tua santa graça
Ao teu servo, Senhor:
hífunde-lhe na alma a luz divina
Da sagrada oração.
Que de ti reverente e humilde espera
Rojado n'este chão.
Zoideu, Zoideu, deidade triumphante
etc, etc.
Ribandar. — Antigo bairro de Chimbel, e hoje o segundo
de Nova Goa, deriva seu nome da palavra maratha Rai-
bondra, que significa em portuguez desembarcadouro dos
governadores, por ser ali nos primeiros tempos da con-
quista o logar do desembarque. E o bairro aristocrata, onde
residem as principaes familias representantes dos descen-
dentes dos europeus. O nosso desenho mostra os palá-
cios dos srs. visconde de Bucellas, barão de Combarjua,
D. Manuel de Carcomo Lobo, e de outros illustres descen-
dentes de antiga nobreza. É na igreja deste bairro que se
acham as relíquias de S. Thomé.
Ribandar está ligada a Pangim por meio de uma grande
ponte mandada construir em i633 pelo senado da camará
de Goa, sendo vice-rei do Estado D. Miguel de Noronha,
conde de Linhares. Mede 2:800 metros de comprimento,
e tem 44 arcos, sendo 38 do lado de Pangim, 3 no meio
e 3 em Ribandar.
Machila. — A machila é uma espécie de palanquim, que
se usa em Goa para transporte de pessoas. É de variados
feitios, serve para um ou dois indivíduos. Tem um toldo
de chita ou outro qualquer estofo para resguardar do sol,
6o
A índia
no estio, e uma coberta de panno oleado, que serve para ' i
resguardar da chuva na quadra pluviosa.
A gravura representa uma machila com o toldo de verão, i i
conduzida á cabeça por quatro indígenas da casta siidra, \ ■'
denominados èoú'^', ii
O boid da frente, que é o capataz, vae sempre adver-
tindo os companheiros das irregularidades do terreno, e
dos objectos e voltas que encontra no caminho pela forma
seguinte: Socdce, devagar; éqiie factor, uma pedra-, éqiic
dando, um pau; údique, agua; ddó, para a direita; usura,
para a esquerda; mucar, para a frente; béguim, depressa;
rabré, pare; entremeiando estas advertências com a pro-
messa de que o senhor dará, em chegando a casa, dinheiro
para \inho : Saibd daré f^ard dum, tanga, sóró pitd.
1 Boiás ou boiáses — Homens que se occupam em conduzir isente
nas machilas, em numero de 4, á cabeça ou aos homhros.
PORTL'(;iEZA
6i
Convento de Chimbel. — E n"cste convento, das antigas
carmelitas descalças de Chimbel, que actualmente se acham
estabelecidas as recolhidas e convertidas de Nossa Senhora
da Serra.
Depois da extincçao das ordens religiosas, em setembro
de i835, as recolhidas e as con\crtidas passaram em junho
de ]í^4o para
o sumptuoso
convento de
I Santo Agosti
i nho. Mais tar-
I de, em 2 1 de
I junho de 1 84 1 ,
I foram transfe-
1 ridas para o
convento de
Chimbel, que o
nosso desenho
representa, por
causa do esta-
do de ruina
d'aquelle edifí-
cio.
Aordemcar-
melitana teve
origem em Goa
em dois cléri-
gos seculares —
TRAJE DE XOIVADO
O padre João
Baptista Fal-
cão e o padre
Francisco Xa-
vier dos An-
jos— os quaes,
estabelecendo-
se na ermida
da invocação
da Soledade de
Nossa Senhora
do Carmo, na
aldeia de Chim-
bel, da fregue-
zia de Riban-
dar, pediram
licença ao vice-
rei, marquezde
Alorna, para vi-
verem, sob os
estatutos da ordem terceira carmelitana, com seus com-
panheiros presentes e futuros. Obtida a licença requerida,
e as necessárias confirmações, fundaram a referida ordem
em 1 1 de dezembro de 1750.
Hospital da Misericórdia. — Este hospital está situado
na margem esquerda do Mandovy. entre Ribandar e S.
Pedro.
Na epocha da passada grandeza de Goa, existiam n"esta
cidade três hospitaes : o Hospital Real, o de S. Lazaro, e
62 A índia
O de Todos os Santos. O primeiro era administrado pela
fazenda publica, e os outros dois pela santa casa da mi-
sericórdia.
Posteriormente á fundação d'estes hospitaes, o senado
da camará estabeleceu um outro hospital, contíguo ao de \
Todos os Santos, sob a invocação de Nossa Senhora da |
Piedade, o qual foi adjudicado em 17 de setembro de 168 1 |í
á misericórdia, ficando de futuro por este motivo com a
denominação de Hospital de Todos os Santos e de Nossa
Senhora da Piedade.
Actualmente os três hospitaes da administração da santa
casa da misericórdia estão fundidos em um só, sob a de-
signação de Hospital da Santa Casa da Misericórdia, de
cujo edifício ofterecemos o desenho.
O Hospital Real passou para Pangim, com a denomi-
nação de Hospital Militar de Nova Goa, em 1842.
Proseguindo sempre pela margem do Mandovy em di-
recção á velha cidade de Goa, logo em seguida ao hospi-
tal da misericórdia, depara-se-nos o edifício da Fabrica
da Pólvora, mandado construir pelo conde de Linhares,-
D. Miguel de Noronha.
Ligadas ao edifício da fabrica da pólvora estão as ruí-
nas do antigo palácio de Panelim, para o qual havia trans-
ferido a sua residência o vice-rei conde de Villa Verde en-
tre 1594 e iScjb, continuando as funcções publicas a ter
logar no palácio da Fortaleza, da cidade de Goa. De Pane-
lim mudou depois o vice-rei Caetano de Mello e Castro a
sua residência para Mormugão, onde pouco tempo se de-
morou. Mais tarde, em 1759, o vice-rei conde da Ega trans-
feriu defínitivamente a residência habitual dos governadores
para a fortaleza do Hidal-Kan em Pangim, passando en-
tão para o palácio de Panelim o Hospital Real e Militar.
A fabrica da pólvora esteve primeiramente estabelecida
na cidade velha até ao anno de 1629, e dizem os doeu- |i
mentos d'aquella epocha que n'ella se fabricavam annual
mente 21:600 quintaes de pólvora.
PORTUGUEZA 63
Fronteiro á fabrica da pólvora, está na margem opposta
do Mandovy o Seminário do Chorão. Ali se vê, quasi
|em ruinas, o antigo noviciado dos jesuítas, que foram pre-
'sos em Goa em 2 5 de setembro de 1759, sendo-lhes se-
questradas as propriedades.
A ilha do Chorão é a maior depois da de Tissuary.
Terá de comprido 8 kilometros, sobre pouco mais de i
jkilometro de largura. Tem duas freguezias: a da Graça e a
Ide S. Bartholomeu. É na fralda de uma collina da freguezia
ida Graça, que está situado com exposição ao sul o edifício
do seminário, onde professou Fernão Mendes Pinto.
Em 21 de setembro de 1779 o noviciado dos jesuítas
foi convertido por aviso régio em seminário, que mais
tarde, em i858, foi abandonado por insalubre.
Por carta regia de iq de março de 1781 mandaram-se
crear três seminários em Goa: o do Bom Jesus na cidade;
o do Chorão, que dois annos antes era noviciado, e o de
Rachol, na província de Salcete. Pela mesma carta foram
estes seminários entregues á direcção dos padres italianos.
Actualmente só existe o de Rachol.
N''esta ilha e na da Piedade existiam diíferentes fortifi-
cações, sendo a maior d^ellas a chamada do Chorão, con-
struída em 1720, e hoje em ruinas. Existiam igualmente ali
no século passado muitas casas e quintas de recreio per-
tencentes á antiga nobreza de Goa. Hoje está tudo redu-
zido a palmares e várzeas de arroz.
Forte de Santo Estevão. — Este forte, construído na
parte mais elevada da ilha de Jua, acha-se ha muito aban-
donado. Foi n^elle que, em novembro de i683, o Sambagy
tomou a guarnição por surpreza e a passou toda á espa-
da: custou depois muitas vidas a sua recuperação. Por
lesta occasião o conde de Alvor, receiando não poder de-
ifender a cidade no caso de ser atacada pelo Sambagy,
ique tão perto estava, entregou o seu bastão e patente de
igeneral a S. Francisco Xavier, pedindo-lhe o seu auxilio
n'esta campanha.
64
A índia
Goa. — Antiga capital do Estado da índia portugueza, está ;
situada a NE. da illia Tissuary, na margem esquerda do i
rio Mando v)^, e lo kilometros a L. de Pajigim ou Nova Goa, .;
a moderna capital.
D. VASCO DA GAMA
Até aos fins do século xiv os povos de Goa estiveram
sujeitos ao dominio dos soberanos hindus da d^-nastia Ca-
dame, tributários dos imperadores do Bisnagar.
Mais tarde (não se sabe precisamente o anno) os árabes,
que em io53 se haviam estabelecido em Goa, convidados
por Zaquexy Cadame, scnhoriaram-se d^ella, e tornaram-se
independentes. Foi este o primeiro governo estrangeiro que
j
PORTUGUEZA
65
tiveram estes povos, apesar das muitas invasões que já
então o Indostão havia solfrido.
Em 1404 foram os árabes expulsos, e Goa passou outra
vez para os hindus, sob o poder de Vir Ari Har Rajdh,
chefe de Bisnagar, que a uniu aos seus estados. Assim
continuou até que em 1479, sublevando-se os povos de
^■E^'DEDEIRA DE MISSANGA
GARLTEIRO VENDENDO MISSANGA
Onor contra os mahometanos ali residentes, e expulsando-
os, um grande numero dos mouros expulsos, capitaneados
por xAlelique Oum, senhoriaram-se de Goa, e ali fundaram
um novo estado e governo.
Em 14* )i Issuf Idalxá, de nação Patane, e rei de Visia-
pur, estendeu os seus dominios até Goa, e deu-lhe por
governador seu filho o príncipe Xahajad, mais conhecido
por Sabayo Dal-Kan.
(55 A índia
Tinham decorrido dczenove annos desde a conquista
do Goncão pelo Idalxá ou Hidal-Kan, quando Aífonso de
Albuquerque foi conquistar Goa no anno de iD.io, substi-
tuindo então o dominio portuguez ao dos mouros.
AtTonso de Albuquerque tratou benevolamente os gao
cares -senhores da terra- que lhe prestaram preito e
homenagem; garamiu-lhes as immunidades e regalias das
suas gaumpoiías ou communidades agrícolas, ficando elles
contribuindo para o Estado somente com dois^ terços dos
foros e tributos, que pagavam ao Sabayo Dal-Kan.
O arco dos Vice-Reis, assim denominado por dar in-
gresso aos vice-reis e governadores, quando vao tomar
posse do governo da índia portugueza, está situado em
frente do cães do mesmo nome, contíguo ás ruínas do
Palácio da Fortale-^a, em que residiam os vice-reis.
Era uma das antigas portas da cidade velha de Goa,
mandada construir pelo vicc-rei D. Francisco da Gama,
conde da Vidigueira, por alvará de 4 de agosto de i5cnj,
em memoria de seu bisavô D.Vasco da Gama.
A fachada, voltada para o Mandovy, e que o nosso dese-
nho reprcsema, é de granito. Tem por cima do arco a esta-
tua em pedra de D. Vasco da Gama, e sobre o remate do
nicho, a seguinte inscripção :
REINANDO ELR. D. FILLIPE I .» POS A CIDADE AQUI DOM
VASCO DA GAMA I .^ CONDE ALMIRANTE DESCOBRIDOR E
CONQUISTADOR DA ÍNDIA SENDO VISO-REI O CONDE DOM
FRANCISCO DA GAMA SEU BISNETO. O ANNO D 99
JVLIVS SIMON ING. MA. INV.
No tvmpano do frontão vê-se a esculptura em bronze da
ima<^eni de Santa Gatharina de Alexandria, padroeira de
Goa"^ e sobre o nicho, as armas da cidade, que sao as de
Portugal, tendo representada na base a roda armada de na-
valhas, em que os inHeis despedaçaram a mesma santa
Entrando o arco vê-se á direita na parede, em baixo relê
vo a imagem de Nossa Senhora da Conceição sobreposta ,
PORTUGUCZA
67
á cffigie de el-rci D. João IV, com a seguinte inscripcao
gravada na pedra:
LEGITIMO E VERDADEIRO REI DOM JOÃO
4." RESTAURADOR DA LIBERDADE PORTUGUEZA
I G 5 (■)
Sobre a abobada do arco existia antigamente uma sala,
em que estavam pintadas todas as guerras dos portugue-
zes na índia.
Do palácio da Fortaleza —antigo serralho do Hidal-Kan
e depois residência dos vice-reis— que estava ligado a este
arco, existe apenas uma parte do pórtico, que representa o
desenho com essa denominação. Este palácio e o da inqui-
sição foram mandados deniolir, por assento da junta da fa-
zenda, em 19 de Junho de 1820.
Não podemos deixar de consignar n'este logar algumas
palavras que o sr. conselheiro Rivara nos dirigiu na^^occa-
siáo em que esboçávamos estas ruinas.
—«Continue na sua louvável tarefa de desenhar os gran-
diosos monumentos que restani da nossa índia, e a que es-
tão ligadas tão gloriosas tradições dos nossos antepassados,
porque d\iqui a trinta ou quarenta annos, da maior parte
d^elles não ficarei mais do que a memoria e os seus desenhos.
Trabalhe pois: esqueça-se de que na índia o homem que
trabalha de vontade tem sempre contra si as rivalidades
invejosas, os inimigos do trabalho e aquellcs que querem vi-
ver á sombra dos abusos; e sirva-lhe de incentivo o conse-
lho do immortal Cam6es, que aqui esteve como nós estamos
agora.
«Busque a foma por trabalho e lida,
Morre inglório quem passa em ócio a vida.»
Na cidade de Velha Goa estiveram mui notáveis escripto-
res portuguezes, como os insignes poetas CamGes, Bocage,
o sr. Thomaz Ribeiro e o illustrado orientalista Joaquim
Hehodoro da Cunha Rivara.
68
A IXDIA
Cam5es, concebendo os Lusíadas e cantando os feitos
heróicos de nossos maiores; Bocage, stygmatisando com
satyras as demasias dos descendentes de nossos conquista-
dores; e o sr. Thomaz Ribeiro, chorando sobre as ruinas de
Velha Goa a decadência de tanta gloria e passada grandeza.
CONSELHEIRO THOMAZ RIBEIRO
Conselheiro Thomaz Ribeiro.— W\o é licito escrever este
nome sem ter a certeza de que nenhum portuguez o
ignora. Com relação aos negócios da índia, basta dizer
que tendo acompanhado o sr. visconde de S. Januário
como secretario do governo geral, tomou parte em todos
os negócios que illustraram aquelle governo, a que o cha-
maram a sua elevada posição otficial, poderosissima intelli-
gencia e consummado saber. Temos d^essa epocha os dois
primorosos livros intitulados Jornadas: Do Tejo ao Man-
PORTUGUEZA
69
dorj' e Entre Palmeiras, que dizem do seu auctor o que
não poderíamos resumir n"estas breves linhas.
O sr. Tliomaz Ribeiro, como esses génios de eleiçro a
quem a Providencia concede dons especiaes, pôde ser con-
siderado sob variadissimos aspectos : poeta, parlamentar,
CONSLLHLIIIO J. H. DA CUNHA BIVARA
estadista e publicista; e, se a historia das letras pátrias se
apodera do seu nome para o illustrar n'uma brilhante au-
reola, ha de a politica fazer-lhe justiça, quando serena apre-
ciar a missão de bem social que está fazendo com a sua
publicação politica — Republicas.
Conselheiro Joaquim Heliodoro da Cunha Rirara. — Foi
muito conhecido em Portugal. Dotado de um espirito su-
perior e de muito bom senso, illustrado por uma erudição
A INDTA
vastíssima, incansável no trabalho e exemplarissimo o seu
comportamento, era homem de valioso conselho em todos
os assumptos da maior importância e gravidade, e ao
mesmo tempo um conversador alegre e espirituoso.
Em complemento do que deixamos dito acerca doeste va-
rão illustre, transcrevemos em nota os apontamentos biogra-
phicos, que a seu respeito publicámos no Occidente, n.° 3i,
do I." de abril de 1879^
1 Na antiga e notável villa de Arrayolos, da província do Alemtejo,
nasceu Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara, em 23 de junho de 1809.
O pae, posto que nascido em Lisboa, era de origem estrangeira, por
ser íilho de Jocão Rivara, italiano natural de Génova, que viera esta-
belecer-se em Portugal.
Depois de adquirir no lar paterno os primeiros rudimentos littera-
rios, passou a continuar os estudos em Évora, habihtando-se ahi com
os preparatórios necessários para seguir em Coimbra o curso de me-
dicina.
De feito, achâmol-o matriculado nos primeiros annos das faculda-
des de philosophia e mathematica da universidade no anno lectivo dç
1S24 a 1825; e com resultado correspondente ao seu talento e appli-
cacão havia concluído o terceiro anno medico, quando as vicissitudes e
transtornos políticos por que passámos de 1828 em diante, o obriga-
ram a quebrar o fio de seus estudos, fechando-se por algum tempo as
aulas da universidade. Teve, pois, de recolher- se a sua casa, até que
terminada a lucta civil em 1834, pôde entrar novamente na carreira
interrompida e ultimar os trabalhos escolares, fazendo acto de forma-
tura em i836.
Sentindo-se, ao que parece, com pouca disposição para o exercício
clinico da medicina, entrou no serviço publico como primeiro official
da secretaria da administração geral do districto de Évora, em 3 de
fevereiro de 1837, de cujas funcçóes foi dispensado em 27 de outubro
seguinte, para ir reger, no lyceu da mesma cidade, a cadeira de phi-
losophia racional. A este cargo veiu, pouco depois, accumular-se o de
bibliothecario da bibliotheca eborense, cuja nomeação lhe foi confe-
rida em 25 de dezembro de i838, prestando a este estabelecimento
relevantes serviços. -
Repartido o tempo entre os deveres do professorado e os cuidados
da bibliotheca, as sobras do que lhe ficava para seu estudo particular
eram por Cunha Rivara aproveitadas utilmente em serviço das letras
PORTUGUEZA
Misericor^dia de Goa.— A instituição da santa casa da
misericórdia de Goa, á imitação da de Lisboa, teve prin-
cipio entre os annos de i5i5 a i5 2o.
A irmandade da Misericórdia, que era composta primiti-
vamente dos portuguezes casados na índia,, tinha por timbre
favorecer em geral a humanidade desvalida, e em especial
proteger os orphãos, sustentar as viuvas honestas, alimen-
tar os expostos, remir os captivos, soccorrer e defender os
e beneficio commum, escrevendo numerosos c instructivos artigos de
historia, critica e philologia, com os quaes enriquecia as columnas
dos jornaes litterarios mais notáveis, que entre nós se publicaram
durante o periodo citado. Foi assiduo e diligente collaborador do Pa-
norama, da Revista litteraria do Porto, da Revista universal Lis-
bonense, da Aurora e outros. Teve ainda uma parte importante na pu-
blicação das Reflexões sobre a lingua portuguesa, obra inédita do padre
Francisco José Freire, dada a luz em 1842 pela Sociedade propagadora
dos conhecimentos úteis, e que hoje corre já em segunda edição, for-
necendo para ella não só o erudito prefacio, mas varias notas interes-
I santes, taes como a Breve dissertação sobre o que devemos entender
por auctores clássicos, etc, sisudamente pensadas, e escriptas com
penna fluente, em lingua chã e desaff'ectada. Estes escriptos, lidos
com proveito pelos que mais se contentam da solidez da doutrina e
da conscienciosa averiguação dos factos, que da harmonia das pala-
vras e da estructura dos periodos, crearam a seu auctor nome e fama,
e lhe mereceram na estima e benevolência publicas a primeira recom-
pensa de suas estudiosas fadigas.
Possuindo Cunha Rivara, afora outros, os dotes de conselho e exe-
cução necessários para a útil gerência das cousas publicas, do que deu
depois provas plenas e irrecusáveis, trocou a cadeira de professor pelo
mandato de representante ás cortes, acceitando o diploma de depu-
tado, com que os seus concidadãos o distinguiram no anno de i853,
em que saiu eleito por Évora.
Sendo nomeado governador geral da hidia o fallecido António Cé-
sar de Vasconcellos Correia, mais tarde conde de Torres Novas, este,
que na camará dos deputados tivera opportunidade de conhecer e
apreciar as distinctas qualidades do seu collega, escolheu e propoz
para secretario geral d'aquelle estado a Cunha Rivara.
Successivamente reconduzido naquelle cargo por decretos de 3o
de março de i858 e 20 de igual mez de 1861; nomeado commissario
/-
A índia
presos, e curar os doentes pobres sem fazer distincçao da
naturalidade, casta ou cor dos protegidos. Esta irmandade
está actualmente estabelecida na igreja do recolhimento de
Ghimbel.
A igreja do recolhimento da Serra, contigua ás ruínas
da igreja da Misericórdia, serve presentemente de cemitério
á quasi deserta freguezia da Sé. Foi mandada construir em
i5i4 por AlTonso de Albuquerque, e á sua custa, em desem-
regio para a circumscripção Jos bispados da índia, pertencentes ao pa-
droado portuguez, regulado pela concordata de 21 de fevereiro dei 85-.
Estrénuo e zeloso campeão das regalias da coroa, Cunha Rivara empe-
nhou todos os seus esforços na sustentação dos direitos que competem
ao padroado, pugnando pelo decoro e honra nacional; e isto não só
nas negociações officiaes, mas ainda como escriptor publico em pole-
micas levantadas na imprensa, combatendo victoriosamente em diver-
sos opúsculos, com as armas da rasão, as injustas pretensões e dema-
sias dos vigários apostólicos.
Uma honrosa portaria do ministério da marinha e ultramar, datada
de 3 1 de maio de i858, auctorisou o governador geral da índia a pres-
tar a Cunha Rivara todo o auxilio para que podesse, como se propu-
nha, continuar os trabalhos históricos de Barros e Couto sobre as
conquistas e dominio dos portuguezes na Ásia. Mandava outrosim que
se lhe abonassem todas as despezas por elle feitas nas visitas que hou-
vesse de emprehender fora de Goa, para pesquizar e recolher .esclare-
cimentos relativos aos factos e successos da epocha.
Sem aproveitar o favor pecuniário que a portaria lhe conferia, e
por conseguinte sem gravame do thesouro, o incansável erudito effe-
ctivamente correu e visitou, com diligente investigação, desde Diu
até ao cabo Comorim, e desde a costa do Malabar até á de Choroman-
del, os logares mais notáveis onde ou as magestosas ruinas ou os
monumentos que ainda existem de pé, attestam os feitos gloriosos de
nossos maiores n'aquellas paragens.
Não são poucos, nem de pequena monta, os subsídios colhidos
n'estas excursões. Avultam, porém, sobre todos, os que oflerecem os
archivos do governo geral da índia, que Cunha Rivara examinou tão
attenta e pacientemente, como se prova dos numerosos documentos
por elle extrahidos d'essa mina riquíssima, e postos ao alcance da cu-
riosidade publica, já insertos no Boletim official do governo, no Chro-
nista do Tissuary e em outras publicações periódicas.
PORTUGUEZA
73
penho da promessa por elle feita a Nossa Senhora da Serra,
pelo haver livrado do perigo em que se viu, quando seguia
viagem para a ilha do Camarão.
O estylo da architectura indica que ella fora reformada
em epocha muito posterior á sua fundação. Foi n'esta igreja
que primeiramente esteve sepultado Affonso de Albuquer-
que, sendo os seus restos mortaes transportados d'aqui para
a igreja do convento da Graça de Lisboa, em i566.
Repetidas demonstrações da munificência real, sobre elle accumu-
ladas, abonam a justa consideração devida ao seu mérito e serviços-
e bom fora que todas as graças e mercês assentassem em tão sólidos
fundamentos. Por decreto de 14 de abril de i865 foi-lhe conferido o
grau de «commendador da antiga, nobilíssima e esclarecida ordem
de S. Thiago, do mento scientifico, litterario e artistico, em attenção
ao seu merecimento e como testemunho da real consideração e apreço
pelo empenho com que se tem dedicado a illustrar a historia dos do-
mínios portuguezes na Ásia, colligindo e fazendo imprimir grande co-
pia de documentos de reconhecido valor».
Anteriormente fora já nobilitado com igual grau de commendador
da ordem de Nossa Senhora da Conceição de ViUa Viçosa, por decreto
de 4 de junho de 1860; e teve o titulo de conselho de sua magestade
por outro decreto de 1 1 de março de 1861.
Varias corporações scientíficas e litterarias quizeram também hon-
ral-o, e honrarem-se a si próprias, inscrevendo-lhe o nome no catalogo
dos seus membros. Era sócio correspondente da academia real das
sciencias de Lisboa, do instituto histórico e geographico do Brazil, do
j instituto de Goa, da sociedade de geographia de Lisboa, e cremos que
j de algumas outras.
i Cunha Rivara falleceu em Évora, na idade de sessenta e nove an-
j nos e oito mezes, no dia 20 de fevereiro ultimo. Mereceu sempre as
I sympathias e o respeito de todos; deixou na terra tantos amigos sau-
dosos quantos o conheceram; e na índia, aonde demorou vinte e dçis
annos e tivemos a honra e ventura de conviver com elle desde 1862 a
187 1, deixou incontestada reputação de homem honesto e altamente
■ considerado.
O retrato do illustre finado, que o Occidente offerece hoje aos seus
leitores, é copia de uma photographia, a ultima que tirou na sua pas-
I sagem por Paris de regresso á pátria que tanto amou, e que com tanta
dedicação serviu.
74 A ÍNDIA I
; . Í
Do recolhimento da Serra e do de Santa Maria Magda- •
lena ainda se vê entre palmeiras, á esquerda do cemitério, |
a parte restante das suas ruinas. |
Estes recolhimentos foram fundados em i6o5 pelo piedoso j
arcebispo D. Fr. Aleixo de Menezes: o primeiro para n''elle ;
serem recebidos os orphãos, filhos dos fidalgos, dos cavai- j
leiros, e de cidadãos do estado da índia; e o segundo para !
recolher as mulheres que tivessem feito má vida, e quizes- j
sem re^enerar-se. 1
Na igreja da Serra ainda se encontram os túmulos de |
Francisco de Albuquerque, D. Diogo de Noronha e de Fer-
não de Albuquerque, dos quaes apresentamos o desenho a
pag. 7Ó, 77 e 80. ^
Entre a Sé e as ruinas da Misericórdia estão as da igreja
de Santa Maria Magdalena, que representa o nosso de-
senho.
Convento de S. Francisco. — Este convento, segundo as
informações que o sr. conselheiro Rivara nos deu, teve
principio no anno de i5io, em que a cidade de Goa foi
conquistada por Affonso de Albuquerque, que cedeu aos
frades, que o acompanharam, a mesquita grande dos mou-
ros, para a converterem, como a converteram, em igreja
christã, instituindo-a em custodia sob a a invocação do
apostolo S. Thomé. Ali residiram elles até i52i, anno em
que ficou completa a nova igreja, mandada erigir por el-
rei D. Manuel. Esta igreja foi depois sagrada com o titulo
do Espirito Santo, pelo arcebispo primaz D. Fr. Aleixo
de Menezes, no anno de i6o3. Mais tarde, como amea-
çasse ruina, foi necessário demolil-a para ser reedificada,
como foi, no anno de 1G61. O architecto teve a discrição
de conservar na igreja restaurada o primeiro portal; é o
único fragmento que resta hoje em Velha Goa da nossa
architectura portugueza dos principios do século xvi. Assim
representa esta igreja as duas memoráveis epochas da his-
toria dos portuguezes na índia: a epocha gloriosa da con-
quista sob os auspícios do felicíssimo rei D. Manuel, e a
PORTUGUEZA. -yS
epocha lastimosa de D. AíTonso VI, em que os membros
do grande império portuguez do oriente se laceraram e des-
conjuntaram.
i Para a restauração doesta igreja fez o mesmo rei D. Af-
; fonso VI mercê das capitanias de Sofala e de Diu, para que
; os prelados as podessem vender na primeira occasião, appli-
I cando o seu producto para as obras da dita igreja; mas como
as esmolas dos fieis eram sufficientes, renunciaram elles a
mencionada mercê. No anno de 1707 arruinaram-se os claus-
tros do convento, que foram reedificados com as esmolas
dos fieis e dos parochos de Bardez e do Norte. No anno de
I 1762 reedificaram-se as cellas do dormitório do Rato, a por-
taria e as cellas contíguas á aula da Assumpta; e em 1765
fez-se a portaria do carro e o dormitório do guardião. A igre-
ja estava quasi desmantelada, quando a desenhámos, e não
se celebrava n^ella acto algum do culto. Posteriormente, e a
expensas de alguns devotos, foi restaurada e restabelecido o
culto religioso.
A poucos passos está a capella de Santa Catharina, que
o nosso desenho representa.
Foi fundada esta capella pelo governador Jorge Cabral,
em i55o; porém, a que vae representada em o nosso dese-
nho é de construcção mais moderna. Ainda ali se vê a lapide
que na primitiva capella estava sobre a porta, e que na actual
se acha coUocada ao lado da porta lateral, conservando a
seguinte inscripção:
AQUI n'eSTE LOGAR ESTAVA A PORTA
POR QUE ENTROU O GOVERNADOR AFFONSO
d' ALBUQUERQUE E TOxMOU ESTA
CIDADE AOS MOUROS EM DIA DE
SANTA CATARINA ANNO DE I 5 IO
EM CUJO LOUVOR E MEMORIA O GOVERNADOR
JORGE CABRAL MANDOU FAZER ESTA CASA
ANNO DE l55o Á CUSTA DE S. A.
Todos os annos, aos 2 5 de novembro, dia em que a igreja
celebra a festividade de Santa Catharina de Alexandria, se
76
A índia
solemnisa em Velha Goa a da tomada da cidade aos mouros
por Aífonso de Albuquerque.
Em 25 de novembro de 1840 foi dispensada a camará mu-
nicipal de solemnisar as festividades do Corpo de Deus e de
Santa Catharina, passando este encargo ao cabido da Sé.
Por isso, a procissão que antigamente saía doesta capella,
sae hoje da Sé, e a ella recolhe, e ahi se celebra a festi-
vidade com assistência do governador geral, camará muni-
cipal, nobreza, clero, corporações e empregados do estado.
TUMULO DE FRANXISCO DE ALBUQUERQUE
Sé de Goa. — Conquistada pela segunda vez a cidade de
Goa por Affonso de Albuquerque, aos 2 5 de novembro de
i5io, dia em que, como já dissemos, a igreja celebra a
festividade de Santa Catharina de Alexandria, elegeu este
pio e grande capitão a gloriosa santa por padroeira da
cidade, e cuidou logo em lhe erigir um templo, onde fosse
publicamente venerada, e que servisse de igreja parochial
aos christãos que ali fizessem assento. Em breve se com- [ \
pletou esse templo; e, quando em i5i2 regressou a Goa o < \
mesmo heroe, de volta da conquista de Malaca, ahi correu ■ \
logo a dar graças a Deus pelas mercês recebidas.
PORTUGUEZA
77
Mais tarde passou esta igreja a ser collegiada, e em 1Õ34
foi erigida em cathedral do bispo de Goa, por bulia Aeqiium
reputamus, de 3 de novembro, do summo pontífice Paulo III,
passando então o prior a deão, os beneficiados a dignidades
e cónegos, e preenchendo-se os mais logares com os clérigos
de fora. Por bulia Etsi Saneia, de 4 de fevereiro de i557,
elevou-a Paulo IV a sé archiepiscopal metropolitana, prima-
cial das índias, que desde o arcebispo D. Fr. Aleixo de Me-
:Jr.
TUMULO DE D. DIOGO DE NORONHA
nezes se intitula «primaz do Oriente». Foi até 1642 a única
parochia da cidade, e comquanto pelo progressivo augmento
do numero dos christãos se creassem depois outras, esta
contava ainda no anno de 1600 mais de 80:000 freguezes;
e por isso o arcebispo D. Fr. Christovão de Lisboa, dando
regimento á mesma cathedral no anno de 16 14, estabeleceu
ali dois curas para a administração dos sacramentos.
Em i532 ampliou-se o primitivo templo, e em i5G2 tratou-
I se de edificar no mesmo local outro mais grandioso, a cujas
I obras o referido arcebispo D. Fr. Christovão deu grande
78 A índia II
. fl
impulso. O novo templo foi sagrado pelo seu successor D. jj
Fr. Sebastião de S. Pedro, o qual governou a diocese du- h
rante seis annos, começados em 1623. j|
Este edifício, um dos mais esplendidos e grandiosos de [!
Goa, está em perfeito estado de conservação, exceptuando
a torre do lado esquerdo, que abateu em junho de 1776.
A lapide collocada na parede externa do frontispício, por
cima do portão do centro, tem a seguinte inscripção:
'■
REIX.i>o o MUI CAT.co + A MANDARAM. CONTI-
REY O SER/M M.Dou >^ /^%^^v%w /íí^ ^^ '''^ ^ CUSTA
FAZER ESTA SSE W\^^^^fôC^ ^^^"^ ^^"^ ^^"^'^ ^-^
O AN NO DO ^li/^^^^P%^ Z °* ATE O PREZENTE
S.» DE 562 SÈ DO ^ ^^^W
ADMINISTRADORES X^^^^^^^^^M^^JZ
DELLA OS ARCEBISPOS ^^^^í^fW^W^
PRIMAZES W W >-; fÊ(^ ^^ ''°^ MARTYRES E
OS CATÓLICOS REIS SEUS VV *^ (P" 4) ^'^'^'^ ^EY DESTE
SUCCESSORES &i=:^ ^=^ssSS ESTADO.
QHE O ARCEBISPO PRI
-MAZ D. FREY FRA-Co
No centro das duas columnas, que divide a inscripção,
vê-se em relevo, como mostra o desenho, uma tiara com as
chaves, insígnias do papa. No logar da lacuna estão apaga-
das algumas palavras, que parecem ser as seguintes; O V.
Rei D. Francisco Coutinho, ou estas equivalentes: O V. Rei
Conde de Redondo, escriptas em breve, porque de facto
este vice-rei ordenou a construcção doesta Sé, por provisão
de 4 de novembro de i562, como consta de documentos
consultados pelo sr. Rivara, que nos forneceu estes apon-
tamentos.
Por carta regia de 8 de fevereiro de iSqi incumbia-sc a
Ambrósio Argueiros e a mestre Simão a direcção das obras
da Sé. Por outra carta regia de 2 de janeiro de 092 man-
dou-se applicar ás mesmas obras a importância das penas,
condemnações, descaminhos, e o producto da renda da via-
gem para a China.
Em I de março de 1597 fixou-se o dote do arcebispo de
Goa em 10:000 cruzados, entrando n^esta conta 1:000 cruza-
dos para serem repartidos pelos ministros da Sé.
INTERIOR DO TEMPLO DO BOM JESl:
PORTUGUEZA
79
Pela provisão regia de 27 de dezembro de iDyS mandou-
se também applicar ás obras da Sé o dinheiro dos ab-intes-
tados, cujos lierdeiros não o tivessem procurado durante dez
annos. Conforme a participação do governador da índia, de
14 de fevereiro de 1620, as obras do corpo da igreja ficaram
concluídas em 16 19, e no mez de julho, em dia do Anjo Cus-
todio, teve logar a coUocação do Santíssimo, com grandes
solemnidades e festejos que duraram por alguns dias.
Em i863, epocha em que desenhámos este magestoso
templo e colligimos os apontamentos históricos que deixa-
mos escriptos, governava a archidiocese de Goa s. ex.'"* rev."'*
o sr. arcebispo primaz do Oriente, D. João Chrysostomo
de Amorim Pessoa, de espirito finíssimo e de muita illus-
tração, de quem apresentamos o retrato copia de uma pho-
tographia que s. ex.^ então se dignou offerecer-nos.
Este nobre e esclarecido prelado, actualmente arcebispo
resignatarío de Braga e primaz das Hespanhas, vive na
sua magnífica propriedade de Cabanas, próximo de Braga,
aonde exerce piedosamente as praticas religiosas, obras
de caridade, e presta incessante culto desvelado ás lettras
e á sciencia.
S. Boaventura. — O edificio do antigo collegio de S. Boa-
ventura assenta na margem esquerda do Mandovy a oeste
do arsenal do exercito. Está abandonado e quasi em ruinas.
Foi construído a expensas de algumas ricas e nobres senho-
ras de Baçaim, que n'elle pretendiam estabelecer um mos-
teiro para duzentas irmãs, freiras da ordem de Santa Clara
do patriarcha S. Francisco-, mas oppondo-se a esta institui-
ção o arcebispo D. Fr. Aleixo de Menezes, o Custodio Fr.
Miguel deS. Boaventura, que dirigia a construcção, applicou
este edificio para collegio ou casa de estudos em i(3o2.
Os seus rendimentos consistiam em 1:000 xerafins an-
nuaes concedidos por alvará régio de 16 de abril de 1617, e
no producto das missas, acompanhamentos, e suffragios
pelos soldados brancos do primeiro regimento e da legião
dos voluntários reaes de Pondá, que se enterravam no ca-
8o
A índia
pitLilo e claustro d''este collegio. Tinha a seu cargo o hospí-
cio de Nossa Senhora da Saúde, de Valverde dos Reis Ma-
gos e o do Monte de Guirim, em Bardez.
Priorado do Rosaria. — A igreja do priorado do Rosário
foi construída em i543, vindo para esse fim operários de
Portugal. Assenta na eminência do outeiro denominado
Monte Santo. Este monte esteve despovoado até i526, epo-
cha em que foi comprado por Pedro de Faria, capitão que
fora de Malaca, o qual mandou ali construir um^a casa de
TUMULO DE FERNÃO DE ALBUQUERQUE
residência, dando logar para que igualmente se construíssem
as igrejas de Nossa Senhora do Rosário e a de Santo An-
tónio, que lhe fica contigua.
A casa de Pedro de Faria foi depois comprada pelos
jesuítas em iSyS a Marques Botelho, que então a possuia,
para residência dos convalescentes da companhia, passando
em i58o até i585 a ser casa professa. Posteriormente foi
esta casa transferida para o Bom Jesus, ficando na residên-
cia do Monte Santo o noviciado da ordem.
ALTAR DE S. FRANCISCO XAVIER
PORTUGUEZA
8l
Mais tarde passou este noviciado a collegio, com a deno-
minação de Collegio Novo de S. Paulo ou de S. Roque.
Em uma parte doeste magestoso edifício esteve estabele-
cido o Hospital Real, entre os annos de 1760 a 1764, por
se achar arruinado o primitiv^o hospital, situado na proxi-
midade do arsenal, e emquanto se não promptificava o pa-
lácio de Panelim, de que já falíamos, destinado para o sub-
stituir em virtude da resolução do vice-rei, conde da Ega.
IGREJA DE SANTA MARIA MAGDALENA
Soffreu este collegio quatro incêndios, sendo o ultimo em
6 de janeiro de 1675.
Em i83o parte doeste grande edifício foi demolido para
com as suas pedras se construir em Pangim o quartel, de
artilheria.
Igreja de Santo António. — Está esta igreja situada no
Monte Santo, entre os conventos das Monicas, de Santo
Agostinho, e o priorado do Rosado. Foi doada em 19 de
junho de 1G06 aos religiosos de Santo Agostinho pelo arce-
82 A índia
bispo D. Fr. Aleixo de Menezes, sendo a doação confirma-
da por el-rei e pelo pontífice Paulo V. Em 9 de fevereiro de
1G79 foi erecta n'esta igreja a irmandade de Santo Antó-
nio, composta dos ofticiaes e soldados de mar e de terra, e
confirmada pelo arcebispo primaz D. Fr. António Brandão.
Collcgio do Popiilo. — 'O collegio do Populo era uma de-
pendência do convento de Santo Agostinho, ao qual se
achava ligado por meio de um grande arco, como se vê no
desenho. Este edificio foi fundado em i633. Era magnifico
e bem situado. Por baixo do grande arco seguia a extensa
e larga rua denominada dos Judeus, que conduz á forca do
preto Tipeti.
A forca assim denominada é de pedra, e foi construída de
propósito para n''ella ser enforcado um celebre preto d"'este
nonie, que era o terror do povo de Goa.
Havendo os religiosos da ordem de Santo Agostinho es-
colhido no Monte Santo um logar apropriado, lançaram os
fundamentos d*'este convento, sob a invocação de Nossa
Senhora da Graça, em 9 de setembro de 1397, com a assis-
tência do vice-rei conde da Vidigueira, D. Francisco da Ga-
ma, do arcebispo primaz, D. Fr. Aleixo de Menezes, e da
nobreza.
A igreja doeste convento era sumptuosa, toda de abobada,
e mais ampla que todas as dos outros conventos da cidade.
A abobada abateu na madrugada do dia 8 de setembro
de 1842, ficando apenas a capella mór.
A ordem augustiniana construiu em 1622 um seminário
em Neurá-o-Grande, recebeu por doação a casa e ermida
de Santa Ignez, na freguezia de Taleigão, e edificou a
igreja da Cruz dos Milagres.
Convento de S. João de Deus. — El-rei D. Pedro II man-
dou em 1G81 alguns religiosos da ordem denominada da
Hospitalidade, para se estabelecerem na índia.
Passando por Moçambique na sua viagem para a índia,
construiram ali um convento. Da Africa oriental seguiram
para Goa, onde edificaram o convento que representa o
TV.MULO DE S. FRANCISCO XAVIER
PORTUGUEZA §3
nosso desenho, comprando uma pequena casa ligada a outra
maior, que para aquelle fim lhes doou D. Fernando Martins
Mascarenhas, que governou a índia portligueza por via de
successão. Este convento foi depois elevado a cabeça de
província, sob a denominação de S. João de Deus; c a
igreja, actualmente desmantelada, teve a invocação de Nos-
sa Senhora do Bom Successo.
O convento tinha de instituição oito religiosos, sustenta-
dos pela fazenda publica a i xerafim diário, e os demais
eram sustentados á custa das esmolas que recebiam. Pela
extincção dos jesuítas passaram os religiosos de S. João de
Deus a servir de enfermeiros no real hospital militar, em
substituição d^aquelles, continuando a exercer estas func-
ções até á extincção da ordem em i835.
Eram filiaes doesta província os conventos de Moçambi-
que, Damão e Diu.
A camará municipal das Ilhas de Goa estabeleceu as suas
sessões n^este convento, emquanto se não concluiu a con-
strucção dos novos paços em Pangím.
Convento das Monicas .—EsXq convento, situado no Monte
Santo^ao norte e entre os conventos de Santo Agostinho e
S. João de Deus, foi construído, com auctorisacao de el-
rei D. Filíppe III, pelo arcebispo D. Fr. Aleixo de Mene-
zes em 1G06, com o título de Mosteiro de Santa Mónica,^
debaixo do instituto e regra de Santo Agostinho, para ceni
religiosas.
Este instituto mereceu a confirmação do papa Paulo V,
por breve de 27 de novembro de 161 3, de Gregório ^\\
por breve de 10 de março de 1622, e o beneplácito régio
por cartas regias de 24 de janeiro de 1629 e 24 de dezembro
de i633. Sua magestade acceitou o seu padroado por alvará
regio de 3i de março de i636.
Segundo o que sobre este mosteiro escreveu o vice-rei,
conde de Linhares, em 4 de janeiro de i(33o, é o maior de
todos os mosteiros portuguezes, com excepção do de Odi-
vellas.
84
A índia
Divide-se em oito dormitórios, com as seguintes denomi-
nações : da Madre de Deus, com onze cellas; de SanfAiina,
com dezeseis; do Dhnno Salvador, com onze; de Santo
Agostinho, com dezeseis; do Sepulchro, de Belém, da Se-
nhora das Candeias, e De cima. Os últimos quatro estáo ha
muito deshabitados e arruinados.
CAPELLA DE SANTA CATHARINA
Em 1804 tinha quarenta e duas religiosas de véu preto, e
dezenove de véu branco, quatro noviças e cinco pupillas.
Actualmente (1871) existe, apenas com as suas creadas,
a respeitabilissima soror Josepha do Coração de Jesus, tia
dos srs. visconde de Bucellas e barão de Combarjua.
Igreja do Bom Jesus. — Este magestoso edifício, situado
no antigo terreiro dos Gallos da velha cidade de Goa, foi ^
PORTUGUÈZA
8ò
construído á custa dos legados de D. Jcronymo Mascare-
nhas, como consta da inscripcão esculpida sobre uma la-
mina de bron/e dourado, na parede do mesmo edifício, do
lado do evangelho, junto da porta lateral do norte.
Começada a construir em 24 de novembro de i5o4, como
se infere das inscripções escriptas em latim e portuguez nas
D. JOÃO CHKVS0ST0..10 DE AMOlilM PESSOA
columnas que sustentam o coro, foi esta igreja sagrada pelo
arcebispo primaz D. Fr. Aleixo de Menezes, em i5 de maio
de i(3o5.
Enriquecida mais tarde pelos summos pontífices com gra-
ças e privilégios, em virtude da universal devoção dos fieis
que a ella concorriam, concedeu-lhe o papa Urbano VIII in-
dulgências plenárias, iguaes áquellas que se ganham visi-
tando as cinco principaes igrejas de Roma.
86 A índia
A fachada principal, que olha para oeste, é toda de gra-
nito. Tem três grandes portões, três amplas janellas e três
ellipses, sendo os portões e janellas rematados por frontões
ornados de esculpturas.
Este esplendido frontispício, formado pelo conjuncto das
cinco ordens de architectura civil: toscana, dórica, jónica,
corintliia e compósita, vae rematar depois do rectângulo, em
cujo centro se vê em alto relevo a divisa da companhia de
Jesus, em um grande artezão ornado de acroterios e bocetes,
uns pendentes e outros á maneira de escudetos. Três sólidos
contrafortes sustentam a parede lateral do templo, do lado
do norte, a qual termina em uma elegante balaustrada que
apenas deixa ver o cume do telhado mourisco. Este telha-
do, bem como o tecto, foi mandado reconstruir em substi-
tuição do antigo, que se achava arruinado, em 1862, durante
o governo do ex.™ conde de Torres Novas, com o producto
das ofterendas pecuniárias feitas a S. Francisco Xavier na
exposição de i85q.
No altar situado debaixo do coro do lado do evangelho
estão as reliouias da martvr Santa Paulina, authenticadas
pelo bispo Prophvriense, prefeito do sacrário das reliquias,
e reconhecidas pelo arcebispo primaz em 23 de outubro
de 1784.
Passando a famosa grade de sissó, que se acha na parte
superior da única nave do templo, vè-se do lado do evan-
gelho a capella de S. Francisco de Borja, padroeiro do reino
de Portugal e suas conquistas; do lado da epistola, a do
venerável santuário do corpo de S. Francisco Xavier, ten-
do á entrada a campa, que encerra os ossos de D. Luiz de
Menezes, conde da Ericeira, e depois marquez de Louriçal,
que foi duas vezes vice-rei da índia, e falleceu a 12 de julho
de 1741. Em frente está a capella mór. No altar doesta ca-
pella, posto que seja destinado ao Bom Jesus, orago doeste
templo, e do qual a igreja e a casa professa derivam o nome,
não figura, como era de esperar, o Menino Jesus, mas em
seu logar está no centro de uni primoroso e amplo retábulo
FORTUGUEZA 87
a colossal imagem de Santo Ignacio de Lo\ola, com os olhos
levantados ao céu e a dextra estendida, como se vê no dese-
nho, representando d''este modo o patriarcha dos jesuítas,
quando n'um extasis exclamou : Qucim sordet milii tellus
quum coelo aspiciol cfQuão vil me parece a terra quando
olho para o céu I »
O edifício que a estampa mostra ligado á igreja é a antiga
Casa Professa do Bom Jesus, mandada construir pelos pa-
dres da companhia em i58(3.
Sobe-se aos três andares superiores doeste edifício por
uma ampla escadaria composta de noventa e oito degraus,
sendo vinte de granito até ao primeiro andar e claustro, c
os restantes de madeira de teca. Estes três andares, softri-
velmente conservados, contêem: o primeiro, dez cellas, duas
salas e a casa de parla; o segundo, compõe-se de igual nu-
mero de compartimentos; e o terceiro, que occupa apenas
a parte contigua á igreja, consiste n\im espaçoso salão.
Alem doestas accommodações existem outras dispersas e ir-
regulares na parte meridional do edifício, que nos primeiros
tempos da construcçao soflVeu um grande incêndio.
Depois da expulsão dos padres da companhia, foi con-
fiada a administração da casa professa e da igreja do Bom
Jesus ao arcebispo primaz. Ali se estabeleceu posterior-
mente um seminário para instrucção do clero; e, depois da
extincção doeste, passou a ser administrada por um cónego
da Sé, que o prelado propõe para esse cargo á junta da fa-
zenda publica, ficando dependente a proposta de confirma-
ção do ministro da marinha e ultramar.
Altar de S. Francisco Xavier. — Este altar é de madeira
dourada. As três alampadas de prata que se vêem no de-
senho, e que no tempo dos religiosos ardiam continuamente,
pesam cada uma 70 marcos.
O caixão de prata em que está o sagrado deposito do
santo, na capella por detraz doeste altar, pesa 600 marcos.
A imagem do mesmo santo, que se ve sobre, o altar, é de
prata fundida, e pesa 200 marcos. Foi offerta de uma se-
88
A índia
nhora genovcza, c tem 6,5 palmos de altura, incluindo o
pedestal, aonde se lê a seguinte inscripção:
SANCTISSIMO INDIARUM APOSTOLO
FRANCISCA DE SOPRANIS PATRITA GENUVENSIS
URBAM DURATY OLIM UXOR
NUNC MARIA FRANCISCA XAVERIA
IN CELEBERRIMO INCARNATIONIS MONASTERIO
CHRISTI SPONSA
PEREGRINO COETESTI
PEREGRINI AMORIS VOTUM, ET MONUMENTUM
P. P. ANNO DNI 1G7O.
A imagem conserva ainda o bastão que o conde de Alvor
lhe coUocou em uma das mãos em i683.
PRIORADO DO ROSÁRIO
O mais notável para ver na igreja do Bom Jesus, e que
mais attrahe a attencão dos visitantes da cidade velha de
PORTUGUEZA
89
Goa, é o famoso tumulo de mármore e de prata onde re-
pousa o maior conquistador do Oriente, S. Francisco Xa-
vier, que todos os povos da índia visitam com a mais acri-
solada devoção.
Este esplendido mausoléu de fínissimos mármores de Itá-
lia de diíferentes cores, é um trabalho artístico primoroso,
e uma magnifica otTerta de um gráo-duque de Toscana,
como refere o padre Francisco de Sousa no seu Oriente
conquistado.
Comp5e-se de três partes distinctas, alem do caixão de
prata que encerra o corpo mumificado do glorioso apostolo
das índias, como se vê do respectivo desenho.
Tem approximadamentc 6 metros de altura desde a base
IGREJA DE SANTO ANTÓNIO
até á parte superior da cruz que remata o caixão, 3 metros
de comprimento e 2,5 de largura.
MO
A índia
A primeira parte representa os quatro altares em forma
de urna, um em cada face do tumulo. Esta parte, que con-
stituc actualmente a base do sarcophago, é de bcUissimo
mármore de côr encarnada raiado de branco, com os resal-
tos de mármore branco e raios alaranjados.
Os ornatos em alto relevo, assim como os cherubins dos
ângulos, sáo de jaspe e alabastro puríssimo. No centro do
frontal de cada um dos altares tem differentes emblemas
em alto relevo, representando no altar da face norte do sar-
cophago, de que offerecemos o desenho, o sol com dois cír-
culos concêntricos radiosos; no altar que olha para o occi-
dente, mostra um livro e differentes cruzes descendo sobre
elle; no do sul, um coração exhalando chammas entre dois
círculos radiosos; e, finalmente, no da cabeceira, representa
o céu nebuloso, despedindo raios que derribam uma mes-
quita coroada de meia lua.
A segunda parte é um parallelipipedo de excellente már-
more verde, salpicado de pintas brancas, pretas e cinzentas,
com resaltos e frisos de mármore amarcllado com veios
brancos e côr de sépia. No centro de cada uma das quatro
faces está uma grande lamina de bronze escuro de elevado
mérito artístico, representando em alto relevo, e em figuras
quasi destacadas do fundo, as mais notáveis passagens da
vida do Santo. Xa lamina da face do tumulo, que mostra ;|
o nosso desenho, e que no original fica voltada ao norte ou \
para a igreja, está representado o glorioso apostolo doutri- ]
nando os povos da índia. \
Superior a este quadro existe um medalhão de bronze, j
siístentado por dois anjos de grandes dimensões e de alvis- l
simo alabastro, o qual representa o sol nascente, e é rema- *
lado por uma fita também de bronze, onde está escripta a |
seguinte legenda
NOX INIMIGA FUGAT
A lamina da parte occidental representa S. Francisco Xa-
vier baptisando.
PORTUGUEZ.V • tjl
S. Francisco está descalço, com roupeta, sobrepeliz c es-
tola, tendo na mão esquerda a imagem do Crucificado, e
baptisando com a direita uma multidão de indígenas nas
Molucas. Ao lado esquerdo do apostolo e entre a multidão
ve-se um padre que a catechisa.
Na parte superior d"'este quadro está um medalhão tam-
bém de bronze, representando o sol no zenith, e na facha
sustentada pelos anjos lè-se:
UT VITAM HABEAM
Na lamina da face meridional vê-se o defensor do Oriente
procurando atravessar um rio sobre um madeiro, para fugir
á perseguição dos Jávaros da ilha de Moro,
No medalhão sobreposto a este quadro vê-se um leão no
meio de uma medonha tempestade, e lèem-se as seguintes
palavras:
NIHIL HORUM VEREOR
Finalmente, o quadro do lado oriental ou da cabeceira
mostra o Santo na hora do passamento abraçado estreita-
mente a um crucifixo, na praia de Sanchoão.
Está recostado sobre uma esteira na choupana do portu-
guez Jorge Alvares, entre os seus discípulos António eChris-
tovão, e assistido de anjos. Ali morre, exclamando: /;/ te
Domine sperari.
O medalhão sobreposto ao quadro representa o sol no
occaso, e n'elle se lê o seguinte:
MAIOR IN OCCASU
Atraz dos medalhões está a balaustrada, que forma a ter-
ceira parte do tumulo. É de mármore roxo com manchas
brancas. Os frisos e resaltos das quatro columnas dos ân-
gulos são de mármore escuro raiado de branco, e de már-
more amarello os plinthos superiores e inferiores.
A índia
Sobre esta balaustrada assenta o caixão, guarnecido exte-
riormente de prata rendilhada sobre velludo carmezim e
cravejada de diíferentes pedras preciosas. É este caixão
que conserva o precioso deposito do corpo de S. Francisco
Xavier.
Nas quatro faces do caixão existem trinta e dois quadros
ou laminas de prata, que illustram a vida, e representam
em relevo os passos e milagres do astro brilhante, que dif-
fundiu por todo o Oriente os raios fecundos do evangelho.
FORCA DO PRETO TIPETI
De todas estas laminas possuímos os desenhos, que reser-
vamos para apresentar em trabalho especial.
Na parte superior do caixão ha dezeseis anjos de prata,
e n''outras posições seis pinhas grandes e outras pequenas,
PORTUGUEZA g3
também de prata brincada e com flores douradas guarne-
cidas de pedras preciosas.
A peanha da cruz que remata o caixão apresenta, nos la-
dos oriental e occidental, dois anjos com emblemas na mão.
O anjo do lado oriental tem na mão um coração em laba-
redas, e o do lado occidental ou dos pés, este distico: Satis
est Domine, satis est, palavras que S. Francisco Xavier cos-
tumava repetir, quando sentia aquelles extasis de amor di-
vino, que o tornavam um verdadeiro inspirado e um verda-
deiro santo.
CAPITULO III
Ilha deTissuaiy — Pangim^ Palácio do governo — Affonso de Albuquer-
que— Alfandega de Nova Goa — Paços do concelho — Praça das sete
janellas — Quartel da guarda municipal e dos contingentes — Hospi-
tal militar e escola medica — Casa dos cathecumenos — Fonte da
Vacca — Dansa das bailadeiras — Igreja da Conceição — Escola hindu
— Vaizá — Prôssad — Medicina hindu — hislrumentosaratorios — Nan-
gòr — Pachú — Vraxabhá-boilá — Reddó — Campeiros — Constituição
da propriedade e divisão da superfície productiva — Moral, leis pe-
naes e leis civis — Leis hindus e portuguezas — Gentia amamentando
o. tilho.
ilha de Goa ou de Tissuar}*, que
em linguagem do paiz significa
trinta aldeias, e onde se acham
a antigi e a nova capital da ín-
dia portugueza, é formada por
dois braços de mar. O Mando-
vy, entrando pelo lado norte e
iWYlt separando esta ilha da província
tde Bardez na terra firme, for-
ma a bellissima entrada da praça
de Aguada, tao lorte pela parte
do mar como de terra. Entra o outro braço pelo lado sul
com o nome de Ziiary, que separa a mesma ilha da pro-
víncia de Salcete, formando a entrada, que defende a praça
0-''miá
96
A índia
de Mormugão, não menos forte. A ilha tem 20 kilometros
de comprimento, desde a ponta que se denomina de Nossa
Senhora do Cabo até ao forte de Benastary ou de S.Thia-
go, e de largura media 5 a 6 kilometros. O seu perímetro
é de 35 a 40 kilometros, e contem muitas fortalezas em
passagens, onde os rios são vadeáveis.
Esta ilha e as adjacentes abrangem uma superfície qua-
drada de i5o kilometros. Tem 2 cidades, Sy aldeias, 28 fre-
guezias, io:236 fogos e 48:847 habitantes de ambos os sexos,
sendo 33:980 catholicos, e 14:867 não catholicos ou gentios
e mouros.
O solo comp5e-se, na sua maior parte, de terrenos con-
stituídos pelo deposito lento e contínuo de argilla, silica,
lodo e outras matérias, que as aguas trazem em suspensão,
e que são provenientes dos schistos, dos granitos e de ro-
chas calcareas.
É durante a estação das chuvas que a natureza ali des-
dobra toda a sua magnificência, e poucos mezes bastam
para lavrar as terras, semear e colher as searas.
A frescura, a força da vegetação nova, a abundância das
producções, que cobrem a terra, transcendem a tudo o que
se admira nos mais gabados climas da Europa.
Durante os mezes de junho a novembro, o território de
Goa offerece de uma a outra extremidade a mais surpre-
hendente perspectiva de um magnifico, deleitoso e continua-
do vergel; ostentando, por entre frondosos arvoredos, aqui
extensas campinas floridas, alem vastidões de espigas a per-
der de vista, mais adiante prados verdejantes matizados
de boninas, e por toda a parte a inexhaurivel riqueza de
uma vegetação luxuriante e esplendida.
Pangim ou Nova Goa. — Moderna capital da índia portu-
gueza, era um bairro da aldeia de Taleigão, elevado á ca-
tegoria de cidade por ah^ará de 22 de março de 1843.
Situada na margem esquerda do rio Mandovy, na base
do outeiro de Santa Ignez, com exposição ao norte, e o
bairro das Fontainhas a leste, tem edifícios grandiosos,
PORTUGUEZA
['7
taes como: palácio do governo; quartéis de artilheria, da
guarda municipal, dos contingentes, da escola mathematica
e militar; lyceu e bibliotheca publica, e outros com que o
vice-rei D. Manuel de Portugal e Castro a dotou e embel-
lezou em i'S Í2, e mais tarde o ex.™° conde de Torres Novas.
Oito anncs depois da transferencia do Mandory ou al-
fandega de Goa para Pangim,
foram igualmente transferidas
em 1819 a^relaçáo, a chancella-
ria e seus cartórios, a contado-
ria da fazenda publica e as re-
partições annexas.
Palácio do governo. — Este
palácio tinha sido nos primitivos
tempos uma fortaleza do Hidal-
cão ou Hidal-Kan, que D. An-
tónio de Noronha, sobrinho de
Alíonso de Albuquerque, con-
quistou pela primeira vez aos
mouros, em i5 de fe^•ereiro de
i5io.
Foi nas proximidades d"'esta
fortaleza, entre Pangim e a Pe-
nha de França, que o grande
Affonso de Albuquerque veiu
postar-se com a sua frota no
Mandovy, em 3 1 de maio do
mssmo anno.
Decorridos alguns dias, o Hidal-Kan, sabedor de que os
portuguezes por falta de alimentos já illudiam a fome, co-
mendo ratos e o couro dos bahus, mandou-lhes offerecer
viveres e refrescos, e participar que pelas armas queria
vencer seus inimigos e não pela fome. Ou\indo esta ironia
pungente, Affonso de Albuquerque mandou expor na tolda
uma quartola de vinho e algum biscoito, que tinha reser-
vado para os doentes, a fim de que os inimigos vissem que
7
98
A índia
ainda hão estavam na extrema penúria, e respondeu aos
embaixadores do Hidal-Kan o seguinte: id)i\ci ao vosso
senhor que eu lhe sou ohri^j;ado, mas que não receberei os
seus presentes senão quando formos amigos^^
Depois d^isto, como a frota de Albuquerque estivesse re-
cebendo contínuo damno da artilheria da fortaleza, n'uma
madrugada atacou denodadamente a guarnição, reforçada
na noite antecedente com mais quinhentos homens, e to-
mou a fortaleza, matando cento e quarenta dos inimigos, e
perdendo apenas um dos seus, que morreu afogado no
Mandovy.
No mesmo dia e ao mesmo tempo toma também de as-
salto o baluarte de Bardez —Reis Magos— e retira-se com
a artilheria, munições de guerra e de boca, que encontrou
em ambas as fortalezas, para quatro mezes depois voltar a
reconquistal-as em 25 de novembro, dia de Santa Catha-
rina.
O conde da Ega foi o primeiro vice-rei que fixou a sua
residência (em dezembro de 1759) no palácio de Pangim,
no qual continuaram e continuam a residir os seus succcs-
sores.
Alfandega.— Tia architectura e disposição do edifício da
alfandega, o desenho diz d'elle muito mais e melhor do que
nós o poderíamos fazer- com palavras.
O Mandovy ou casa onde se recebiam os direitos na epocha
da conquista' de Goa, estava situado no angulo que forma
o rio ao norte da ilha. Por este motivo os terrenos circum-
vizinhos á alfandega, ou mandovy em linguagem do paiz,
se designam também mandovis; nome que o tempo tornou
exclusivo ao rio, e pelo qual é conhecido e marcado nas
cartas geographicas.
O mappa que se segue é um resumo do rendimento das
alfandegas de Goa do anno de 1866, comparado com o do
anno de i863, sendo o serviço aduaneiro regido pelo regi-
mento decretado para as alfandegas da índia pelo marquez
de Pombal.
PORTUGUEZA
99
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A INDlA
Palácio da miimcipalidade.—Ko sul da alfandega encon-
tra-se a casa da camará municipal das Ilhas de Goa, man-
dada construir pelo município durante o governo do ex."^»
conde de Torres Novas.
A torre, que no desenho se vê ao centro do edifício, foi
eri^ida por subscripçiío publica á memoria gloriosa do ex. "^^
conde de Torres Novas, sendo então pela segunda vez go-
vernador geral do Estado da índia o ex."^° conselheiro José
Ferreira Pestana, e presidente da municipalidade o auctor
deste livro.
A municipalidade das Ilhas de Goa é a actual succes-
sora do senado da camará, representante da cidade de
(;oa, e creado pelo ínclito Aiíonso de Albuquerque.
Para os cargos de vereadores, juizes, almotacés, vinte e
quatro dos mesteres, e mais officios, escolheu Aflbnso de
Albuquerque, d"entre os portuguezes que haviam casado
com as indígenas, os que julgou mais dignos, concedendo-
Ihes os mesmos privilégios de que o senado de Lisboa go-
sava.
Os vereadores venciam nos primeiros tempos gratifica-
ções sob a denominação de soldo, e mais tarde com o ti-
tulo de propinas. Tinha o senado a seu cargo as obras ci-
vis e militares do Estado; possuía avultadíssimas rendas, e
gosava de muitas isenções, e variadas attribuiçÕes e rega-
lias, concorrendo muito para essa grandeza as qualidades
pessoaes dos ricos e opulentos fidalgos, de que elle se
compunha.
Monumento de AJfonso de Albuquerque.— Este monumento
foi mandado construir por solicitações do sr. Cláudio La-
grange Monteiro de Barbuda, para n'elle se collocar a es-
fatua de Aflbnso de Albuquerque, que tendo sido transferida
do Arco dos vice-reis para o frontispício do recolhimento
da Serra, e ficando envolvida nas ruínas, a que o tempo
reduziu este edificio, foi depois transportada para Pangím.
A solemnidade e o auto de abertura do alicerce do mo-
numento teve logar em 17 de fevereiro de 1843, sendo go-
'ORTUGUEZA
lOI
vernador geral o conde das Antas, e a inauguração da es-
tatua em 29 de outubro de 1847, governando então o
Estado o ex.™ conselheiro José Ferreira Pestana.
As columnas de granito e algumas traves de ferro em-
pregadas na construcção do monumento pertenciam ao
convento de S. Domingos da cidade de Goa.
102 A índia
Affonso de Albuquerque. — A gravura que representa o
grande Affonso de Albuquerque, conquistador, fundador, e
pae do império que os portuguezes fundaram na índia, a
de D. Vasco da Gama, que se vê no capitulo ii, pagina 64,
e a de D. Francisco de Almeida no capitulo vii, são copias
dos retratos a óleo, de corpo inteiro, que estavam no arse-
nal de Goa e no palácio do governo em Pangim, quando
as desenhámos.
Affonso de Albuquerque, do conselho de sua magestade,
commendador da ordem de S. Thiago, capitão-mór e go-
vernador da índia, filho segundo de Gonçalo de Albuquerque,
senhor de Villa Verde, e de sua mulher D. Leonor de Mene-
zes, filha de D. Álvaro Gonçalves de Athaide, i.° conde
de Athouguia, nasceu em 1453 na quinta do Parai\o, situa-
da entre Alhandra e Villa Franca de Xira.
Tendo vinte e sete annos de idade, foi em soccorro de
D. Fernando de Nápoles, contra os turcos.
Depois de servir por alguns annos em Arzila, voltou a
Portugal, onde exerceu as funcções de estribeiro-mór de
el-rei D. João II. Combateu contra Mulei Xeque, rei de
Fez, em 1489, e voltou novamente para Arzila.
Regressando a Portugal foi despachado capitão-mór de
três naus para a índia, saindo de Lisboa em 6 de abril de
i5o3. Durante esta viagem mandou construir em Cochim
a fortaleza da invocação de S. Thiago, e uma igreja (a pri-
meira na índia) dedicada a S. Bartholomeu. Entrou nas
terras de Repelim e na ilha de Cambalão. De volta comba-
teu com 5o paráos de Calecut, e victorioso entrou em Co-
chim. Estabeleceu uma feitoria em Ceylão, e voltou a Por-
tugal, onde chegou nos fins de Julho de 1504.
No dia 6 de março de 1Õ06 partiu novamente de Lisboa
para a índia na qualidade de capitão-mór de uma armada,
para, em seguida á conquista de Socotorá, succeder ao vi-
ce-rei D. Francisco de Almeida no governo da índia, de que
tomou posse no dia 4 de novembro de 1609. Do que prati-
cou como governador falíamos anteriormente.
I
1'ORTl'GUEZA ' lOJ
Quartel de artilheria. — O quartel de artilheria occupa o
lado oriental do grande rectângulo formado pelo lyceu e
bibliothcca publica, installada em i832, pelo referido quar-
tel, academia militar, quartel da guarda municipal, e quartel
dos contingentes.
Os quartéis da guarda municipal c dos contingentes oc-
cupam os lados septentrional, occidental e meridional do
rectângulo. Sobre a porta principal do quartel de artilhe-
ria, que se vê no desenho da Praça das sete janellas, está
a seguinte legenda:
NÃO vos HADE FALTAR GENTE FAMOSA
HONRA, VALOR, E FAMA GLORIOSA
NO BOM E FELIZ GOVERNO DO
ILL^^E EX^^SNR D. MANOEL DE POR-
TUGAL E CASTRO V. REI DA ÍNDIA.
ANNO DE l832.
Caminhando pela margem do Mandovy, na direcção do
occidente até ao extremo da muralha que confina com o
rio de Santa Ignez, depara-se com o edificio, onde se acha
estabelecido o hospital militar e a escola medica.
Hospital militar. — Este hospital fora transferido de Pa-
nelim, onde tinha a designação de Hospital Real, em vir-
tude da representação que o physico-mór, o sr. Moacho,
dirigiu ao governador Lopes de Lima em 1841, ponde-
rando a insalubridade d^aquclle local, a sua vizinhança da
Casa da pólvora, e a distancia a que se achava dos quar-
téis da tropa. Situado actualmente no extremo occidental
de Pangim, em frente da barra de Aguada, e exposto ás
virações no verão, satisfaz aos fins prescriptos pela mais ri-
gorosa hygiene d"aquelles climas.
Em frente do hospital militar, em Batim, da província
de Bardez, na margem direita do Mandovy, está situada a
casa dos cathecumenos.
Catheciimenos. — N^esta casa recolhiam-se as creanças il-
legitimas dos gentios para serem baptisadas; até que, pela
104 A índia
portaria de 3o de novembro de 1842, se extinguiu este es-
tabelecimento, sendo os seus bens encorporados nos pró-
prios da fazenda.
Em 3i de maio de 1845 determinou-se ao governador ge-
ral de Goa, que, de accordo com o arcebispo primaz,
fizesse accommodar os neophytos do sexo masculino no se-
minário, e os do sexo feminino no recolhimento da Mise-
ricórdia em Chimbel.
Fonte da ]\icca. — Esta fonte, que está situada na base
septentrional do outeiro de Santa Ignez a SO. da cidade
de Pangim, comquanto seja menos importante de que a
fonte Fénix, é todavia muito apreciável pela excellente e
abundante agua que d'ella corre durante todo o anno; fica
próxima do único pagode que existe em Nova Goa, aonde
algumas vezes assistimos á dansa das calaroiílcs ou baila-
deiras.
Bailadeiras. — As bailadeiras estão vestidas com ricos
pannos de musselina azul, branca ou rosada, bordados de
seda, prata ou oiro. Os cabellos atados no alto da cabeça
são envolvidos por grinaldas de flores naturaes excessiva-
mente aromáticas; e o pescoço, orelhas, nariz, mãos e pés
estão ornadas de jóias.
As bailadeiras dão principio á dansa, cantando separada-
mente, e depois todas ao mesmo tempo, emquanto os
músicos ou inurdauífueiros tangem com as mãos sobre as
murdaiigas, que têem ligadas á cintura. Em certas occasiÕes
o canto e a dansa das bailadeiras são acompanhados pelos
sons de uma espécie de rebeca denominada — senmgin.
O canto das bailadeiras é monótono e cadenciado.
Se elevam a voz é só para formar os sons guturaes tão
frequentes e tão desagradáveis ao ouvido europeu.
A dansa reduz-se a algumas contorsões dos dedos das
mãos e a um fraco movimento de progressão obtido com
grande esforço sobre os calcanhares, e com as pontas dos
pés, quando recuam. N 'estes movimentos fazem grande
sonido com os guizos, que trazem em volta dos tornozellos.
1'ORTUGUEZA
io5
Sobre o outeiro de Santa Ignez ou de Pangim, entre o
pagode e o palácio do governo, está situada a igreja matriz
de Nossa Senhora da Conceição.
Igreja matri:{. — Esta igreja foi edificada em 1541, sob o
titulo de ermida e invocação de Nossa Senhora da Concei-
ção, padroeira do reino e conquistas.
Próximo d'esta igreja foi construido em i5Si o collegio
OlARTEr. DA GUARDA MlNlClrAL
de S. Thomaz, que, por ser muito infestado de cobras de
capello, foi transferido para Banguenim em 1626.
A noroeste da antiga e opulenta fonte de Banguenim'
• A fonte de Banguenim tinha amplas tinas de cantaria para banhos,
e por meio de aqueductos construídos em diversas direcções (hoje- to-
dos em ruinas) fornecia agua em abundância ao hospital da Misericór-
dia, Casa da pólvora e outros pontos da cidade. Actualmente ainda for-
nece agua á Casa da pólvora, mas em diminuta quantidade por causa
do mau estado do respectivo aqueducto. No governo do ex.mo conde de
Torres Novas concebeu-se o projecto de canalisar a agua d'este grande
manancial para Pangim.
io6 A índia
existia — em S. Pedro — a esplendida casa do sr. D. An- i
tonio de Carcomo Lobo, que mostra o nosso desenho do -
natural feito em i865. Como esta havia muitas casas par- i
ticulares em Goa pertencentes á primeira nobreza, e das !
quaes apenas se encontram hoje montões de ruinas ou pai- j
mares nos sitios que occuparam. ;
Escola hindu. — As escolas gentílicas de instruccão pri- '
maria são sempre debaixo do alpendre da habitação do guru \
ou xenoy (mestre-escola), como se observa principalmente ,
nas Novas Conquistas, aonde logo de madrugada se acham |
os choros — rapazes — sentados no chão, de pernas encru- i
zadas, traçando com o dedo índex da mão direita, sobre j
uma taboa coberta de areia fina, ou com um bocado de '
bambu fino sobre folhas de bananeira, as figuras das letras, ;
que ao mesmo tempo vão pronunciando ou cantando em
voz alta. "
Por este methodo aprendem simultaneamente a ler e a
escrever. j
O methodo de ensino gentílico consiste em tomar o mes- *
tre lição de leitura aos discípulos que já lêem os manu- ;
scriptos,- mandar-lhes depois copiar alguns excerptos dos
Vedas, que o guru lhes tem dado da sua letra, e repetir
de cór o alphabeto, a taboada maratha até 20 de inteiros, ]
e de quebrados até 4Y2, e algumas poesias indianas, que o 1
mestre lhes tiver ensinado. O xenòj' está, como mostra o
desenho, com o seu gorguly (espécie de cachimbo) em pu-
nho, em pé no meio dos estudantes, corrigindo os defeitos,
e admoestando ou punindo os que se mostram descuidados
e menos zelosos em seus deveres.
As mulheres hindus, exceptuando as bailadeiras, não )
aprendem a ler nem a escrever, por se persuadirem os '
gentios que toda a illustração que ellas podessem adquirir, 1
as afastaria d'essa simplicidade de costumes, em que vivem,
e que elles julgam necessária para a felicidade domestica.
Quando os gentios não estejam reduzidos á extrema in-
digência, mandam ensinar seus filhos a ler e escrever a \
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1
I
FORTUGUEZA 10'
lingua materna, e são instruídos nos princípios fundamcn-
tacs da sua religião; mas, em geral, ficam somente habili-
tados a ler os manuscriptos da língua materna, e a ler can-
tando alguma poesia maratha.
Alguns particulares téem em suas casas mestres, que
dão lições de lingua maratha a seus filhos e aos mancebos,
que ali concorrem da vizinhança. Mas, ordinariamente, são
estes mestres pouco instruídos. Apenas iniciados em ler e
escre^'er mal as duas espécies de caracteres Bolbodh e
Mody, ignoram completamente a grammatica maratha, e
não possuem conhecimento algum da vastissinia litteratura
dos hindus, para poderem doutrinar os alumnos com apro-
veitamento.
Medicina hindu. — A j'aidicai ou medicina hindu está na
nossa índia, como na primitiva.
Os gentios não têem escolas de medicina nem de cirur-
gia: é uma arte que todos podem cultivar e exercer livre-
mente.
Os brahmanes são os que possuem maior somma de co-
nhecimentos de raidicai, mas não exercem a profissão como
médicos. No entender dos brahmanes, todas as doenças
tcem quatro princípios, que são os quatro elementos dos
antigos: a pcinj' (agua), o vare (ar), a matf (terra) e o 11^0
(fogoj; e explicam tudo em medicina pelas quatro qualida-
des: o iismia (calor), o Iwwattf (frio), a thanddaye (humi-
dade) e a sucaty (seccura) : assim os upa]-as ou remédios
são quentes, frios, húmidos ou seccos, e applicados se-
gundo as regras do fatalismo. Para explicar os phenomenos
da \-ida, admittem um humor 2'ital.
O gentio que se intitula ;'j/-á (medico) ou o vaqhatfá
(aquelle que dá medicamentos, seja ou não medico de pro-
fissão) pertence á casta dos siidros.
São ignorantes, e exercem simultaneamente as profissões
de cirurgião e de pharmaceutico.
O SN-stema therapeutico dos gentios é o empirismo. Este
funda-se, como é sabido, em que a therapeutica não pôde
io8 A índia
ser deduzida a priori da natureza da doença, por isso que
esta é quasi sempre desconhecida. Estabelecem, pois, o
tratamento por analogia, applicando em cada doença ou
ballicá, os roqhadás ou medicamentos, que porventura te-
nham curado em algum caso similhante.
Alguns brahmanes fundam, o seu systema de curar sobre
a observação do homem doente e a experiência dos medi-
camentos e remédios próprios para obter a sua cura; e
finalmente, sobre a historia e a analogia. Este systema as-
similha-sc muito á medicina hippocratica.
É sabido que Hippocrates olhado, com fundamento, como
pae da medicina, admittia que as doenças tinham sua sédc
nos humores do corpo.
Galeno, um dos médicos mais famosos da antiguidade,
tinha adoptado a medicina hippocratica, e pensava também
que a doença era devida á alteração dos humores, tanto
em sua qualidade, como em sua quantidade. Gomo os
brahmanes, explicava Galeno tudo cni medicina, pelos
quatro elementos dos antigos.
As idéas humoraes de Hippocrates e de Galeno foram
adoptadas pelos médicos árabes, e notavelmente pelo cele-
bre Rhazcs durante todo o longo periodo da antiguidade
e da idade media. Muitos médicos, e os veterinários gre-
gos Absyrto e Eumclio Pelagonius, os agricultores romanos
Varrão, Golumella, e muitos outros antigos e modernos
adoptaram também as opiniões professadas pelos humo-
ristas.
Quando morre um ]\-ii\á, deixa a seu filho, a seu neto,
ou a algum parente, um livro de receitas, com o qual o
novo rai:^á começa a exercer a arte de Esculápio, com tan-
ta confiança em si, como se tivesse passado toda a sua
vida entregue com proficuidade ao estudo da sciencia me-
dica.
O livro de receitas serve para auxiliar a memoria dos
novos rai\ás, e também para estes colherem d'elle os ma-
ravilhosos segredos de curar toda a qualidade de doença.
I
il
PORTUGUEZA
lOQ
Applicando esses remédios muitas vezes, sem saberem como
e quando o devem ser, e não obstante verem morrer innu-
meraveis doentes, que lhes caem nas mãos, vivem todavia
persuadidos da etiicacia dos seus especificos universaes. Para
quasi todas as espécies de enfermidades impõem ou prescre-
vem rigorosa dieta, as bebidas e os cautérios; e sempre
IHN I K HA \
que liies morre algum enfermo, attribuem a esse facto o
ter elle comido alguma cousa de mais, ou deixado de tomar
alguma beberagem, ou a não ter sido abundantemente cau-
terisado.
O gentio doente mette-se com toda a confiança entre as
mãos d'estes médicos improvisados, e nunca recorre aos
no A IM)IA
médicos fvangiiins (europeus'), nem aos seus compatriotas
christãos, porque a sua religião llVo prohibe.
Todavia, nos casos de maior gravidade, alguns gentios
mais civilisados, que residem nasA^elhas Conquistas, quando
é preciso empregar a arte obstetrícia, depois de consulta- j
rem os :ioixvs (astrólogos), e a Saty (deusa que preside .
aos partos), e de se persuadirem que esta lhes dá o \
consentimento pedido, procuram para suas mulheres os j
soccorros dos nossos facultativos. i
Havendo mais de um facultativo christáo na localidade,
mandam consultar um brahmane para lhes dizer qual j
d'elles deva ser chamado.
O brahmane vae então ao pagode consultar o idolo por
meio do próssad. Diversos são os modos de fazer o pros-
sad. Eis-aqui um :
Prossad. — O brahmane ou, á falta doeste, o chefe da fa-
mília, coUoca em frente da divindade gentílica um vaso de
cobre, mettendo-lhe dentro uma varinha com outra atra-
vessada na parte superior, em cujas extremidades prende
mal seguras duas flores ou raniinhos de tuUossy, tendo em
cada uma os nomes dos facultativos.
Imprime depois um movimento de rotação á varinha
horisontal, esperando que uma das flores caia primeiro do
que a outra: será esta a que indicará o facultativo, que
deve tratar o doente.
Só depois d*'esta e de outras muitas praticas supersticiosas
é que o gentio doente se sujeita a tcmar as substancias
medicamentosas e alimentares, que o facultativo christão
lhe prescrever, menos caldo ou carne de vacca.
Os gentios nunca ousaram dissecar um cadáver, para
sobre elle estudarem a estructura, o uso e emprego dos
diversos órgãos que compõem o corpo humano.
D^aqui provém a sua crassa ignorância en"i anatomia,
phvsiologia, pathologia, e o estudo imperfeito da sua ci- }
rurgia. i '
Como não tcem noções precisas sobre os agentes thera- [\
pppp
itiiiaii:.i:;iii!Bi&aiiii;i;;íiii:iiiiiiiiffi,;i,i,ii:ii,fi.ft
PORTUGUEZA III
peuticos, administram poucos medicamentos interiormente,
servindo-se, sobretudo nas curas, de unguentos e cata-
plasmas.
Quando a doença não cede aos remédios ordinários, o
]'ai-d, depois de ter folheado todo o seu livro de medicina
e astrologia, herdado de seus antepassados, recorre a ridi-
culos sortilégios, como faziam os antigos hindus, os árabes,
persas, gregos, e finalmente os romanos, que attribuiram
certas doenças a causas sobrenaturaes.
O estudo da etiologia, ou causas das doenças e dos tem-
peramentos, é desconhecido pelos j>at-ds, a quem a super-
stição opprime ordinariamente o espirito.
Se o gentio enfermo tiver a infelicidade de ser atacado
de coma, symptoma mui frequente nas doenças cerebraes,
e que consiste num somno profundo, arrisca-se a ser col-
locado no doròbo, logar onde depositam os moribundos; e
em vez de applicarem medicamentos, que possam aprovei-
tar ao doente, entregam-se, já desesperados da cura, a
praticas supersticiosas, que mais prejudicam do que beni-
ficiam o desgraçado.
Se o doente é insultado de uma grande febre acompa-
nhada de delírio, suppÔem logo que está possuido do Xe-
tam (diabo). Então os j'ai\ds, os bottos, e os joguvs ou
santões fazem ao infeliz enfermo toda a espécie de ceremo-
nias ridículas para o esconjurar. O doente, n^este caso, em
logar do espirito das trevas — a febre que lhe devora as
entranhas — tem contra si mais os que o rodeiam, e que
na melhor boa fé, muitas vezes, o arrastam prematura-
mente á fogueira!
Mas se o gentio for acomniettido de typho ou de bexi-
gas, em vez de esconjurarem o enfermo, adoram-no conio
a um deus, por julgarem assim que adoram a Typhom,
génio do mal, que julgam ver reproduzido no doente, e a
quem attribuem a origem das plantas venenosas, dos ani-
mães nocivos, e das dhamys ou epidemias que assolam a
terra.
I 12
A IN Dl A
Em todos os casos de enfermidade nunca deixam de
consultar os ídolos; o que geralmente fazem por interven-
ção do chefe da familia ou dos brahmanes — bottos.
Estes sacerdotes hindus são assas crédulos; acreditam
que os seus deuses lhes faliam, e, instigados por esta con-
vicção, revelam aos seus similhantes muitas vezes verda-
des úteis, aconselhando-lhes o
emprego de certas plantas me-
dicinaes, em que abunda o paiz,
e que n^um grande numero de
casos mórbidos produzem bons
resultados e curas maravilhosas.
Os i'ãiyás curam frequentes
vezes e com facilidade os feri-
mentos mais graves, acompa-
nhados de accidentes superve-
nientes, que entre nós seriam
reputados mortaes. Em alguns
casos, sem saberem o porque,
reduzem luxações e fracturas
com bon"! êxito.
O apparelho circulatório, a
lanceta e o seu uso são desco-
nhecidos pelos j>ãi~ds, que nun-
ca sangram. Sobre este ponto,
pensamos que talvez tenham ra-
são, se se attender ao clima e
á maneira de viver dos hindus.
No entretanto supprem elles a sangria pelas sanguesugas e
pela dieta.
Nas doenças internas empregam algumas vezes tisanas
compostas de cravo da índia e de outros ingredientes esti-
mulantes, que, em alguns casos de inconsciente applicação,
produzem inflammações e aggravam a doença. Nas inflam-
mações externas escariíicam a parte inflammada com a ponta
de uma coity ou de uma navalha, e applicam depois uma
VENDEDEIRA DE HORTALIÇA
PORTUGUEZA
ii3
espécie de ventosa de cobre, que tem um tubo, por meio
do qual chupam o sangue com a boca.
Os vaiiás tomam o pulso, applicando por diíTerentes
vezes os dedos sobre as artérias dos braços. Depois de as
terem por alguns momentos compulsado, olham attenta-
mente para a physionomia do doente, persuadidos de que
o movimento dos olhos, junto
com os das artérias, é um meio
seguro para fazerem o diagnos-
tico da doença.
Para curarem a cólica tèem
um remédio, que, segundo ellcs
dizem, nunca deixa de ser efii-
caz. Consiste em um annel de
ferro de o"\o3 de diâmetro e
de proporcional grossura, que
applicam, depois de posto em
braza, sobre a região umbilical
do doente. Este cautério actual
produz uma súbita revolução
no abdómen, e as dores de
cólica em pouco tempo se dis-
sipam.
Para combater as febres, em-
pregam os refrigerantes em gran-
de quantidade; e, para as febres
palustres, ministram com succes-
so, no intervallo da febre, as
plantas amargas, em que abunda o Concão, e com espe-
cialidade o cozimento da raiz e das folhas das plantas
denominadas niumbó e cuddó, que produzem o elTcito da
quina.
Nas febres intermittcntes simples também empregam o
polme da casca da niumbó roçado com Jinim, na dose de
3o a 45 grammas. Esta e outras muitas interessantes recei-
tas de medicina hindu encontram-se já publicadas no Avchi-
8
VENDEDEIRA DE ÓLAS TECIDAS
114
A índia
vo de pharmacia e sciencias accessorias, do Estado de Goa,
por A. Gomes Roberto.
As doenças de debilidade são communs entre os gentios;
por isso quasi todos os medicamentos que empregam são
compostos de hervas, raizes, e decocções aromáticas e
estimulantes. Os hindus são igualmente sujeitos ás suppres-
sões de transpiração e aos exanthemas, por dormirem
quasi sempre nús sobre os pavimentos térreos, e se exporem
a todas as variações atmosphericas e ás mordeduras dos
insectos imperceptíveis = »
De tempos a tempos os hindus untam o corpo, e sobre-
tudo a cabeça com óleo de coco. Esta operação é conside-
rada refrigerante e útil á saúde por embaraçar os excessos
da transpiração.
Tanto no estado de saúde, como de doença, fazem grande
uso de fricções seccas. Quando um rico hindu pretende re-
pousar, faz-se friccionar ou maçar brandamente com a
mão secca por um dos seus domésticos, que desempenham
este mister com muita delicadeza e dexteridade. Este uso é
também adoptado não só pelos nativos christãos, mas pela
maioria dos portuguezes nascidos na índia.
Também deitam óleo de coco nos ouvidos, quando pre- \
tendem dormir. Dizem que o óleo nos ouvidos refresca a '
cabeça e concilia o somno; e que as fricções seccas são
necessárias n^este clima, onde o sangue, por assim dizer,
carece de ser posto continuamente em movimento. j
Nangôro. — O nangòro ou arado, a grade (dantó), o es- 1
terroador (divló), terraplenador (olloj-J, enxada (corem), |
sacho ponteagudo (moqhi-cuddoli), sacho de ponta larga
(pan-ciiddoU), machado (curaddi), e, finalmente, ò coito e
a coity (instrumentos cortantes), tal é a principal alfaia
aratoria usada na nossa índia.
Todas as camisponas ou amanhos da terra são feitos com
esses poucos, simples e defeituosos instrumentos.
As lavouras são executadas com o nann;òvo, que repre-
senta o nosso desenho, e que é construído na própria loca-
PORTUGUEZA I l5
lidade onde funcciona e produz resultados muito imperfei-
tos.
Esta machina aratoria hindu é toda de madeira, tendo
simplesmente a ponta do dente, em concany denominado
boiig;hi, e a relha ou :{ogol revestidas de uma lamina de ferro
triangular. Compõe-sc de três partes principaes:
i.'^ O temão ou guiithó, que prende a canga ou :^um, o.
por onde a junta (:{otá) de bois ou de búfalos faz a tracção,
tem de comprimento i^^cjS.
2.'' A rábica, que mede o"\85, e o rabello de o'^,3o de
extensão, que é a extremidade posterior por onde o casso
ou lavrador segura e governa o arado.
3." Emfim o dente ou boughi, que mede o'^,33, e o :{ogol,
de o™,43, que rasga a terra. Taes são as peças de que é
formada esta machina agrícola dos tempos primitivos.
Este arado não tem aivecas nem sega.
Os cassas ou lavradores não espicaçam, como na Euro-
pa, o gado jungido, para o fazer andar mais ligeiro; limi-
tam-se a gritar-lhes e torcer-lhes a cauda. Em logar de
aguilhada, fazem uso de um ramo de qualquer delgado
arbusto, que lhes serve promiscuamente para excitar os
animaes e para lhes sacudir os insectos. Os animaes bo-
vinos hindus são muito dóceis e de apurado instincto.
Pachú ou animaes domésticos. — O Estado da índia, se-
gundo os dados estatistico-pecuarios, publicados em Goa
no anno de i85i, contava cerca de 67:206 cabeças de gado
vaccum, 16:000 cabeças de reddós ou búfalos, e 34:5oo de
gado caprino, bocris ou cabras.
Goddós ou cavallos contam-se actualmente apenas aquel-
les que são importados da índia ingleza, como cavallos de
tiro e de sella, por conta de alguns particulares mais abas-
tados e dos ranes e dessays.
Os serviços ruraes são feitos pelos vráxabhás ou bois, e
pelos búfalos; e só se emprega a gaitri, gó ou vacca, todas
as vezes que os trabalhos não são penosos, e quando aos
lavradores faltam bois ou búfalos.
ii6 A índia
Encontram-se na nossa índia as seguintes raças de bois:
Vráxabháboilá (bos indicus). — Os caracteres mais dis-
tinctivos doesta raça consistem em ter uma grande col ou
gcba sobre a cernelha; as pernas curtas proporcionalmente
ao comprimento e sobretudo ás dimensões do tronco. A ca-
beça é perfeita, sem ser de uma grossura notável-, o foci-
nho longo e obtuso-, as orelhas grandes; os chifres grossos,
curvos para traz e graciosamente contornados, mas de
um comprimento medíocre. O peitoral largo; o thorax con-
vexo; a papada pendente e ondeada; o dorso ligeiramente
achatado; as pernas delgadas e a cauda longa. A côr do
pcllame poucas vezes é simples e pronunciada: c quasi sem-
pre uma mistura de tintas, um matiz, mas as cores mais or-
dinárias são o castanho alaranjado.
Raça Surratana. — Esta segunda raça diíTere essencial-
mente da primeira pela ausência da geba, pela posição dos
chifres que são de còr branca e se projectam para diante,
sendo também a cabeça mais estreita e delicada. Esta raça
tem os olhos mais approximados dos chifres, e o olhar doce
e tranquillo; pescoço mais delgado e a papada mais pen-
dente, convexa e caída abaixo do joelho; peito oval, corpo
alongado, pellc flaccida e ligeiramente espessa, com pouco
pello e fino; côr branca matizada de côr de rosa, e uma
estatura em geral mais esvelta e os movimentos mais ágeis:
dotada de grande docilidade, é boa para o trabalho, dá bas-
tante leite, e engorda facilmente.
Raça curta dos Gattes. — É uma raça de pequena esta-
tura, mas gentil; tem os olhos grandes c vi\'os, e as pontas
curtas; as fêmeas produzem muito leite e de boa qualidade,
e os machos são diligentes no trabalho; a côr é branca-
cinzenta, ou castanho-claro. Estes animaes são dóceis, fortes,
intelligentcs e aptos para trabalhos variados.
Os bois c os búfalos são os únicos animaes de tiro, de
lavoura e de carga da nossa índia.
Reddó ou biifalo. — O búfalo (bos bubalusj é caracterisa-
do por um frontal arqueado e amplo entre as pontas, que
ÍW\
BAILADEIRAS
I
PORTUGUEZA
117
são mais ou menos prismáticas, approximadas das orbitas
pela sua base, e dirigidas para traz. O costado ou paredes
lateraes do peito são achatadas e largas. As tetas obser-
vam-se dispostas em trapézio na fêmea, e em linha recta
no macho.
O talho do búfalo ordinário é quasi igual ao dos bois.
Seu porte d desairoso; quando corre estende o focinho a
fim de dar livre passagem ao ar. O mugido do búfalo é
especial d'esta raça; não se confunde com o das raças si-
milhantes,
NANGORO OU ARADO
Apesar da sua apparencia bronca, estúpida e muitas
vezes de aspecto medonho, o búfalo é um animal precioso,
em rasão dos serviços que presta ao homem. Recompensa
bem a sua deformidade por suas proveitosas qualidades.
Sua força é muito maior que a dos bois, e sua rus.tici-
dade e sobriedade são singulares entre os outros animaes
domésticos.
No Estado da índia serve o búfalo como animal de carga,
e no serviço de tiro para lavoura e para carros.
As. bufalas prestam os mesmos serviços que os machos:
1 1 8 A índia
são boas creadeiras, e dão leite abundante e de boa quali-
dade, do qual se obtém excellente loiínj- (manteiga).
A estes animaes, mais fortes que os bois ordinários,
apraz-lhes muito o viver nos brejos e logares pantanosos,
aonde muitas vezes passam algumas horas mergulhados na
agua, conservanda apenas fora d^clla a ponta do focinho.
O craneo dos búfalos contém enormes cellulas cheias de
ar, que communicam com o interior dos chifres. A existên-
cia d"'estas cellulas é que os búfalos devem a forma con-
vexa da cabeça; e julga-se que esta disposição dos seios
frontaes é que dá ao búfalo a faculdade de poder estar
mergulhado na agua, e dormir n^esta apparentemente in-
commoda posição, sem mergulhar a cabeça.
Nas florestas das Novas Conquistas habitam no estado
selvagem algumas espécies de búfalos, que os indígenas de-
nominam garós, e os seguintes animaes: Vag'os (tigres) de
differentes qualidades (real, bibió, vagantis, dos salgueiros
e outros); meriim (veado), chitol (chitella), bocris (cabras),
bencrem (camursa), vansiiellos (ursos pretos e brancos), ran-
diicor (porco), sonso (lebre), sallé (porco-espinho), colsiindós
(cães), macòres (macacos), eiil (lobo), babcó (gato), pacma-
{oro (gato alado), catandiir (espécie de arganaz), scncnim
(doninha), colló (adi\'e), coliindir (arganaz), chaniin (rato de
palmeira), sivló ou topió (camaleão com ou sem azas), sap
ou gar (talagoia), tirió (bicho vergonhoso). Grande numero
d"'estes animaes encontra -se também nas Velhas Conquistas,
e igualmente diversos reptis, dos quaes os principaes são:
Panró (cobra de capello), naguine (macho do panró), gi-
boia (surôpo ou cobra de grandes dimensões: encontra-se
nas florestas dos Gattes das Novas Conquistas), o dii'odó,
agiiió (cobra alcatifa), fiirscm (vibora), cnvalem (cobra de
aguai, maluiid (cobra de rato), oliari (cobra verde), e avó
(cobra madeira).
Garupeiros. — Os hindus chamados ganípciros agarram
as cobras, e depois de lhes arrancarem os dentes injecto-
res do veneno, andam com ellas em exposição pelos povoa-
PORTUGUFZA
119
dos, como mostra o desenho, auferindo d''esta industria os
meios de sua subsistência.
Existe também na nossa índia, principalmente na qua-
dra chuvosa, uma immensa quantidade de insectos; e, alem
de outras, as seguintes aves de caça: coscadreni ou perdiz,
lai'0 (codorniz), bcn caro (narceja); garças: branca e par-
da, boquem ou bolar, ciidcm, boqiiem, real, camardongo;
fclio ou biiddi (mergulhador), rolas (coiidós de diversos ta-
manhos e cores), ran-comby (gallinhola de matto), moro
(pavão), goroiipoquio ou guroiid (grou), parpós (pombos
de varias espécies), golerans (tordos), addos (marrecas),
congofod (dominíco real), gallinhas, gallos e outras aves.
Constituição da propriedade. — Na índia portugueza a
propriedade territorial, que data de remota antiguidade,
foi distribuída mais entre communidades, que entre indiví-
duos. Os mais antigos documentos descrevem a população
agrícola como aggregada em grupos gãos ou aldeias, tendo
ligada á parte em que residiam, um tracto de terra cuja por-
ção cultivável fosse sufficiente para seu sustento e que era
cultivada em commum. A administração interna dos negó-
cios da aldeia foi deixada em grande parte aos próprios ha-
bitantes, sob a geral superintendência de um ofQcial nomeado
pelo Rajá, a cujo cargo estava o regimen policial, a co-
brança das rendas do governo e a administração da jus-
tiça, sob consulta das principaes pessoas da aldeia.
Estas communidades das aldeias têem sobrevivido ás
dynastias, invasões e a todas as commocões politicas.
Pôde uma aldeia por eííeito de pilhagem e matança, diz
J. Talbo3's Whecler, ter ficado despovoada por annos, que
quando volverem tempos tranquillos, e a posse do terreno
for ainda possível, os aldeãos dispersos tornarão as suas
antigas habitações. Pôde ter passado uma geração, mas
succederá que se os seus filhos voltarem a restabelecer-se
na aldeia em seu antigo sitio, reedifiquem as casas que seus
pães occupavam, e novamente cultivem os campos que suas
famílias possuíram desde tempo immemorial.
120
A índia
Emfim, diz o sr. conselheiro J. H. da Cunha Rivara nos
Brados a favor das comminiidades : «As communidades
são corporações de ordem publica com um extenso poder
municipal, e jurisdicção administrativa, fiscal, judicial e elei-
toral, se bem que com os tempos tenha havido em alguns
doestes pontos tal ou qual alteração, que não infringe, nem
contradiz os princípios. Provam-no as leis, refere-o a histo-
ria, e vemol-o por nossos olhos».
Quando o egrégio Aífonso de
Albuquerque conquistou Goa, re-
servou para o nascente estabele-
cimento, que Portugal acabava de
dever á sua gloriosa espada, as
terras e heranças que possuíam
os mouros. Estas terras foram de-
pois, por carta patente de el-rei
D. Manuel, dei5 demarco dei 5 1 8,
distribuídas pelos portuguezes, que
casaram e assentaram vivenda em
Goa, cabendo ao que era fidalgo
três quinhões, ao cavalleiro dois,
e ao peão um'.
Em 1326 el-rei de Portugal deu
aos agricultores um foral, deter-
minando os foros, contribuições
e mais encargos convencionados
pelo illustre fundador, e que fos-
sem reduzidos a escripto os usos
e costumes que respeitavam a heranças, successões, afora-
mentos e encampações de terras, com o intuito de firmar
em bases mais solidas o direito da fazenda publica.
Em Goa todos os proprietários cultivam por sua conta os
prédios rústicos, menos os que vivem longe de suas terras, e
BOTTO OU SACERDOTE HIXDÚ
' Archivo portuguez oriental.
PORTUGUEZA 121
as corporações de mão morta. Os rendeiros são poucos, e
os arrendamentos fazem-se ordinariamente de um a três
annos, e alguns de seis a dez.
Calculando, como F. L. Gomes (A Uberdade da terra
e economia rural da índia portiígne:{a, 1862) em 40 xera-
tins o rendimento de cada hectare cultivado, e dividindo por
este numero o rendimento total dos diversos productos
agrícolas, temos que as cifras das propriedades pertencen-
tes á fazenda publica, ás corporações de mão morta, ás
communidades, vínculos, etc, são approximadamente as se-
guintes :
hectares
Terrenos das communidades 3 1 :00o
Prazos da coroa 7:032
Confrarias 886
Santa casa da Misericórdia ' 375
Convento de Santa Mónica 3oo
Fabricas das igrejas ' 25o
Seminário e bens da Mitra ' 1 00
Morgados e capellas 3:25o
Dessayados e sar-dessayados 2:65o
Bens nacionaes ou da fazenda 2:5oo
Mattas nacionaes 17:000
Aldeias commissas 25o
r>t'i: i()3
Em resumo :
Terras pertencentes á fazenda publica, ás corpo-
rações de mão morta, communidades, etc 6("):iq3
Terras pertencentes aos particulares e livres .... 53:407
Florestas (denominadas de 3. a classe que compre-
hendem i3:ooo hectares), pastagens naturaes,
terrenos de matto rasteiro, estradas, caminhos
e rios 28:400
400:000
' Por decreto de 14 de setembro de 1880, mandou-se proceder a venda de todos os pré-
dios rústicos e urbanos pertencentes ás corporações a que esta nota se refere, exceptuando
d'esta desamortisação as residências parochiaes e liortas annexas, os paços episcopaes e suas
dependências e os bens immobiliarios indispensáveis para o desempenlio dos deveres das re-
feridas corporações; determinando-se igualmente que a desamortisação do convento de Santa
Mónica e das cercas e dependências respectivas só se verificaria depois do fallecimento da
sua ultima religiosa.
122 A TXDIA
Moral, leis penaes e civis. — A moral não é invenção hu-
mana. É uma planta disposta por Deus no coração de to-
dos os homens, e que firma entre o céu e a terra uma
estreita alliança. A moral éi, pois, de todos os tempos e de
todos os povos.
As difterenças apparentes, que se notam na moral dos
diversos povos do globo, são de\idas á diversidade do
clima, ao caracter particular das raças, e sobretudo ao re-
gimen alimentar e educação.
Conforme os elementos, que entram na alimentação —
poderoso modificador das funcções orgânicas — assim ella
imprime a cada individuo tendências physiologicas e psy-
chologicas incontestavelmente differentes, e modifica de uma
maneira durável a organisação vital e politica de um povo.
Pôde applicar-se a cada um d"elles este axioma de Brillat
Savarin: al)i-c-mc o que tu comes, dir-te-hei o que tu és».
A escola brahmanica e posteriormente a de P^-thagoras,
admittindo que os alimentos exerciam poderosa influencia
sobre as faculdades intellectuaes e moraes, consideravam o
regimen vegetal como o mais favorável para o desenvolvi-
mento da intelligencia, para a quietação dos sentidos, e para
a conservação da vida em commum. Nós acreditamos que
a alimentação vegetal exerce sobre os costumes dos hindus,
e principalmente dos brahmanes, uma feliz influencia.
A doçura dos costumes, e a resignação com que os hindus
softrem qualquer adversidade, são proverbiaes; e, particu-
larmente, nas classes superiores, é muito raro ver-se um
individuo possuído de cólera, ou entregar-se ao mais ligeiro
excesso, tanto em suas palavras, como em suas acções.
A moral dos hindus tem por base a natureza do homem,
considerado como ente racional. As leis civis dos brahma-
nes estão amalgamadas com as leis religiosas. Como mé-
dicos reconhecem uma grande influencia sobre a moral
exercida pelos alimentos, como já dissemos; e, segundo
elles, as diversas castas devem-se alimentar conforme os
seus misteres dependem das faculdades intellectuaes ou
PORTUGUEZA 123
das forças physicas. É assim que os brahmanes, precisando,
como sacerdotes, de maior desenvolvimento intellectuai, se
sustentam unicamente de lacticinios e vegetaes, e não fazem
uso de bebidas espirituosas.
A vida diária dos gentios admitte pouca variedade, e
cada uma das suas acções está prescripta por uma lei.
Os puranas contêem as regras concernentes á maneira
de se alinientarem, e o tempo em que devem tomar os ali-
mentos. Determinam igualmente os deveres que os gentios
têem de observar religiosamente, antes de comer, as pes-
soas que podem ser admittidas á sua mesa, e insistem sobre-
tudo no modo por que devem proceder em qualquer parte
em que se acharem, e as precauções que devem tomar
para não serem tocados por nenhum objecto impuro.
O arroz forma a base da alimentação indiana, e é com-
mum a todas as castas. Alem do arroz, os brahmanes sus-
tentam-se, como vimos, de lacticinios e vegetaes; os quctrys,
de vegetaes e ainda de carne, menos a de vacca; os raixds,
de fructos, lacticinios e peixe; e os siidros, alem dos ali-
mentos concedidos ás castas superiores, comem aves.
Os almoços, tanto dos gentios, como dos catholicos in-
dígenas, consistem quasi sempre em canja, que é uma de-
cocção espessa de arroz.
O caril é o condimento mais usual. As castas, que de-
vem abster-se de toda a nutrição animal, usam do caril
feito simplesmente de fructos ou de legumes, e com elie
con'«em ao meio dia o arroz cozido em agua,
A noite fazem geralmente uso de caldo, um pouco es-
pesso, de farinha de nachinim (dolichos biflorus), que se
denomina ambil.
O leite, a manteiga de vacca e de bufala, o assucar, as
hervas, os legumes, os fructos de todas as espécies vege-
taes, as raizes e as plantas labiadas formam com o arroz
f^oda a culinária dos brahmanes. Nada de carne.
E para que serve comer carne? dizem os brahmanes. É
o mais nocivo e repugnante dos alimentos. Um regimen de
124
A ÍNDIA
farináceos, de fructas, de legumes, de ovos e de leite é in-
contestavelmente mais barato, sadio e saboroso. Encon-
tram-se n'elle todos os elementos necessários para as func-
coes de nutrição. Os principies alimentares da carne acham-
se facilmente assimiláveis sob a forma vegetal. Este regi-
men pôde e deve ser adaptado á coijdição individual, aos
trabalhos inte'lcctivo e muscular, ao clima, aos recursos do
consumidor; mas é sempre suf-
ficiente e preferível ao regimen
carnívoro.
Um bom cozinheiro pôde or-
ganisar, com legumes, hortali-
ças, farináceos, fructas, leite e
ovos, um jantar de quatrocen-
tos pratos e mais.
Os gentios das castas supe-
riores não comem com suas mu-
lheres, mas concedem a estas a
honra de comerem depois no
potravolv (prato) em que seus
maridos comeram.
Leh hindus. — As leis hindus
acham-se conformes coni os
princípios religiosos; comtudo
resentem-se do tempo em que
foram escriptas, muitos séculos
antes do christianismo.
Justiça. — Nos primeiros tem-
pos da conquista de Goa pelos
portuguezes a justiça nas Velhas Conquistas era administra-
da summariamentc por um auditor das índias, que acompa-
nhava o vice rei ou governador. Depois estabeleceram-se
os ouvidores geraes, sendo em *3 de abril de 1544 creada
a relação das índias, que ainda subsiste, mais ou menos
modificada pelo andar dos tempos com as designações de
Junta de Justiça, Tribunal da segunda instancia, e Relação
VAIZÁ OU CIRANDEIRO
PORTUGUEZA
125
de Goa. Este tribunal judicial tem tido um variado numero
de desembargadores, ministros ou juizes. Foi elevado a dez
o numero de seus membros, pelo decreto de 17 de fevereiro
de 1587, reduzido a cinco por carta regia de 14 de dezem-
bro de 1628, acrescentado em seis por decreto de 24 de
fevereiro de 1748, e baixou outra vez a cinco, a quatro e
três, desde o 1.° de abril de 1778.
D"entre os mencionados desem-
bargadores eram escolhidos o
chanceller, o ouvidor geral do ei-
vei, o do crime, o juiz dos feitos,
o provedor-mór dos defuntos e
ausentes, o juiz intendente das
Novas Conquistas, e, finalmente,
o procurador da coroa e fazenda,
com as variadas attribuições que
os seus titulos indicam evcm mar-
cados no regimento da relação de
22 de março de iSqS, e com juris-
dicção extensiva a todo o estado.
Os mais membros da magistra-
tura saíam d'entre a classe dos
advogados do numero da mesma
relação, com voto approvativo do
desembargo e licenciados por sua
magestade, como os ouvidores da
cidade, os de Salcete e Bardez, e ^^~
praças do Norte, os juizes dos or-
phãos, os auditores dos corpos do
exercito, os juizes das alfandegas, e os das communidades.
A antiga organisação judicial foi alterada pelo decreto
de 7 de dezembro de i836, e este decreto foi modificado
pelo regimento de justiça de i de dezembro de i86(3, que
dá á relação 4 juizes effectivos e 3 supplentes. Actualmen-
te a nova organisação judicial está estabelecida nos termos
do decreto de 14 de novembro de 1878.
GOPALLA OU GUARDADOR DE GADO
126 A ÍNDIA
Leis c/;'/5.— Variam as leis civis das Novas e das Velhas
Conquistas. A estas são, por diíTerentes disposições da me-
trópole, applicaveis as leis geraes do reino; mas aquellas
são regidas pelo chamado Código dos usos e costumes de
seus habitantes, muito differentes em certos pontos da le-
gislação do reino, especialmente a respeito da successão,
e da consideração, quasi nuUa, dada á mulher!
Nota-se um facto primitivo na origem da grande familia
hindu. É a escravidão. A posse do homem pelo homem,
contra o direito natural, que todo o individuo tem á conser-
vação da sua existência livre, como o mais sagrado de todos
os direitos, e que hoje revolta as nossas idéas de justiça,
tem suas raizes na desigualdade natural das raças e dos indi-
víduos. Os homens no principio fizeram pesar sobre os seus
similhantes o horrível domínio, que os nossos órgãos predo-
minantes ás vezes exercem sobre a nossa própria vontade.
Um hediondo sentimento de orgulho e de propriedade
impelliu os primeiros habitantes da terra a tornarem-se se-
nhores de seus irmãos.
Leis de 3/<.7»z/. — Segundo as leis de Manú, o brahmane
deve obrigar o sudro, seja ou não comprado, ao cumpri-
mento das obrigações servis; porque elle foi creado pelo
Ser Eterno (Anant) para o serviço dos brahmanes.
«O sudro forro por seu senhor, diz Manú, não fica livre
do estado de servidão ; porque se este estado lhe é natural,
quem o poderá isentar d"elle?
«São seis as dilTerentes espécies de servidores, a saber: i
o cue foi feito prisioneiro sob uma bandeira no campo da
batalha; o domestico, que se sujeita ao serviço de quem o
sustenta; o servo nascido de uma escrava, em casa de seu
senhor; o que foi comprado ou vendido; o que passou de
pae a filho; e finalmente o feito escravo por castigo, por
não ter podido pagar uma multa.
«A mulher casada, o filho e o escravo nada podem pos-
suir, próprio, segundo- a lei ; tudo o que adquirirem é pro-
priedade d'aquelle, de quem dependem.
PORTUGUEZA
127
«O brahmane necessitado pôde, em boa consciência,
apropriar-se dos bens do sudro, seu escravo, sem que o
rei o deva punir, porque um escravo nada tem que de
propriedade liie pertença, e nada, portanto, possue de que
seu senhor não possa lançar mão.
«O rei, diz ainda Manú, empregue todo o cuidado em
obrigar os vesias e sudros ao cumprimento das suas obri-
gações; pois se estes homens se desviam da linha dos seus
deveres, são capazes de destruir o mundo.»
Os gentios possuem uma espécie de digesto em vinte e
sete volumes; mas só os bottos o entendem. O povo até
ignora a existência de tal código ! Os preceitos do juiz fun-
dam-se nos costumes e nos casos julgados; os negócios, que
saem d'essa esphera, decide-os elle a seu arbítrio. No tempo
de Manú administrava-se a justiça sem apparato; — cada um
advogava a sua causa, c o mais acreditado no districto
servia de juiz.
Leis do processo.— Mé 1866 continuaram os processos
crimes a ser julgados pelas camarás geraes ou agrarias,
com recurso para o juiz de direito, e appellação para o tri-
bunal da relação de Goa, ex officio por parte da justiça; e
os eiveis, nas causas ordinárias, eram julgados por árbitros
nomeados pelas partes. Foi isto algumas vezes feito com
rigor, sendo nomeados os árbitros d'entre os habitantes
das Novas Conquistas; mas ultimamente essa faculdade
tinha-se estendido aos habitantes das Abelhas Conquistas, e
algumas vezes eram nomeados esses árbitros d'entre os
advogados dos auditórios. D"estes julgamentos ou decisões
podiam as partes recorrer para a relação do Estado da
índia. Comtudo ás camarás geraes não competia o co-
nhecimento dos crimes commettidos contra o Estado e
contra as auctoridades constituídas.
^ A forma do processo, quer nas causas crimes, quer nas
cíveis, estava prescripta no regulamento do processo de 14
de outubro de i853; mas todos os casos omissos se regu-
lavam pela reforma judicial e legislação geral portugueza.
I
128
A ÍNDIA
Com a crcação dos julgados, em as Novas Conquistas,
em virtude da portaria do governo geral de 5 de março de
1864, ficou abolida a jurisdicção da camará geral, no crime,
c a forma do processo por árbitros no eivei. A obrigação
de julgar passou então para os juizes de direito, não se
GENTIA AMAMENTANDO O FILHO
alterando comtudo o código dos usos e costumes dos ha-
bitantes das Novas Conquistas'.
I O citado regulamento de 14 de outubro de iS53, que continha estas |l
e outras disposições, foi revogado pelo regimento de justiça approvado
por decreto de i de dezembro de 1866.
Jl
['ORTlOrEZ.V
I2C)
O que n^esta portaria se ve mais notável é a creação de
novos tabelliães, devendo estes fazer em portuguez os con-
tratos, que até ali eram feitos pelos citlcomins (escrivães
judiciaes) em lingua maratha'.
Depois que por decreto de i8 de dezembro de 1854 se
pôz em execução, em todo o Estado da índia Portugueza,
o código penal, o decreto de 10 de dezembro de i852 e a
carta de lei de iS de agosto de i863, as penas foram rec^u-
ladas, e os casos crimes classificados pelo mesmo código,
assim como as fianças.
Porém, pela portaria do governo geral em conselho, as-
signada pelo illustre conde de Torres Novas, em 17 de abril
de i856, e inserta no Boletim do gorerno, n." 3o do mesmo
anno, foi abolida para os gentios a pena de degredo, tanto
nas\>lhas como nas Novas Conquistas; e substituída, nos
casos em que tinha logar, pela prisão com trabalho, ou sim-
ples. Assim alcançaram elles um deferimento á sua repre-
sentação.
Para se fazer idéa da pouca ou quasi nenhuma conside-
ração dada á mulher nas Novas Conquistas, podem ver-se,
alem dos artigos i.» e 3.° do respectivo código dos usos e
costumes, que trancreveremos, quando tratarmos do casa-
mento gentílico, os artigos seguintes:
«Art. 7.° As viuvas entre os gentios, sejam púberes, se-
jam impúberes, não podem casar-se; e quando alguém toma
uma viuva para fazer com ella vida de casado (e chama-se
então mulher do panno), esta união não tem etíeitos de ma-
trimonio, nem os filhos d'ahi nascidos podem ser reputa-
dos legítimos para qualquer efféito civil ou religioso.»
• Esta disposição foi substituída pelo artigo S5° do mesmo regimento,
que estatuiu que os tabelliães dos julgados das Novas Conquistas es-
crevam na lingua portugueza os actos próprios do seu officio, dando
na mesma lingua ou na maratha os respectivos traslados, segundo lhes
for exigido; ficando em tudo o mais a referida portaria alterada pelo
alludido regimento de justiça.
9
1
f
i3o A índia I
^
Dos direitos e obrigações entre os cônjuges. — «Artigo 8.°
Em regra tudo quanto a mulher leva para casa do seu ma- ^
rido, ao tempo do seu casamento, ou depois vem a adqui- '
rir, pertence ao mesmo marido».
« Art. IO." A administração do marido é ampla e exclusiva, i
e não é necessário concurso da mulher para quaesquer ;
actos ou contratos, ainda que versem sobre bens de raiz.» j
«Art. 17.° Um marido pôde requerer a dissolução do I
matrimonio unicamente no caso de adultério da mulher.» \
«Art. 19.° ^^erificada a dissolução, a mulher é expulsa. I
Reputa-se como morta para a família do marido, e perde |
a favor doeste tudo quanto trouxe da casa de seus pães, \
ou por qualquer outra via adquiriu, não tendo direito a j
pedir alimentos.» |
Dos alimentos. — «Art. 67.° Uma mulher casada, como
já faz parte da familia do marido, torna-se estranha á de '
seus pães, e por conseguinte não tem direito a pedir ali-
mentos aos parentes paternos.»
Da successão e partilhas. — «Art. q7.° As fêmeas não
têem direito á successão, mas unicamente aos alimentos; e j
as viuvas, na deficiência de herdeiros, têem durante a sua !
vida usufructo dos bens, os quaes, por falta de successão, j
devolvem ao fisco.»
A índia, tendo em tempos remotos caminhado na dian-
teira da civilisação, deixou depois outras nações tomarem-
Ihe o passo. Aqui vemos ainda a mulher gentia submersa
n*'uma tal inferioridade social, que apenas é tida como um
instrumento de prazer, um agente material da procreação. \.
N''este paiz as relações dos sexos estão ainda taes quaes as :
exigiam as primeiras precauções. A polygamia, que outr^ora |;
foi uma garantia de multiplicação, não passa hoje de um j
aperfeiçoamento de sensualidade para o homem e de um \\
requinte de escravidão para a mulher. 'i
Oxalá que sejam em breve extensivas aos habitantes das jJ
Novas Conquistas as leis suaves e humanitárias, que regem 'i
os povos do continente da monarchia. E não pedimos muito, : j
PORTUGUEZA l3l
porque na matéria do artigo 107.° da prescripção já está
determinado que regulem as leis portuguezas.
O artigo a que nos referimos reza assim:
«Art. 107.° Na matéria das prescripções, e benefícios da
restituição se observará em tudo o direito portuguez.»
Para dizer verdade inteira e francamente, como nos
cumpre, vemos que os gentios das Novas Conquistas não
estão menos aptos para receber essas leis, e gosar no seio
de suas famílias da sua influencia civilisadora, do que es-
tavam os das Velhas Conquistas, quando lhes foram outor-
gadas. A mulher ali, pelo estado de degradação social a
que está condemnada, jamais poderá comprehender o gran-
de papel que a natureza lhe destinou sobre a terra. Mas
quando se realisar a salutar medida, que deixamos indica-
da; quando pelo poderoso influxo das nossas leis a mulher
gentia sentir moderados os rigores do seu tristíssimo e do-
loroso captiveiro, temperado pela doçura dos sentimentos
humanitários, então verá irradiar puríssima e formosa, por
entre as horrorosas e densas trevas da ignorância, dos
preconceitos e das cruéis superstições que a subjugam e
tyrannisam, a luz da verdadeira civilisação.
Então, avaliando e comprehendendo esses sublimes e
immutaveis princípios, inoculados por Deus no coração hu-
mano, se não poder ser ainda coUocada a toda a altura da
sua dignidade, ao menos avançará o primeiro passo na
senda da sua emancipação social e gosará as doçuras da
vida familiar e as honras tão suas de uma gloriosa mater-
nidade.
Prouvera a Deus que os homens de todas as crenças,
de todas as civilisações e de todas as latitudes do globo
se compenetrassem profundamente das incalculáveis vanía-
gens que proviriam á humanidade pela regeneração da mu-
lher.
Essa regeneração, cuja realidade se conseguiria por meio
de uma educação esmeradamente esclarecida e adequada á
alta missão commettida pelo Creador á primeira educadora
,32 A ÍNDIA
do género humano, a mulher, e pelo despedaçar dos ferros,
que o orgulho do homem lhe forjou ao crear leis iniqua-
mente egoístas, importaria nada menos que a regeneração
da humanidade.
Mas emquanto não podemos chegar tão longe, esforce-
mo-nos deveras para que a mais bella e interessante me-
tade dos habitantes das Novas Conquistas attinja a consi-
deração que merece aos olhos da civilisação portugueza'.
Para completar a coUecção dos desenho relativos a Pan-
gim, apresentamos n'este capitulo o desenho do palácio do
sr. conde de Nova Goa, situado a montante da ponte de
Minerva, no Campal de D. Manuel, e que servia de resi-
dência ao sr. arcebispo primaz, D. João Chrysostomo de
Amorim Pessoa, quando o desenhámos em 1866.
I O decreto de 18 de novembro de 1869, fazendo extensivas ás pro-
víncias ultramarinas as disposições do código civil, resalvou no Estado
da índia (artigo 8.0 §1.0) os usos e costumes das Novas Conquistas j*
colligidos no respectivo código de 14 de outubro de i853, no que se
não oppozesse á moral ou á ordem publica.
i:ma commissão nomeada, por eífeito da regia portaria de 3i de
maio de 1878, para propor um conjuncto de providencias tendentes a ^
promover a prosperidade d"aquellas possessões, entendendo que o ai- U
ludido código carecia de ser revisto, para manter só o que se devesse ;.
considerar resalvado, e excluir-se o que se oppozesse á moral ou á I
ordem publica, e ainda o que tivesse caducado em consequência da ;
nova lei civil ou podesse supprimir-se sem inconveniente, procedeu |.
effectivamente a essa revisão, e em resultado d'ella offereceu á consi- :
deração do governo uma proposta, restringindo a manutenção dos usos
e costumes "das Novas Conquistas aos que, por serem estrictamente
connexos com os ritos e organisação familiar dos hindus, nem convinha 1
abolir completamente desde logo, nem modificar mais do que as cren- 1
ças e hábitos d'elles o permittissem. 1
Esta proposta foi convertida no decreto de 16 de dezembro de 1880, j
que trata não só da successão e da consideração devida á mulher i
hindu gentia, mas também de outros assumptos que alteram profunda- ■
mente o modo de ser da vida dos hindus gentios das Novas Conquistas,
cujos usos e costumes especiaes e privativos se regiam pelo citado có-
digo de 14 de outubro de i853.
PORTUGL'KZA
i33
Temos transcripto n'este livro diversos artigos das leis
de Manú, primeiro legislador da índia, filho deVirady e
neto de Brahmá, vertidos em portuguez do original fran-
cez — Les livres sacrés de rOrient, de mr. G. Pauthier —
por José de Vasconcellos Guedes de Carvalho, bacharel
VISCONDE DE RIBA TÂMEGA
formado em direito pela universidade de Coimbra, e juiz
da relação do Estado da índia, publicado em Nova Goa
em 1859.
As leis de Manú dividem-se em doze livros, contendo as
seguintes matérias: i.°, da creação do mundo; 2.°, dos sa-
cramentos e do noviciado; 3.°, do casamento e deveres do
chefe de familia; 4.°, dos meios de subsistência e preceitos;
i34 A índia
5.°, das regras da abstinência, e puriticaalo das muliíe-
res; 6.°, dos deveres do joguy ou anachoreta e devoto as-
cético; 7.°, do comportamento dos reis e da classe militar;
8." e 9.", do officio dos juizes, deveres da classe commer-
cial e servil, leis civis e criminaes; 10.", das castas mestiças;
1 1.° das penitencias e expiações; e, emhm, o 12.°, que trata
da transmigração das almas e beatitude final.
Foram os 8.° e q.° livros que o ex."° sr. José de ^'ascon-
cellos, primeiro barão e primeiro visconde de Riba Tâmega,
traduziu com o fim não só de divulgar o conhecimento das
leis primitivas do povo hindu, entre o qual s. ex.'' habitou
alguns annos, mas principalmente para o producto da pu-
blicação, que foi importante, ser applicado em beneficio das
famílias que soffrerani perdas irreparáveis com o tiagello
da febre amarella, que em 1837 grassou na capital do nosso
reino, e por cuja philanthropica dedicação foi s. ex.-'' louvado
oficialmente em portaria do ministério da marinha e ultra-
mar de 28 de setembro de i85c), e obteve da camará mu-
nicipal de Lisboa a medalha de serviços relevantes, com
que o município condecorou aquelles que mais se haviam
distinguido por occasiao d^aquella terrível epidemia.
O sr. visconde de Riba Tâmega, de quem damos aqui o
retrato, actualmente juiz do supremo tribunal de justiça, é
um dos membros da magistratura judicial que mais a tem
honrado pelo seu procedimento de homem publico e de ho-
mem particular.
Despachado em iS de dezembro de i852 juiz de direito
para a comarca de Bardez, e depois para a das ilhas de
Goa, foi em 14 de abril de 1837 promovido ao logar de juiz
da Relação do Estado da índia, onde completou nove an-
nos de serviço, que exerceu sempre com distincção e inte-
gridade.
Durante a sua residência na índia portugueza desempe-
nhou differentes commissões de serviço publico, occupando
o logar de vogal do conselho do governo. N'esta qualidade
e servindo de presidente da Relação, recitou 'na solemnida-
PORTUGUEZA 1 JD
de da acclamação de el-rei D. Pedro V, na sé primacial
de Goa, no dia 3 de dezembro de i855) um importante dis-
curso, onde notou diversos pontos a corrigir na publica
administração.
Espirito generoso, e dedicado ás idéas liberaes, os dese-
jos que então o animavam, e a opinião que sustentou, pa-
recendo a todos n''essa occasião a maior das utopias, deu cm
breves annos a s. ex.-'' a satisfação de reconhecer a sua
previdência, e de ver as suas utopias traduzidas em factos.
O plano do nosso livro não nos permitte explanações
biographicas, por isso remettemos o leitor para o Correio
da Europa, publicado em Lisboa no i.° de março de 1881,
aonde achará ampla noticia sobre as qualidades moraes que
distinguem o nobre caracter de s. ex.^, e que são as de um
verdadeiro homem de bem.
Ainda pelo motivo acima exposto, não podemos, como
muito desejávamos, mencionar aqui os relevantes serviços
prestados na índia pelos digníssimos magistrados judiciaes,
com quem tivemos a honra de conviver em Goa e de quem
fomos sincero amigo, os ex.™* conselheiros João Maria de
Sequeira Pinto, Augusto Henriques Ribeiro de (Carvalho,
actualmente vogal da junta consultiva do ultramar e juiz
do supremo tribunal de justiça, João Caetano da Silva
Campos, Thomaz Nunes da Serra e Moura (de quem falla-
remos quando tratarmos dos arrendamentos de Satar}},
Manuel de Carvalho e Vasconcellos, António Faustino
dos Santos Crespo, João Ferreira Pinto, Luiz Adriano
de Magalhães e Menezes de Lencastre, par do reino e juiz
presidente do tribunal do commercio, Luiz Augusto de
Mancellos Ferraz, e José Ignacio de Abranches Garcia,
actual presidente da Relação de Lisboa, que publicou na
índia o Archiro da Relação de Goa, contendo vários docu-
mentos dos séculos xvii, xviii e xix até á organisação da
nova Relação pelo decreto de 7 de dezembro de i836 — tra-
balho de grande valor, porque subtrahiu á destruição do
tempo importantíssimos subsídios históricos, que ainda
i3() A índia
restam, e estão eloquentemente attestando os actos e as
decisões d^essa longa seria de julgadores, que desde o prin-
cipio da conquista até os nossos dias acompanharam sem-
pre com suas luzes e pareceres, tanto na mesa da Relação,
como no conselho do despacho, o governo do Estado da
índia.
A cidade de Pangim, conforme o recenceamento geral
da população, feito em 17 de fevereiro de 1881, tem i:i85
fogos e 8:478 habitantes, sendo 494 europeus, 5;43i chris-
tãos e 3:047 não christãos, e varias typographias onde se
publicam os seguintes jornaes políticos e litterarios:
Álbum littcrario— Boletim do governo do Estado da ín-
dia— .4 Civil isação — O Correio de Goa — O Correio da
índia — .4 Crii\ — Echo popular — A Ga-eta de Goa — A Im-
prensa— Instituto de Vasco da Gama — Jornal das Novas
Conquistas — Jornal da pharmacia, chimica e historia natu-
ral medica— Nova Goa — A Verdade.
i
CAPITULO IV
Uma excursão a Neurá — Salinas — convento do Pilar — Frades capu-
chinhos— Agricultura indiana — Communidades agricolas— Igreja de
Mandur — Cruz dos Milagres — Pelourinho novo — Igreja de S. Cae-
tano— Porta de Nossa Senhora da Serra — D.Vasco da Gama^
Ruinas do convento de S. Domingos — Igreja de S. Thomé — Rui-
nas do convento do Carmo — Ruinas do collegio de S. Paulo — Ca-
pella e poço de S. Francisco Xavier — Castello de Benastary— Bom-
barda— Igreja de Santa Luzia — Convento da Madre de Deus —
Porta de S. Braz — Ilha de Combarjua — Ambó ou Mangueira^ Casa
da administração —Coqueiro — Palmar — Palmeira á sura — Zantró —
Ganicará — Pagodes de Marcella — Arrozaes — Zandoló — Convento
de Nossa Senhora do Cabo — Praia de Carazalem — Forte de Gas-
par Dias — Forte dos Reis Magos — Praça de Aguada — Igreja de S.
Lourenço — Praça de Mormugão — Porta do Campo de Mormugão — •
Barra de Mormugão.
uando davam sete horas do
dia 29 de janeiro de i863 par-
timos de Nova Goa, na com-
panhia do administrador do
concelho das Ilhas em direc-
ção á aldeia de Neurá, com
o fim de examinarmos uns ter-
renos do esteiro de Cantrá re-
centemente aforados, sobre
que havia denuncias e recla-
mações por parte dos habitan-
tes desta povoação.
Atravessámos os campos, que se estendem entre Pangim
e as Mercês, limitados a leste pela alagoa de Maromb3'-o-
Pequeno. Esta alagoa serve durante a quadra estival de re-
servatório de agua com que se alimenta a cultura do arroz
,3S -■^ índia
de vangana, e de viveiro a centenares de patos, que ali se
criam e nutrem até ao mez de maio, em que íica inteira-
mente sêcca-, sendo então lavrada e semeada de arroz se-
rôdio, que as aguas da quadra pluviosa criam e desenvol-
vem.
Depois de passar a alagoa, começámos a subir o outeiro
de Morda, cujo plan"alto é formado de rocha lateritica e in-
teiramente desarborisado.
Transposto o outeiro, encontrámos na base oriental, onde
começam os campos de Batim, o bairro dos pescadores e
piladeiras de arroz da freguezia de Curca, que conta 58o
habitantes. Em seguida atravessámos em duas pequenas
canoas ligadas uma á outra, o esteiro de Juary. A maior
parte dos campos de Batim estão reduzidos a marinhas de
sal, sendo estas consideradas as mais importantes das Ilhas,
quer pela extensão, quer pela quantidade e qualidade do sal
que produzem.
O sal, mithá, é um dos productos agrícolas mais impor-
tantes do Estado da índia. Segundo os dados officiaes,
existem na índia portugueza 499 salinas, mi íhã-a goros, nas
quaes se empregam mais de 2:000 indígenas. A producção
ordinária d"estas salinas attinge annualmente 3oo:ooo can-
ais de mão, ou 47.886:000 litros.
0 preço médio do sal é de 20 xeratins ou francos, por
cumbo, e de 3o a 60 o sal produzido nas A'elhas Conquis-
tas. A maior parte d"este sal é exportado por mar e por
terra para a índia ingleza.
Dos nove concelhos em que está dividido o território de
Goa, só quatro produzem sal, e são os concelhos das Ilhas,
Bardez, Salcete e Pernem.
As ilhas contam 170 salinas ou marinhas;, Bardez, 73-,
Salcete, 234, e Pernem, 22'.
1 A tiscalisação das rendas do sal e abkari é regulada actualmente
pelo tratado anglo-portuguez de 26 de dezembro de 1878, que foi con- j
firmado pelo decreto de 2 de agosto de 1882. \
PORTLGUEZA
'39
Havendo passado á direita da capella de Santo António,
c atravessando uma das principaes ruas de Goa l 'elha, pri-
mitiva cidade gentilica, hoje aldeia de 2:oo5 habitantes, de
fundação anterior á Velha cidade de Goa, ou do Hidal-Kan,
começámos a subir a pé o outeiro, em que assenta a igrejJ
e convento da .Aladre de Deus do Pilar, situado num dos
pontos mais pittorescos da ilha Tissuary, e fundado pelo
arcebispo D. Chrystovao Lopes, que lhe' lançou a primeira
pedra no dia 17 de julho de 161 3.
Como víssemos aberta a porta da igreja entrámos, e
passámos ao convento. Aqui se nos depararam quatro fra-
des e um leigo, vestidos com os hábitos roxos da ordem
dos capuchinhos, a que pertenceram antes da extinccao dos
conventos de Goa em i835. Estes frades, depois de extin-
ctas as ordens religiosas, pediram e obtiveram licença do
governo para os deixar viver naquelle retirado convento,
até que Deus fosse servido chamal-os á sua divina pre-
sença.
O primeiro que nos appareceu, foi o leigo, e conduziu-
nos a uma grande sala, onde se achavam os quatro frades
sentados a uma mesa rectangular. Um d"elles escrevia, e
os outros tinham livros diante de si em que estavam lendo
attentamente. Logo que nos approximámos d"elles, pozeram
de parte o trabalho, levantaram-se, e comprimentaram-nos
com atíltbilidade e cortezia monástica.
Feitos os comprimentos, pedimos licença para ver o con-
vento, ao que de bom grado accederam, dignando-se o
mais idoso e graduado mostrar-nos o que desejávamos ver,
e instruir-nos acerca da fundação do comento, e da vida
que estes cinco homens ali passavam.
«O nosso viver n"este retiro, disse-nos o nosso infor-
mador, continuou sempre, como era antes da extincção
das ordens monásticas. Depois dos nossos exercícios reli-
giosos occupámos o resto do dia em estudar agricultura
theorica, visto não podermos exercel-a praticamente como
outrora fazíamos, porque já nos não pertencem esses ex-
140
A TNDIA
tensos palmares que se avistam d'esta janella, e que os |
frades crearam e desenvolveram em roda dos com^entos |
que fundaram! Permittam-me que lhes diga, que foi um j
grande erro politico a extincção das ordens religiosas nos j
domínios do Ultramar. Quem fez essa enorme cidade de j
Goa, que para ali se vê inteiramente abandonada? Foram 1
os frades, e frades e missionários foram também os que mo-
ralisaram e converteram ao christianismo estes povos, os l
que lhes ensinaram artes e officios, e os que dirigiram a :
construcção de todas essas fortalezas e praças de guerra, \
que se encontram por todo o Oriente com o brazão dos ]
reis de Portugal.
«Nós, os frades, preferimos sempre a agricultura, como
entretenimento e recreação aprazível, a qualquer outro tra-
balho manual ou industria, por ser a mais antiga das ar-
tes sociaes. A agricultura, como sabem, tem direito a as-
pirar a uma origem coeva da creação do mundo, pois que ]
ella começou a ser exercida no bíblico paraizo terreal, ■.
quando o primeiro homem possuia ainda o thesouro da \
sua primitiva innocencia. O Omnipotente, coUocando o \
homem n'este delicioso jardim com o preceito de o culti- i
var e guardar, não lhe impoz um encargo de penoso traba-
lho-, pelo contrario, proporcionou-lhe occupação plácida, e, l
ao mesmo tempo, deleitoso recreio e occasião de admirar, j
nas producções da terra, a sabedoria e illimitada liberali- j
dade do seu auctor.
«Quando, porém, o peccado de Adão veiu perturbar esta
ordem admirável, e que, alem dos males trazidos á alma,
condemnou o homem a comer o pão com o suor do seu
rosto, o Todo Poderoso transformou-lhe o entretenimento e
recreação aprazível em severo castigo, sujeitando-o a uma
serie de trabalhos, que não lhe teriam cabido em sorte, se
elle tivesse porventura permanecido estranho ao mal mo-
ral. A terra, como que conspirando-se também contra elle,
em castigo da sua própria rebellião contra Deus, produzia
espinhos e abrolhos \ de modo que exigia vigorosos esforços,
PORTLGUHZA
141
para que o homem lhe restaurasse a fertilidade, e tirasse
d"ella o tributo de suas producções, de que a ingratidão o
tornara indigno. Mas não obstante a dificuldade da sua
pratica, a agricultura tornou-se desde logo eminentemente
vantajosa e indipensavel aos homens, e o principal e mais
seguro sustentáculo da faniilia humana.
«Os senhores desculpam por
certo que eu lhes tome assim o
tempo com estes desabafos de
solitário, mas quem vive isolado
como nós, se um dia tem a ven-
tura de encontrar pessoas que
o attendam, chega a tornar-se
enfadonho.
— Não, senhor; a sua conver-
sação interessa-nos demasiado
para que enfade.
— Pois então conversemos so-
bre a nossa agricultura indiana.
«Assim como os povos nó-
madas se aggregaram em so-
ciedades, para mutuamente se
auxiliarem, e hoje essas socie-
dades se chamam nações; do
mesmo modo os primeiros habi-
tantes d"esta parte do Concão
que constitue o Estado da hi-
dia portugueza, se congregaram
em diversas sociedades, até certo ponto independentes umas
das outras, designadas Gaumponas ou communidades agrí-
colas, com o fim de disporem o terreno de maneira a
fornecer-lhes mais abundante subsistência, e com menos es-
forços do que teriam de empregar no Ganará, d"onde eram
oriundos.
«Segundo a tradição, estes agricultores, como não pos-
suíssem no solo da pátria boas terras para agricultar, vie-
^yr
^n
PILADEIRA DE CLRCA
142
A ÍNDIA
ram attrahidos pela belleza c fcracidade do terreno do
Concão, empregar n"elle a sua actividade, e, como refere
um antigo adagio d'estes povos: in'ea^ear-se nas frescas
sombras de Goe-moat (Goa, que signitica terra fresca c
fértil) e gosar da doçura do seu bétel».
«Da maneira como primeiramente se organisaram as com-
munidades agrícolas de Goa, nada sabemos. A uma tal
distancia, os indivíduos confundem-se nas famílias, as fa- j
milias nas raças, as raças na nação, e a nação nos princí-
pios da humanidade.
«O que sabemos é que os primeiros povoadores de Goa,
ou pelo menos aquelles de que temos memoria, se dividiram
em famílias chamadas rangeres, e que estes vangôres fo-
ram classificados conforme a importância dos elementos de
producção por elles prestados a favor da communidade,
em 1°, 2" e 3° vangôr, e assim por diante.
«Depois dividiram o território em málos ou províncias,
gãos ou aldeias; e um certo numero de vangôres formaram
uma gaumpona ou communidade. As aldeias, ou novas so-
ciedades agrícolas, tinham o seu regimen especial interno,
e achavam-se ao mesmo tempo confederadas, sendo cada
uma d'ellas representada por um vangôr nas deliberações de
commum interesse, que era discutido n'um corpo central
chamado Gaumpón ou camará agraria, que demorava na
capital da província, e onde se reuniam, e ainda hoje reú-
nem os principaes gãocares, representantes de cada aldeia.
Cada vangôr tinha e ainda tem um voto nas deliberações
da camará agraria ou geral.
«As gãocarias, ou communidades das aldeias, dividiram-
se em vaddós ou bairros-, e os terrenos de cada vaddó, em
solo de prímeira e segunda qualidade. Das terras de pri-
meira qualidade —terras próprias para os arrozaes— des-
tinaram uma parte para o seu producto ser applicado ao
culto religioso e manutenção da administração; outra, maior,
foi reservada para conservação e progresso da sociedade; e
finalmente, a terceira com a designação de nellis e namoxins,
PORTUGUEZA ]_.3
foi destinada para sustentação dos servidores da communi-
dade.
«As terras de segunda qualidade ou moradas, terras des-
tinadas á cultura dos coqueiros (côciis nucifera), man-
gueiras (mangifcra indica), cajueiros (auacardiíim), are-
queiras (areca catechi), e outras arvores fructiferas; para
o culti\o do nachinim (dolichos bi/Ionisj, urida íphaseolus
max), pacol ípauicum ctaliciim), tor}- ícajamis indicusj, cu-
lita (dolichos iiniflonis,, tamarindeiro (tamarindus indicaj,
etc, foram igualmente divididos em três partes. Uma com
o íim de ser o seu rendimento applicado á construcçíío e
conservação dos pagodes, e, mais tarde, dos templos chris
tãos nas \'elhas Conquistas, e á sustentação dos indivíduos
encarregados do culto; outra parte á construcção e con-
servação das estradas publicas; e, finalmente, a terceira,
subdiviram-na em aforamentos : uns com o foro de cotubaua
ou permanente; outros, com o foro de seristó ou da conta-
gen-i das arvores fructiferas; e os terceiros com o foro de
alndração, ou avaliação annual dos productos do nachinim,
culita, pacôl e outros cereaes e legumes.
«Feita a divisão das terras de cada communidade, os gão-
cares ou senhores d"ellas ajustaram cultivadores denomina-
dos cidacharins e jonoeiros, para as cultivarem, e diversos
servidores artífices, para exercerem os differentes mesteres
agrícolas e domésticos.
«Estes cultivadores e artitices pertencem ás castas infe-
riores da sociedade hindu.
«Os primeiros gãocares tiveram de indagar os meios ad-
quados a progredir com mais vantagem. Estas indagações
fizeram, naturalmente, inventar diversas industrias, condu-
centes á construcção dos instrumentos precisos para os
usos da agricultura. Por seu turno, as industrias produzi-
ram o commercio, e o commercio multiplicou os diversos
interesses dos membros da communidade. Os mesmos gão-
cares crearamjo/zos efateosins, tangas, arequeiras e meigas,
que são espécies de acç(5es, cujo numero é inalterável. Es-
A índia
144 A ÍNDIA
tas rendas variam, segundo os primitivos estatutos. Esta-
beleceram impostos, contribuições, exclusivos, e fizeram a
tombação das propriedades. Similhantemente estabeleceram
entre si o mandavolf, ou regras fixas para o cultivo das
terras em commum, e das particulares-, crearam a policia
rural, a vigia das várzeas e palmares, e, finalmente, funda- ii
ram a instrucção publica, e as funcções dos colonos e dos \
servidores. Estes variados assumptos careciam todos de
ser regulados-, e d'este modo a agricultura occasionou a
promulgação de grande numero de leis peculiares sobre a
gerência económica de cada uma das communidades em
especial, assim como de todas as aldeias em geral, no que
dizia respeito á administração criminal e civil, conforme os
interesses moraes e materiaes d^esta grande e singular so-
ciedade agrícola do Concão.
«Eis aqui, muito em resumo, como foram ha longos sécu-
los, e ainda hoje estão organisadas as nossas communidades
agrícolas. Se quizerem mais larga noticia sobre ellas pode-
rão consultar o Bosquejo histórico das communidades, publi-
cado em i852 por F. Nery Xavier, e a Histovf of British
índia, de James Mil.»
«E ao corajoso esforço e constante trabalho empregado
pelo brahmane desde a Kali-yuga, idade do ferro ou da
miséria, que se deve a maravilhosa organisaçao das com-
munidades agrícolas mdianas. A terra abandonada e incul-
ta, diz o brahmane sacerdote, é um logar de maldição e
horror; sendo, porém, cuidadosamente tratada desata-se
em fructos e alegrias para o homem. Prestamos, portanto, í
honra e homenagem á santa divindade agrícola, Laximiny, (
que nos nutre, não estando nunca ociosos e praticando sem- í
pre boas obras. Quem lança á terra sementes bem desen- j
volvidas e fortes é tão grande como se fizesse dez mil. i,
sacrificios á divindade. >'
«Estas respeitáveis associações agrícolas bem podem um j
dia ser riscadas do livro da existência social, mas quem tal |
fizer, em breve se arrependerá de sua imprudência. N'estas(
PORTUGUEZA
145
sociedades ha a censurar unicamente os maus administra-
dores'.
«Todavia, apesar de uma tão famosa organisaçao agricola,
ainda se lastima hoje a grandeza do deficii entre a produc-
ção e o consumo do arroz no Estado da índia. Parece-nos
que a agricultura desta importante parte do Concao, longe
CONVENTO DO PILAR
de se ter desenvolvido com a conquista deste território
pelos portuguezes, permaneceu estacionaria durante dois
séculos e meio, sob o dominio da rotina. Acha-se ainda
' Por decreto de 1 5 de setembro de 1880 foi reorganisada a adminis-
tração d"estas sociedades agrícolas, introduzindo-se na sua legislação to-
dos os principies liberaes compatíveis com as condições especiaes do
paiz e com a segurança dos créditos d'ellas.
140
A INbl.V
como que envolvida nas taxas da infância, apesar dos cui-
dados que lhe foram dedicados pelos frades, e principal-
mente pelos jesuítas —um dos quaes chegou a escrever
uma Arte de cultivar o coqueiro—, e a despeito ainda do
impulso que o marquez de Pombal lhe deu em 1771 e em
1—6, com a creação da intendência de agricultura e outras
providencias, taes como a isenção de dizimos, durante dez
annos, para as novas culturas, e a creação de uma junta
de agricultura, composta do governador geral do Estado,
chanceller, secretario do governo, intendente de agricul-
tura, e de um lavrador de cada comarca e província, pro-
videncias estas, que vigoraram até 1834. Entretanto, é m-
negavel que a cultura do arroz e do coco tem augmentado
n^e^stes últimos tempos, posto que ainda seja insufficiente
para assegurar a alimentação dos 444:000 habitantes de
toda a índia portugueza.»
Concluída a interessante narração, retirámo-nos signiíi-
cando ao reverendo e virtuoso fr. Cyrillo, o mais cordial
testemunho da nossa gratidão, pelas benevolentes e gene-
rosas attenções com que se dignou receber-nos.
' De três elementos se compunha o império ecclesiastico
na índia Portugueza: arcebispos e bispos com seu clero
secular-, frades ou clero regular-, e inquisição.
As ordens monásticas distinguiram-se pelas suas luzes
no meio da tenebrosa ignorância da epocha em que tiveram
origem, prestaram á nossa índia, como ao mundo, extraor-
dinários serviços-, mas, trahindo a santidade da sua missão,
trocando a singeleza da vida e a paz da consciência, que
as distinguiram, pelas intrigas da politica e pela ambição
de riquezas e do poder, converteram os mosteiros, outr ora
melancólicos logares de isolamento e de paz, em focos de
corrupção.
Pervertido o espirito dos conventos, que tinha sido a
principio altamente civilisador, e estabelecida a intolerância
dos catholicos para com os heréticos e idolatras mais abas-
tados, guerreados a todo o transe pelo tribunal da inquisi- j
•ORTUGUEZA 14-
çáo, tristemente celebrado na historia de Goa', pela sua
longa serie de infâmias e de crimes, resultou d'aqui o pri-
meiro passo para a manifesta decadência do glorioso impé-
rio luso-indiano, que, com espanto do mundo, dominava
uma extensão de 4:000 léguas, e hoje está reduzido ao
pequeno districto administrativo, cuja capital é Pangim ou
Nova Goa!
Contra estes males sociaes. só muito tarde c quando já
eram incuráveis (por haverem os maiores capitalistas fugido
para a índia ingleza) se procurou dar remédio com a carta
regia de i5 de janeiro de 1774, que garantiu aos habitantes
não catholicos os seus usos e costumes religiosos e civis.
Com relação ao gentio das Novas Conquistas, Damão e
Diu foram esses usos e costumes mandados coditicar, como
já dissemos, emi85i, e o respectivo código posto em vigor
por portaria provincial de 14 de outubro de i853 e porta-
ria regia de 4 de dezembro de i865, decreto de 18 de no-
vembro de 1869, e finalmente, por decreto de lò de dezem-
bro de 1880, que trata não só da consicieração devida a
mulher hindu, mas também de outros as'sumptos concer-
nentes á vida social do gentio das Novas Conquistas.
Filippe Ncry. — O sr. Filippe Ner}' Xavier, auctor do Bos-
quejo histórico das coinmunidades e de muitos outros im-
portantes trabalhos que publicou, era um dos filhos do paiz
que mais conhecia as cousas da nossa índia; tinha sobre-
tudo uma inexcedivel dedicação pelo estudo, ao qual con-
sagrava extremado amor. Reconhecendo em nós um fiel
companheiro de trabalho, não só se promptificou, e sempre
da melhor vontade, em fornecer-nos os livros e esclareci-
mentos de que carecíamos, para auxilio dos nossos estudos.
• Narração da Inquisição de Goa, escripta em francez por mr. Del-
lon; em inglez por Cláudio Buchanan; vertida em portuguez e acres-
centada com vários documentos pelo sr. Miguel Vicente de Abreu, ofli-
cial da secretaria do governo geral, e um dos filhos de Goa mais prestadio
e dedicado á litteratura da sua pátria.
148 A índia
mas nos dedicou uma amisade tão sincera e generosa,
que jamais o nosso coração a olvidará.
Filippe Nery Xavier, de saudosa memoria, natural da
freguezia de S. Salvador de Loutolim da província de Sal-
cete, director da imprensa nacional de Nova Goa desde o
1° de maio de i85i, official maior graduado (e mais tarde
eíFectivo) da secretaria do governo geral do Estado da ín-
dia pelo seguinte honroso e bem merecido decreto:
«Tendo em consideração os valiosos serviços que o official e chefe
da primeira secção da secretaria do governo geral do Estado da índia,
Filippe Nery Xavier, tem prestado por espaço de mais de vinte e seis
annos, assim no pontual desempenho das obrigações a seu cargo, como
nos trabalhos litterarios a que se ha dedicado com laborioso estudo e
incansável zelo, e que tem publicado com summo proveito da historia
d'aquelle paiz, da sua administração e dos interesses da fazenda publi-
ca, como tudo me tem sido patente pelas informações do actual gover-
nador geral do referido Estado e do seu antecessor: hei por bem fazer
mercê ao mencionado Filippe Nery Xavier, da graduação de official
maior da secretaria do governo geral do Estado da índia, reservando-
me para opportunamente lhe dar outro algum testemunho do apreço
em que tenho a sua dedicação pelo bem do serviço publico. O minis-
tro e secretario d'estado dos negócios da marinha c ultramar o tenha as-
sim entendido e faça executar.— Paço, aos 2 de abril de i852.=Rainha =
António Alitipo Jervis dWtoiíguia.»
Não podíamos, pois, escrever acerca das cousas da nossa
índia, sem citar especialmente o nome deste benemérito
cidadão, de queni oíTerecemos o retrato, copia de uma pho-
tographia.
Do convento do Pilar passámos e examinar os terrenos
marginaes do canal de Mariamorim, seguindo depois para
o canal de Cantvá, que termina n'um palmar do sr. D. An-
tónio de Carcomo Lobo. Sobre estes terrenos versava a
controvérsia que, como árbitros do governo, devíamos re-
solver em favor de quem direito tivesse.
Logo que terminámos o trabalho official, dirigimo-nos á
casa parochial da freguezia de Mandur. Ali desenhámos a
bellissima fachada da igreja de Nossa Senhora do Amparo,
situada na pequena ilha de Dongrim, e que um particular
PORTUGUEZA
I4Q
mandou construir em 1710, quando a freguezia contava
14:000 christãos e 6:000 gentios. Esta igreja foi construída
sob o titulo de curato ou capella annexa á igreja de Azos-
sim, sendo por alvará doi.° de fevereiro de 1717 elevada á
categoria de igreja parochial. A freguezia de Mandur tem
actualmente 2:892 habitantes, sendo i:332 christãos e i:56o
não christãos.
nUPPE SERY XAVIER
A cidade de ^'elha Goa, onde voltámos pela segunda vez
com o fim de visitarmos as ruinas, foi construída na aldeia
Ellá da ilha de Tissuar}- por ^Nlelíque Ussen em 1479. con-
quistada por Affonso de Albuquerque, que a erigiu em ca-
pital dos domínios orientaes portuguezes, em i5io, e de-
clarada reguengo da coroa em i5i8.
A TXDTA
D esta formosíssima e opulenta cidade, que a influencia
e energia dos nossos antepassados elevaram ao maior grau
de prosperidade no meiado do xvi século, e dos conventos
pertencentes ás ordens de S. Francisco da Cidade, S. Do-
mingos, Reformacios de S. Francisco, Santo Agostinho,
S. Caetano, S. João de Deus, S. Filippe Nery e Carmeli:
lana, restavam em i863 os edifícios que mostra o desenho
intitulado Panorama de Goa, com a numeração seguinte-
I Daugim.
20
1 Igreja parochial de Santa Luzia.
3 Igreja e casa de Nossa Senhora.
21
do Monte.
22
4 Hospital de S. Lazaro (ruinas).
23
3 Igreja parochial de S. Thomé
■^4
(ruinas).
2 5
r. Ruinas da igreja e collegio de
S. Paulo.
2(1
7 Ruinas do convento dos Car-
melitas.
27
S Ruinas do convento de S. Do-
28
mingos.
29
() Forca.
3o
lo Ruinas da alfandega.
3i
1 1 Igreja e convento de S. (>ae-
32
tano.
12 Arco da Conceição.
33
i3 Ruinas do palácio dos vice-
34
reis.
35
14 Cães e arco dos vice-reis.
36
1 5 Ruinas do senado.
37
iTi Ruinas do cárcere.
3S
17 Ruinas da inquisição.
3.)
iS Sé primacial e palácio do ar-
40
cebispo.
•+'
H) Igreja e convento de S. Fran-
42
cisco.
. 43
Três igrejas e casas da mise-
ricórdia.
Açougue.
Pelourinho.
Bazar.
Ruinas do hospital da cidade.
Ruinas da igreja parochial da
Trindade.
Ruinas da igreja e convenit)
da Cruz dos Milagres.
Ruinas do priorado da Luz.
Igreja e casa do Bom .lesus.
Convento de S. João de Deus.
Collegio do Populo (ruinas).
Fonte de Banguenim.
Ruinas do convento de San-
to Agostinho.
Capella de Santo António.
Ruinas do collegio de S. Roque.
Mosteiro de Santa Mónica.
Ruinas do priorado do Rosário.
Capella de Santa Catharina.
Ruinas do Aljube.
Ruinas do grande hospital.
Arsenal.
Collegio de S. Boaventura.
Forca de Tipeti.
Pvramide ííeodesica.
D"estes edifícios existem actualmente dez, ou talvez menos,
sendo a pedra de todos os outros vendida por conta da la-
zenda publica aos particulares.
PORTA DE NOSSA SENHORA DA SERRA
PORTUGUEZA T?!
A gentilissima princeza do Mandovy, a oriental Lisboa,
que foi nos tempos da nossa passada, grandeza na Ásia, o
empório commercial de toda a costa occidental da índia,
achava-se em 1870 no estado em que primorosamente a
descreve o ex/™ sr. conselheiro Thomaz Ribeiro, nosso
companheiro de trabalhos na índia, nos formosos versí)s
i.]uc, com a devida \'enia, aqui transcrevemos:
A VELHA GOA
Eis a cidade morta, a solitária Goa I
Seis templos alvejando entre um palmar enorme !
Kis o Mandovy — Tejo, a oriental Lisboa!
onde em jazigo régio immensa gloria dorme.
Torres da cathedral, que lúgubres sonidos
manda o sonoro bronze aos eccos da floresta .-
c a coma da palmeira a mudular gemidos,
como se um funeral passasse em torno á festa I
O' musicas, tangei ! retumba, artilheria !
O' multidão, acclama o viso-rei que passa !
t>ae, flor do tamarindo! a rua é tão sombria I . . .
Cajueiro, deixa ao sol que inunde a immensa praça !
Que fazes tu de pé, arco das grandes eras?
Que te sustem no ar, abobada que scismasr!
Passaram para nós as flóreas primaveras,
as musicas da gloria, a luz dos áureos prismas.
Pórtico arrendilhado, orgulho da espessura,
tão nobre, velho e nú. . . cobri-o trepadeiras!
deixae-vos afundir no oceano de verdura
que sobe, cresce e abvsma as grimpas derradeiras.
Jaz em tristeza immersa a tétrica cidade !
O turbilhão dourado, o estrondear da festa,
cnvolve-os em seu crepe a mistica saudade,
e abvsma-os no mysterio a pávida floresta.
l52 A índia
Gentio triste e nú, que paras e que pasmas
de ver pisar sem bulha as virides alfombras :
a gala na soidão é trilho de phantasmas —
a festa n'um deserto é voltejar de sombras.
Nós somos do passado a timida memoria,
buscando os seus avós no palmeiral funéreo
que apenas sobre-doira um ténue albor de gloria,
como de fátua luz se esmalta um cemitério.
D'aqui a pouco, á noite hão de entoar os ventos
na sonorosa palma um cântico plangente ;
e projectar-se ao largo as sombras dos moimentos
ao pallido clarão da lâmpada doente.
Tigres d'ardente olhar, serpes de grenha hirsuta,
darão á sacra selva, em seu voltear medonho,
scenas d'immenso horror ! sons de selvagem luta !
vertigem vista á luz phantastica d"um sonho !
Rajás de Bisnagar, a vossa Goa é nada!
Filhos de Siva-Rai, é sombra o vosso império !
a flor do Mandovy cae, murcha e desfolhada !
a filha d'um jardim tapiza um cemitério !
Memorias! . . . Nada mais, sombrios monumentos?
Saudades?. . . Oh, não basta, homéricos vestígios!
Remorsos?. . . mas são vis e estéreis os lamentos!
Esperança.! — eis o segredo, a vara dos prodígios!
A esperança é fonte e sol, — manancial e origem;
Deus sabe quando finda a serie dos tormentos;
nem sempre a serração e a livida vertigem !
Esperae por honra nossa, altivos monumentos !
Nomes que tanto ergueu a tuba, a lira, a historia,
Pachecos, Albuquerques, Almeidas, Gamas, Castros,
Lorena, Alorna, Mello e tanta e tanta gloria,
devem erguer-se á luz de mais propícios astros ! —
Mas se o formoso sol que a minha mente sonha,
não rompe a serração nem calma adversos ventos;
roubando-nos á luz poupae-nos á vergonha!
Caide sobre nós, heróicos monumentos.
Pangim, 7 de maio de 1870. Thomaz Ribeiro.
PORTUGUEZA
l53
Na manhã do dia immediato áquelle em que saímos de
Mandur para a velha cidade de Goa, desenhámos as ruinas
da Igreja da Cruz dos Milagres; mas só depois do sol fa-
zer evaporar o orvalho, porque, antes d'essa hora corre o
risco quem transitar pelas desertas ruas da cidade, de ficar
com os pés e as pernas molhadas até aos "joelhos, de que
slSA^
^1 ~
IGREJA DE MANDUR
jquasi sempre resultam febres intermittentes difficeis de
icombater.
I us .erviços que o orvalho presta á agricultura, são tão
particularmente considerados pela astronomia indiana, que
-sta dedica-lhe uma das suas seis estacões do anno É a
quinta; chama-se Hemauta, e corresponde aos nossos me-
(54 ■' ^''^'■'
zes de dezembro e janeiro, ou antes ao intervallo que de-
corre desde os fins do mez cartko, novembro, até aos prin-
cípios de mago, fevereiro. 1 I
Cru- dos Milaores.—Estii igreja teve por origem uma ca- | ^
pella dedicada á Cruz dos Milagres, mandada construir de- jj
pois de 23 de fevereiro de i(5iq, dia em que, segundo a -
tradição, teve logar, no monte da BoaMsta, a appariçcão da
imagem de Christo crucificado, em virtude do que ao monte
se fincou depois cliamando da Cruz dos Milagres.
Mais tarde foi esta capella demolida, por ser pequena, e
no' mesmo local construída uma igreja de mais amplas di-
mensões, que abateu em 8 de agosto de ibóg. _ ; |
Fm -^3 de fevereiro de 1671, sendo provincial fr. Agosti- 1 i
nho dos Reis, foram, á sua custa e das esmolas dos fieis, i .1
lançados os fundamentos, e concluída a igreja da Cruz dos .;
Milagres, instituindo-se por essa occasiao a congregação do i
oratório. 1
Com a extinccão das ordens religiosas, foi também ex-, ;
tincta esta congregação denominada, naquella epocha, dos
Padres da congre^-acão da cnr, dos Milagres, sendo a mi-
lagrosa cruz, que ali se achava, transferida solemnemente
no dia 3 de maio de 1845 para a sé primacial, por ordem
do ex '"" conselheiro José Ferreira Pestana, governador geral
do Estado, e collocada então na capella do sepulchro, fron
teira á do Santíssimo, onde actualmente se venera. ^
Da Cruz dos Milagres passámos a desenhar o Pelounnhc
Novo, as ruínas do^ palácio da Inquisição, a Igreja de b
Caetano, a porta de Nossa Senhora da Serra, as rumas d(
S Domingos, do convento do Carmo, de S.Thomé, de S
Paulo-, a capella e poço de S. Francisco Xavier, o forte d<
Benastarv, a Bombarda, a Igreja de Nossa Senhora d(
Monte, as ruínas do convento da Madre de Deus, e ;
Igreja de Santa Luzia. ; 1
^ Pelourinho.- O Pelourinho Novo acha-se situado na bas 1
septentrlonal do monte da Cruz dos Milagres, no centro d ]
uma pequena praça, donde partem três amplas ruas, toda, 1
i
i
^
PORTÍT.fFT: A
calçadas de pedra. É de granito pardo, e está hoje arrui-
nado, como mostra o desenho.
Os edifícios religiosos, civis e militares do Estado da
índia são todos construídos de lateritica, espécie de rocha
conglomerada trachytica ou vermelhido, que ali predomina.
Entre as igrejas e conventos de Goa acham-se algumas
construcções de granito, mas muito raras. O frontispício
das famosas igrejas do Bom Jesus, de Santo Agostinho, de
: S. Paulo, do Carmo e de S. Domingos, são de granito,
bem como o arco dos více-reis. Esta pedra, diz a tradi-
ção, foi trazida do norte do Concão para Goa. Todas as
demais edificações, tanto christãs como gentílicas, são con-
I struídas de conglomerada trachytica de cor arroxada, re-
! vestida de cimento bítuminoso e branqueadas com cal de
ostras.
As variedades de rochas, que se encontram no Estado
da índia são classificadas empiricamente pelos indígenas
• do seguinte modo :
1 i." Factór-gorachó-durgachó (pedra de construcção de
I casas, muros, etc), rochas conglomeradas, grés, quartzo,
laterifica, etc;
2.° Pachan (pedra aggregada escurai, rochas feldspathi-
cas, granito pardo;
j 3.° Cupator (pedra branca), rochas graníticas e talcosas,
Igraníto branco, calcareas, calcareo ferrífero;
! 4.° Locondachó-factór (pedra de ferro), rochas com base
ide oxydo de ferro, e hydratos de peroxydo de ferro;
, 5.° Mof-opachan, ou curuii-a (pedra preta moUe), rochas
micaceas, micachistos, macline;
6.° i\íbó)--paclian (pedra preta dura), rochas basalticas^
etc.
I A constituição geológica do território de Goa, a sua for-
mação em planícies arborísadas, a constituição social e os
princípios religiosos dos povos explicam o caracter da ar-
phitectura, tanto no seu estylo, como nos materíaes empre-
itados. Os antigos conventos de Goa são grandiosos, so-
i56 A índia i|l
berbos e de construcção robusta. Os pagodes e outras iji
edificações gentílicas apresentam mais magnificência do que , it
solidez'-, não sendo ainda hoje possível empregar grande .A
numero de operários em trabalhos mecânicos, porque so .-
as castas inferiores do povo Scão dedicadas a este serviço. •.
Vindo do Pelourinho Novo para o antigo largo do Paço, ;,
encontram-se entre a Misericórdia e a Sé as ruinas do pa- . -^
lacio da Inquisição, das quaes ainda se vê parte no primeiro <:
plano do desenho das ruinas da Misericórdia. Este magm- -^
fico palácio formava a fachada oriental do largo da Sé, 4
que por occasião da memorável abertura do tumulo de S. -
Francisco Xavier, em i85q, recebeu nova forma, com o fim ||
de se alargar o caminho por onde tinham de passar os mi- ik
Ihares de devotos, que foram em peregrinação venerar o||
corpo do Apostolo das índias.
De passa-em lembraremos que em 8 de abril de lòòò
foi celebrado um auto de fé, havendo mais sete até ao fim
de dezembro de 1779, e sendo 1:208 as suas victimas.
Por carta regia de i(5 de junho de 1812 foi definitivamente
extincto o pavoroso tribunal da inquisição em Goa, o qual
tendo já sido abolido por carta regia de 10 de fevereiro de
1774, fora novamente organisado em 1779.
O tecto do grande palácio da Inquisição abateu em se-
tembro de 1820.
S. Caetano.— A igreja e convento de S. Caetano da Di-
vina Providencia está situado ao norte do antigo Terreiro |
do Paço. Estes edificios foram fundados em i6òd pelos clé-
rigos regulares da ordem denominada dos Theatmos,^ os
quaes tendo vindo á índia por ordem do papa Urbano VIII,
para pregar a Fé no reino de Golconda, e não tendo podi- 'f
do ali entrar, resolveram residir em Goa.
Os primeiros clérigos da ordem dos theatinos que appare-;
ceram em Goa, forcim D. Pedro Avitabile, superior, D. Fran-
cisco Manco e D. António Maria Ardisone, itahanos. ■
Desde 1640 até 1730 vieram para este convento cincoení;
ta e seis professos e três noviços, todos europeus, doí
PORTUGUEZA
167
quaes trinta e quatro chegaram a Goa, treze falleceram nas
missões, e doze voltaram para a Europa. Não podendo
aquella ordem conseguir que viessem mais religiosos da
Europa, o prefeito D. Carlos José Fidelis, único italiano
que então havia, obteve do seu superior auctorisação para
receber no convento os filhos de Goa, o que foi confirma-
do por el-rei D. José em lyõo.
- — '"iV^,
/-^r^
^5^&i
FORTE DE DONGRIM
Os theatinos, alem do convento principal, tinham um
ospicio em Mallar, freguezia de S. Mathias.
O convento primitivo era pouco amplo, e o noviciado,
tuado em volta do zimbório da igreja, tinha acanhadas.
mensões. Mais tarde foi o noviciado transferido para o
ivimento inferior, e pouco antes da extincção da mencio-
ada ordem construiu-se o edifício, que hoje serve de resi-
íncia aos governadores geraes, quando por dever do car-
|) têem de assistir ás festividades religiosas annualmente
i38 A índia
celebradas em Goa. Foi o ex."'" conde de Torres Novas
quem mandou adaptar o convento para residência tempo-
rária dos governadores do Estado emVellia Goa.
A igreja é ampla e magnificente, sendo a sua construc-
ção modelada pela do grandioso templo de S. Pedro em
Roma.
Debaixo do altar mór está situado o carneiro do conven- '
to, para onde foram trasladados da igreja de Pangim, em
12 de novembro de 1842, os caixões que contêem os restos i
mortaes dos barões de Sabroso e do Candal, governadores |
geraes da índia portugueza'. «
Poria de Nossa Senhora da Serra. — Esta porta, uma das l
quatro da primitiva cidade de Goa, era também conhecida i
pela porta da despedida dos justiçados, por ser ali, na capei- l
linha assente sobre o arco, que se celebrava a ultima missa, i^
a que assistiam os justiçados antes de subirem ao patíbulo, tj
que ainda se vê collocado no palmar contiguo á cerca do i;
convento de S. Caetano. O arco, que representa o nosso \\
desenho, é de granito, e acha-se situado entre palmeiras á ii
esquerda da igreja de S. Caetano e em frente das ruinas dp ji
convento de S. Domingos. ' 1
As outras três portas da cidade eram: a porta da Ribeira, ':'^
a oeste, por onde Affonso de Albuquerque entrou a ferro c
fogo em novembro de i5io^ a do Mandovy ou da alfandc- .' ;
ga, na extremidade oriental do antigo Terreiro do Paço ; e a ! ^
terceira, a que se achava contigua ao Serralho, depois pa- •' |
lacio da Fortaleza, no sitio da qual, oitenta e nove annos \
mais tarde, se construiu o Arco dos vice-reis, onde se vê a :jj
estatua do descobridor da índia, de quem ofterecemos o rc- i |
^ ♦ í ■
trato a pagina Ò4. ,1
I Modernamente foram também depositados n'aquelle carneiro os ■ ,
restos mortaes dos governadores João Tavares de Almeida e visconde 1 ;
de Sérgio, de onde foram trasladados para Lisboa, bem como os ào.\
barão de Sabroso. '
I
PORTUGUEZA j 3, ,
D. Vasco da Gama, do conselho de sua magestade, ca-
valleiro da ordem de Christo, i .« conde da Vidigueira, al-
mirante do mar e vice-rei da índia, nasceu em 1469. Foram
seus progenitores Estevão da Gama, alcaide mór de Sines
e Silves, commendador do Seixal e vedor da casa do prín-
cipe D. Affonso, e D. Izabel Sodré, filha de João de Rezen-
de, provedor das valias de Santarém.
Antes de ser nomeado vice-rei da índia tinha D. Vasco
da Gama ido por duas vezes ao Oriente. A primeira como
capitão-mór de quatro naus e descobridor da índia, partin-
do de Lisboa em 8 de julho de 1497. Durante a viagem,
depois de vários e arriscados transes, dobrou o cabo Tor-
mentoso ou da Boa Esperança, e discorrendo por Moçam-
bique, Mombaça e Melinde, aportou a Calecut aos 20 de
maio de 1498. Passados dois annos, dois mezes e onze
dias regressou a Lisboa, aonde surgiu em 19 de setembro
de 1499, trazendo 55 homens dos 148 que levara e deixan-
do descobertas mais do que o navegador Bartholomeu Dias,
1:200 léguas, tirando uma recta desde o rio do Infante até
Calecut.
Nomeado almirante dos mares Indicos, partiu pela secun-
da vez para o Oriente em i5o2. N'esta viagem fez guerra
ao rei de Calecut, celebrou tratados de paz e commercio
com o de Cochim e Cananor, fez tributário o de Quitos,
tomou na costa do Malabar a grande nau Mery do sultão
do Cairo, e voltou a Portugal, trazendo o primeiro oiro de
que el-rei D. Manuel mandou fazer uma custodia, que offe-
receu ao real mosteiro de Santa Maria de Belém.
Tendo sido nomeado vice-rei da índia por carta regia
de 25 de fevereiro de 1524, partiu, pela terceira vez, de
Lisboa para a índia em 9 de abril do mesmo anno, com
quatorze navios e 3:ooo homens de peleja.
Chegando a Chaul, no dia 5 de setembro, assumiu o titu-
lo de vice-rei, segundo a ordenança que levava do reino
de o tomar na primeira fortaleza da índia a que chegasse.
Sete dias depois partiu de Chaul para Goa, onde foi rece-
A índia *
ibo ^ '^^"'^^ . í
— -^
bido solemnemente na ausência do seu antecessor D. Duarte \j
de Menezes, que então se achava em Ormuz. ^ ^ ^ '
Dispondo, segundo o seu modo de ver, a administração ;^
da cidade, partiu para Cochim. t
Durante a viagem aportou em Cananor, e deu posse da ^
fortaleza ao capitão que levava comsigo. i
Em seguida partiu para Calecut, mandando participar }
ao rei, que estava no sertão, a sua chegada, e passou a j
Cochim, onde foi recebido com grande pompa e solemm- |
dade devida ao seu alto cargo. De Cochim fez partir as j^
provisões necessárias para Calecut, embarcações ligeiras ^
para bater as dos mouros que tinha encontrado na viagem, •
e uma armada de seis navios para castigar os mouros do ^
Malabar. j r i '
Ordenou a Fernão Gomes de Lemos, capitão da tortale-
za de Ceylão, que a destruísse, conforme as ordens de sua
magestade, e se retirasse, e mandou a Simão Sodré com
quatro embarcações ás ilhas Maldivas, para combater os
mouros que hostilisavam os nossos alliados.
Despachou igualmente a Fernão Martins de Sousa com
um navio e uma fusta para a costa de Melinde.^
Deu ordens para preparar a armada com o íim de man-
dar seu filho D. Estevão da Gama ao mar Roxo, e fez re-
forçar a armada de Jeronymo de Sousa com duas galeotas ||
para estacionar em Calecut. •[
Em novembro, achando-se muito doente, mandou, em |;
presença dos principaes personagens da cidade, lavrar o )
auto, pelo qual foi encarregado Lopo Vaz de Sampaio, ca- jj
pitão da fortaleza da cidade de Santa Cruz de Cochim, ;:
para durante a sua enfermidade physica e em caso de fal- j!
lecimento, exercer as funcções de governador até á chega- jj
da do nomeado nas vias de successão, se porventura esti- h
vesse ausente. ;
A 4 de dezembro chegou a Cochim D. Duarte de Mene- ji
zes, que, fazendo entrega formal da governança a D. Vasco •,.
da Gama, retirou em seguida para Portugal. :,:
H
PORTUGUEZA
i6i
O vice-rei, não podendo resistir ao mal physico, aggra-
vado com os soffrimcntos moraes que sobrevieram á posse
do governo, falleceu a 24 de dezembro de 1.524, e foi se-
pultado no mosteiro de S. Francisco.
Em seguida, abertas as vias de successão achou-se no-
meado D. Henrique de Menezes, capitão da cidade de Goa,
* '^ - -í
PELOURINHO NOVO
a cuja disposição enviou Lopo Vaz de Sampaio cinco navios
e a provisão da sua successão ao governo.
Os restos mortaes de D. Vasco da Gama foram trans-
portados de Cochim para Portugal, e levados para a villa
da Vidigueira, segundo a sua disposição testamentária.
Ali foram depositados na igreja de Nossa Senhora das
Relíquias, do padroado de sua casa.
I02
A ÍNDIA
Jazia o grande almirante na capclla mór do lado da epis-
tola, em uma sepultura onde se lia a seguinte inscripção:
AQVI lAZ O GRAND ARGONAVTA DOM
VASCO DA GAMA PR. CONDE DA VI
DIGVEIRA ALMIRANTE DAS ÍNDIAS
ORIETAIS E SEV FAMOZO DESCOBRID
OR
Os ossos do heroe dos Lusíadas estão actualmente depo-
sitados junto dos do seu cantor na igreja dos Jeronymos,
em Belém, para onde foram solemnemente trasladados no
dia 8 de junho de 1880.
Convento de S. Domingos.— F.m ib4H chegaram a Goa
treze religiosos da ordem de S. Domingos, recommendados
por el-rei D. João III ao governador Garcia de Sá.
Foi o seu prelado fr. Diogo Bernardes, quem deu prin-
cipio ao convento em 3o de abril de i55o, concorrendo
para o acto da fundação o vice-rei D. Alfonso de Noronha
com a quantia de 40:000 cruzados á conta da fazenda,
alem do terreno comprado a Pedro Godinho.
Este convento foi depois ampliado cm i58i, sendo go- |
vernador Fernão Telles, e dotado com parte dos bens dos |
pa^odes por carta regia de 1 1 de fevereiro de i585, contando ^
em 1(33(5 duzentos e cincoenta religiosos. ^ ^ |
Muitos outros conventos, collegios e casas religiosas es- j^
palhadas pela Ásia, Africa e Oceania, filiaes d"aquelk con- j-;
vento, continuaram debaixo da superior administração da |
referida ordem.
Em maio de 1841 abateu parte do convento e a famosa
sachristia-, e desde aquella epocha para cá principiou a van- ^
dalica destruição do edifício, que em 1 8(53 se achava já no j.
estado em que se vê do nosso desenho. íj
No cume do outeiro, em que estão as ruinas do conven- 1
to de S. Domingos, vê-se em perfeito estado de conserva- ji
ção a elegante igreja de Nossa Senhora do Monte.
5. r/zomc'.— Passando o convento de S. Domingos, para ■!
FORlLGLhZA ^^33
leste da cidade, encontram-se, entre denso arvoredo e pal-
meiras, as ruínas da igreja de S.Thomé.
Esta igreja, actualmente em completa ruina, como se vé
do desenho, está situada no campo de S. Lazaro da velha
cidade. Foi mandada construir pelo vice-rei D. Constantino
de Bragança em i5(b, conforme a ordem da rainha D Ca
tharina, para n^ella ser collocado o caixcão, em que se acha-
vam as relíquias do corpo do .apostolo S.Thomé, n^aquellc
tempo depositadas em Meliapor.
A transferencia das referidas relíquias não se realisou
por se opporem a ella os christaos de Meliapor, podendo 1
muito custo os encarregados trazer apenas o pedaço de
um osso do Santo, e um bocado da lança. As restantes re-
líquias passaram a ser guardadas em uma arca marchetada
de prata, e fechada a três chaves, sendo uma guardada
pelo bispo, outra pela municipalidade, e a terceira pelo ca-
pitão da fortaleza de Meliapor.
As relíquias de S. Thomé levadas para esta igreja fo-
ram transferidas, depois que ella se arruinou, para a igreja
de Corhm, e d esta para a igreja parochial de Ribandar,
onde actualmente estão depositadas.
Com>ento do Cc7r;«o.— Para o mesmo lado oriental da ci-
dade acham-se as ruínas da igreja e convento do Carmo
Esta Igreja e convento eram de uma grandeza e magnifi-
cência superior, como se pôde inferir das ruinas, que re-
presenta o desenho. Em virtude da carta regia de 2 de abril
de 1707, mandou-se entregar ao proposto da congregação
do Oratório o convento denominado do Monte de Nossa
Senhora do Carmo, que do mesmo tomou posse em 21 de
dezembro de 1709.
S. Paulo. ~Y>Toximo das ruinas do Carmo encontram-se
as do collegio de S. Paulo.
Em 1541 os padres MigueH-az, vigário geral, e Diogo de
Borba, ambos clérigos seculares, consultando entre si sobre
os meios convenientes para o augmento da christandade
de Goa, assentaram em instituir uma confraria sob a pro-
164 -^ índia
teccão e governo dos homens de maior zelo e poder, tendo
por empreza: perseguir a idolatria e farorecer os novos
christãos. Approvados os estatutos da projectada confraria,
com o titulo de Santa Fé, e obtidos os donativos, deu-se
principio, em 10 de novembro de 1541, ás obras do semi-
nário na rua chamada então a Carreira dos Cavallos. Con-
cluída em menos de seis mezes a construcção da casa e
igreja sob as duas invocações, de Collegio de S. Paulo,
orago da igreja, e Seniinario da Santa Fé, pelo titulo da
confraria, recolheu-se nella o mestre Borba, seu principal
fundador, com sessenta collegiaes, aos quaes governava
como reitor, e doutrinava como mestre. Estando o seminá-
rio n'este estado, chegou a Goa o Apostolo das índias,
S. Francisco Xavier, em 6 de maio de i542', e o reitor, co-
nhecendo nelle especial talento para educar a mocidade,
pediu-lhe instantemente para tomar o governo d'aquelle se-
minário, mas não conseguiu resolvel-o a satisfazer ao seu
pedido. Tendo posteriormente chegado a Goa o padre Paulo
Camerte, o reitor encarregou-o de leccionar grammatica e
da direcção espiritual dos collegiaes. Entretanto S. Fran-
cisco Xavier achava-se na Pescaria, donde voltou a Goa
em janeiro de 1544, trazendo em sua companhia alguns
collegiaes, que foram recebidos no mesmo seminário.
Este collegio, a confraria da Santa Fé e as suas rendas
foram então entregues a S. Francisco Xaxier, que, accei-
tando o encargo, tomou de tudo entrega em nome da nas-
cente companhia de Jesus em Goa, com approvação regia.
Verificada a posse, mandaram-se construir dois edifícios
distinctos. Um com o titulo de Seminário da Santa Fé,
era dividido em duas estancias, sendo uma para cem me-
ninos de differentes nações orientaes, e orphãos, filhos de
portuguezes; e a outra era destinada para estudos superio-
res. Os que mostravam vocação para as letras, e boa Ín-
dole para o sacerdócio, eram passados á segunda estancia,
a fim de se applicarem ali áquelles estudos;, e os ineptos
eram despedidos, ou empregados em algum officio, e pre-
1;
PORTUGUEZA
\C)b
enchidos por outros os seus logares. O outro edifício sob a
denominação de collegio de S. Paulo foi destinado para
habitação dos padres da companhia de Jesus.
Em virtude das recommendações do padre mestre Simão
Rodrigues, S. Francisco Xavier entregou o governo do col-
legio ao padre António Gomes, nomeando coadjutores es-
pirituaes os padres Paulo Camerte,' António Criminal, Ni-
RUINAS DO CONVENTO DE S. DOMINGOS
colau Lancelote e Aífonso C3^priano. Ordenado por este
teor o governo do novo seminário, o Santo Apostola em-
barcou para o Japão.
Achando-se muito arruinada a igreja, foi reedificada, dan-
do-se maior espaço á nova construcção, que começou em
23 de janeiro de i56o, sendo provincial o padre António de
Quadros. Em i58i foram construídos exteriormente, para
i66 A índia
maior segurança da nova igreja, três arcos, por baixo dos
quaes passava a rua da Carreira dos Cavallos, que depois
se ficou chamando rua de S. Paulo dos Arcos. Foi con-
structor destes arcos o jesuíta João de Faria, auctor da
fundição dos caracteres da lingua Tamul, e da impressão
de diversas obras n'aquella lingua.
O edifício de S. Paulo, como outros muitos de "S^elha
Goa, foi demolido entre os annos de 1S29 a i833 para se
edificar com a pedra d"elles os quartéis e diversas casas
particulares da cidade de Nova Goa!
Em 1 863 existia um extenso palmar no logar do edificio, res-
tando deste apenas a parte, que mostra o nosso desenho.
Capdla de S. Francisco Xavier. — Na antiga cerca do
coUegio de S. Paulo existem ainda hoje as ruínas da ca-
pella e poço de S. Francisco Xavier.
Esta capella era a mesma em que, segundo a tradição,
S. Francisco Xavier costumava celebrar o santo sacrificío
da missa e ficar por horas absorto em profunda meditação
até dizer anciado: Não mais. Senhor, não mais; tantas con-
solações l
A respeito d"esta -capella, diz o padre Sousa que fora
construída, conforme a tradição, para perpetuar a recor-
dação do referido Não mais; que era toda pintada em
quadros da vida do Santo, e que todos os annos, em uma
sexta feira da quaresma se dedicava ali a S. Francisco Xa-
vier missa solemne e pregação, a que concorria a principal
nobreza de Goa \ que as noticias escriptas não concordavam
com a referida tradição, sobre a construcção, porque o
padre Manuel Xavier nas suas Breves noticias do Oriente
diz que o mesmo Santo em sua vida a mandara edificar,
e que nella dizia missa, e por isso se conservava com tan-
ta veneração e decência; que bem pôde ser que a mesma
capella fosse uma das ermidas, em que o Santo orava,
quando Deus lhe fez aquelle favor; e que se mudara de-
pois a invocação, concordando doeste modo a tradição cs-
crií^ita com a oral.
1
I
PORTUGUEZA 167
Em iS5(j, pela occasião da exposição de S. Francisco
Xavier, mandou o ex."^° conde de Torres Novas reparar a
capella e desobstruir de mato o caminho, que a ella con-
duz, para facilitar o transito aos devotos, que ali vão co-
lher a miraculosa agua do poço, junto da mesma capella,
como se vê no desenho.
Castello de Benastmy. — No extremo oriental da cidade
de Goa, na margem direita do esteiro que de Combarjua
conduz aTonca, está o castello de Benastar}'.
Depois de conquistado ao Hidal-Kan por Affonso de Al-
buquerque em 2 de abril de i5r2, recebeu este castello o
nome de Fortale:[a de S. Thiago, pelo qual é conhecido
actualmente. Fortaleza mourisca, celebre na historia da
conquista de Goa, está hoje inteiramente abandonada, assim
como a igreja de S. Thiago construída em 1541, restando
apenas as ruinas, que representa o desenho.
Fallando d"esta fortaleza o marquez de Pombal, nas In-
strucções que em nome d"el-rei D. José deu ao governador
e capitão general da índia em 1774, diz o seguinte: «Ha
na fortaleza de S. Thiago dezeseis peças, e uma delias do
género de canhão de disforme grande-ay>. E annotando
este logar, diz o secretario Cláudio Lagrange Monteiro de
Barbuda: «Mas ainda estava assestado em 1889, sobre os
restos de um baluarte desta fortaleza, provavelmente con-
struída pelos mouros, esse canhão de não tão disforme
grandeza, como dizem as Imtrucçóes, e que pelo barão de
Candal foi mandado recolher no arsenal, a fim de ser aqui
inaugurado como trophéu, o que se executou em 1S40. E
verdadeiramente um pedreiro do comprimento de dezeseis
palmos e meio, e de quatorze pollegadas e três linhas de
calibre, construído de ferro e em barras de uma pollegada
de largo, convenientemente reforçadas. Alguns escriptores
lhe dão o nome de mourisca, talvez por ser obra dos mouros» .
Foi no arsenal, que desenhámos este pedreiro ou bom-
barda, nome pelo qual era ali mais conhecido este trophéu,
em 1870.
iG8 A índia :
Sajiía Ln^ia. — No caminho que da cidade conduz a Dau- 1
gim e á ilha de Combarjua, está edificada a igreja da Santa '
Luzia, cuja construcção é anterior ao anno de 1541.
Madre de Deus. — Próximo de Santa Luzia, largando o !
caminho de Combarjua, e tomando para Daugim, irá o vi- '
sitante encontrar, a muito pouca distancia, as ruinas do [
convento da Madre de Deus. ;
Este convento estabelecido pela ordem dos reformados !
de S. Francisco, foi edificado a expensas de D. Gaspar '
de Ornellas, primeiro arcebispo de Goa, em consequência
de uma visão que teve. Em i5()() o illustre arcebispo doou-o,
com auctorisação regia, aos religiosos reformados da Ar- i
rábida, que tinham sido mandados por el-rei D. João III j
em i555, sujeitando-o á custodia do Apostolo S. Thomé. 1
Em 161 2 ajuntaram-se a este convento as casas de Ma- ■
laca e China, e em 1618 o Capitulo Geral de Salamanca i
elevou-o a Custodia da Madre de Deus dos religiosos capu- ,
chinhos na índia, com doze con\entos. Em 1622 foi ainda i
elevado á categoria de província do mesmo titulo, pelos '■
pontífices Gregório XV e Urbano VIII, por bulia de 2q de ■
outubro de ifviy. Tinha este convento uma grandiosa pisei- '
na na margem esquerda do Mandov\', e que está actual- \
mente abandonada. ■
Era n"esta igreja da Madre de Deus de Daugim, que os ;
vice-reis e governadores da índia portugueza tinham por
costume ir todos os sabbados de tarde fazer oração; prati- '
ca esta que durou até ao tempo do vice-rei conde do Rio \
Pardo (18 16). i
O ex."^° arcebispo D. João Chr3'sostomo de Amorim Pes- '
soa ordenou a trasladação para a sé primacial, dos restos ;
mortaes do seu antecessor D. Gaspar de Ornellas, que es- |
tavam depositados n'esta igreja; o que se fez com grande «j
solemnidade e apparato no dia 5 de outubro de 18(34.
De Daugim, onde os vice-reis tinham um palácio, actual-
mente em ruinas, dirigimo-nos á porta de S. Braz, aonde se
acha a tona ou barca de passagem para Combarjua, e atra-
PORTUGUEZA
169
vessámos o canal, que separa esta ilha da de Goa, por nor-
deste.
Tomámos a direcção da casa da administração, que es-
tanceia ao norte da ilha, em frente de Marcella, e achámos
ali o nosso bom amigo o ex.™ Ludovico Xavier Mourão
Garcez Palha, proprietário da mesma ilha'.
ruínas de s.' thome
Manga. — Foi em Combarjua que pela primeira vez tive-
mos occasião de ver esta bellissima fructa, que ainda não tí-
nhamos visto mais formosa neni mais agradável ao paladar!
«São fructos das mangueiras da ilha, disse-nos o sr. Lu-
dovico, que eu tenho procurado elevar á ultima perfeição,
I A este illustre cavalheiro foi concedido o titulo de barão de Com-
barjua, por decreto de 21 de novenibro de i8G5.
lyo A índia
•por meio da enxertia de garfo. As mangueiras de semente
produzem fructos mais pequenos, menos formosos e sabo-
rosos, tendo um grande caroço muito filamentoso, como
se observa nas mangas creadas em Bomba}', na nossa Afri-
ca, na China e na America. Estas quatro variedades, que
aqui vê, quasi sem caroço e muito polposas, são devidas á i
enxertia e escolha dos garfos, tirados das mangueiras de
melhores castas, conhecidas pela excellencia dos seus fru-
ctos, e aos cuidados especiaes, que dispensamos a mangt-
fera indiana, que prospera aqui melhor do que em outra
qualquer região agrícola do globo.»
A mangueira, mangifera indica, de Linneu, ou ambô,
como se denomina em concan}', é a rainha das arvores
fructiferas. Attinge um grande porte, e dá uma excellente
madeira de construcção. Tem as folhas simples, e as flores
em paniculas. O cálice tem cinco divisões, a corola cinco
pétalas longas, e cinco estames; o estilete e estigma são
simples, e o fructo é oblongo, amarellado, rosado, ou ver-
de escuro sobre o mesmo pedúnculo. As mangas chamadas
affonsas tem forma de coração humano. As fernandinas
são propriamente reniformes, grossas como uma pêra, si-
milhante á variedade denominada em Portugal, de Rio
frio, e de cheiro e sabor muito agradáveis; o caroço é
oblongo, achatado e filamentoso no exterior. Cultiva-se em
toda a nossa índia uma grande quantidade de variedades
da mesma espécie, sendo as mais apreciadas as designadas
ajfonsas, fernandinas, collaças e as carreiras.
A mangueira reproduz-se por semente*, e para conservar
certas castas estimáveis, que a semente abastarda, costu-
mam enxertal-as. i
Os enxertos são feitos em differentes epochas, mas com i
especialidade no mez gentílico xravonna, agosto, durante ■
a influencia da estrella Mogô. ;
Combarjua. — Depois de conquistada pelos portuguezes,
esta ilha foi concedida em mercê por três vidas a Jorge
Dias Cabral, por carta regia de 23 de março de i545, Cj \
í
PORTUGUEZA
171
annos depois passou aos Jesuitas, que a possuíram até á
extincção da companhia. Por carta regia de 3o de maio
de 18 10, foi novamente concedida em mercê a favor do
chefe de esquadra, Cândido José Mourão Garcez Palha,
igualmente por três vidas. Posteriormente passou a ser pos-
suida pelo conselheiro Joaquim Mourão Garcez Palha, e
por morte d'este, entrou na posse delia o sr. Ludovico,
i.° barão de Combarjua, como representante da nobre
familia Garcez Palha. O celebre poeta Bocage passou
aqui descuidosos dias, apreciando muito este delicioso re-
tiro.
Casa da administração. — N"esta casa foi estabelecida em
1794 uma fabrica de tecelagem, que apenas durou três
annos. Pertence actualmente ao 2.° barão de Combarjua,
Thomaz d'Aquino Mourão, sobrinho e genro do i .° barão,
e filho do intelligentissimo e erudito i .° visconde de Bucel-
las. Cândido José Mourão Garcez Palha.
Foi a ilha de Combarjua terra natal de ricos negociantes
gentios, que tinham as suas casas de commercio na rua
dos P annos, da cidade velha de Goa, e do rico e poderoso
Rama Custam Sinaiy, cognominado Godecar, ou homem
de grande estado, que foi morto traiçoeiramente no canal
de Daugim, por haver, com suas queixas perante el-rei de
Portugal, feito recolher ao reino alguns vice-reis e minis-
tros, que lhe eram desaffeiçoados.
Actualn-iente ainda aqui reside a familia do capitalista
Purxotoma Sinay Quencró' e muitas outras notáveis famí-
lias de gentios.
Palmeiras. — As palmeiras, acham-se sobretudo nas re-
giões tropicaes. No hemispherio austral não passam alem
i de 38° de latitude, e o seu verdadeiro clima, segundo M.
D. Humboldt, é aquelle em que a temperatura media se
' A este sympathico gentio, amigo dos europeus, foi dado o titulo
de barão de Calapor, por decreto de 26 de junho de 1873.
172
A índia
eleva entre 19° e 20° centígrados. Em geral, cada espécie
tem limites fixos, que raramente ultrapassa; entretanto,
algumas estão espalhadas sobre dilatado espaço; taes são
os coqueiros.
No território da índia portugueza existem as seguintes
espécies de palmeiras, de que temos conhecimento: jSIaddo
ou coqueiro fCocus nucifera); maddy ou arequeira (Areca
catecliu); bivla-inahar ou palmeira brava (Caryota tireusj;
cajuri (Phoomx sihestris); pannaddo, (Borassus jlabdli-
formis); tamareira (Dattierj; a palmeira Doiim ou da The-
baida, {Cucifera íhcbaicaj; e a Corypha umbra-culifera, de
Linneu.
Sobranceira a todas as arvores, e superior a ellas não
somente pela belleza e magestade do seu porte, mas ainda
pela sua utilidade, eleva-se na índia portugueza o coqueiro.
Coqueiro. — O coqueiro, quinta tribu da familia das pal-
meiras, é um vegetal, que se eleva magestoso até 20 ou 26
metros, e abrange na base 2,5 a 3 metros. A sua longevi-
dade é calculada em cem a cento e cincoenta annos. Tem
flores monoicas, sustentadas sobre a mesma spadice, spatha
7nonophj'Ua; flores masculinas; seis estanies, acompanhados
de um ovário rudimentar; flores femininas; ovário simples;
est3'lete nullo; estigma sessil, trilobulo; fructo drupaceo,
muito grosso, oval ou elliptico, trigoneo, tendo approxima-
damente o'^.22 de eixo maior, incluindo uma massa monos-
perma. O epicarpo, sonnam-sáli, é coriaceo; o mesocarpo,
cathô ou cairo, fibroso, e o endocarpo, cortti ou cherêta,H
coreacea, munida de três orificios ou olhos na base, e em- *
bryão muito pequeno.
Os productos do coqueiro, quer em espécie, quer ma-IJ
nipulados, constituem um importantíssimo ramo da indus-|.|
tria agrícola do território cidade de Goa, e o mais rico'|
ramo da exportação. ' \
Conforme o mappa oíficial, a exportação em 1861 foi de^ j
19.986:380 cocos. A parte dos que foram transportados) |l
em embarcações nacionaes, rendeu de imposto 10:616 xe-|^
PORTUGUEZA
173
rafins, i tanga e 16 réis, e a que foi transportada em em-
barcações estrangeiras rendeu 11:877 xerafins, 2 tangas e
27 réis. Alem d"isto exportaram-se também, livres de di-
reitos para as praças de Damão e Diu 5 19: 55o cocos, afora
uma grande quantidade de candis de cópra, ou amêndoa
ruínas do COLLEGIO de S. PAULO
de coco depois de secca, que é igualmente exportada paca
diversos pontos do Industão. A producção em 1878 foi cal-
culada em 39.913:440 cocos, produzindo a sua exportação
jem 1878-1879 a quantia de 385:ooo;j5^ooo réis.
i Os proprietários de palmares do território de Goa, pa-
igavam, a titulo de /oro, á fazenda publica, segundo o orça-
174 -^ i^'^'-'^ i'
mento de i8()4-i8G5, 415:486 xeratins, 4 tangas e lo reis h
annuaes; e por cada palmeira á sura pagavam por anno 2 i
tangas de imposto, importando a sua totalidade cm 17:442 i;
xerafins, 2 tangas e 3o réis'. \'.
O fructo do coqueiro tem na índia portugueza diversas !j
denominações, conforme o seu estado de desenvolvimento. ;l
Assim, chama-se bondy ao coco apenas despido dos cnvo- ;i
lucros floraes, e bondo áquelle em que começa a apparecer '•
o albumen-episperma ou corói; denomina-se 7'l7;;;^ o côco Íj
destituído de catholy, endosperma ou amêndoa, e que, '1
cortado ao meio, serve para esfregadores. ;;
Morem é o còco-barico ou doce, isto é, o côco perfeito, j i
mas destituído de substancia oleosa', e por isso constitue ;(
um alimento gostoso e salubre.
Xdrio é o fructo do coqueiro, perfeitamente maduro e 1 1
de um tamanho regular*, c o mesmo fructo a que os portu- j|
guezes europeus dão o nome de côco. j {
Os indígenas de Goa chamam cóco-lauho ao fructo do ji.
coqueiro, que ainda não tem attingido o seu perfeito crés- j|
ciniento. Sia/c})i ou adsord ao côco quasi perfeito, cujo en- ii
docarpo ainda se acha cheio de uni liquido refrigerante ; 1
agri-doce, que se utilisa como refresco.
í
i i
I O imposto do abkari, creado pelo regulamento approvado pela
portaria n.o 852 de 29 de dezembro de 1870, substituiu os impostos
antigos (vide o relatório da gerência do commissariado do sal, abkari
e alfandegas da índia portugueza pelo commissario o sr. Joaquim José : r
Fernandes Arez, Lisboa, 1884). A taxa de palmeiras era de i rupia annual 1 ;i
por cada coqueiro, e de o,5 rupia por cada palmeira brava ou cajuri j ji
(date tree) em virtude do artigo 7.0 do regulamento do abkari n.o 852 } .'|
de 3 1 de dezembro de 1879; mas, desde o quarto anno do tratado, i5 ■ ji
de janeiro de i883 a 14 de janeiro de 1884, passou o coqueiro a pagar j
2 rupias, e a palmeira brava e o cajuri 1/2 rupia annualmente. A rupia é 1 : :
igual a 400 réis fortes, e divide-se em 16 tangas, segundo a convenção {»;:
anglo-portugueza. A contar do \fi de janeiro de i885, as palmeiras la- , t
vradas á sura ficam sujeitas no território de Goa ao imposto annual de 1 j
4 rupias por cada arvore, e no districto de Damão ao de 5 rupias (por- í \
taria provincial do \S> de fevereiro do mesmo anno).
FORTUGUEZA 1^5
Madoco é como se denomina o coco colhido antes da
completa madureza, e que, por não dar leite, nem óleo,
se utilisa como alimento.
Ao coco que contém muita agua adocicada, e pouca
catholv, endosperma ou miolo farináceo, chama-se iidocó-
raii-; ao privado de agua, e com endosperma pouco consis-
tente e farináceo, coh>au- ou colyan-a; e ao coco maduro,
mas de pequeno desenvolvimento, quitóca.
Emfim, dá-se o nome de biadòco ao coco destinado á
reproducção.
Os gentios dão ao coqueiro a denominação de calpá-
iiruxá, isto é, arvore, que só por si preenche os fructos da
natureza; e consideram-no como emblema da liberalidade.
O coco é pelos gentios, não brahmanes, olhado como
symbolo díi felicidade; e pelos christãos como emblema da
subtil e:^a.
O coco, principalmente depois de secco, é também em-
pregado pelos gentios nas ceremonias de seus casamentos,
e nas qhetrapu-as, sacrifícios que fazem a seus Ídolos.
As senhoras de Goa dizem que sonhar que se colhem
cocos, significa aborrecimento; comer cocos maduros, ale-
gria; comel-os verdes, imprudência; servir-se da copra,
negocio descurado e em mau estado; offerecer um coco
a uma senhora, penas do coração; sonhar com um palmar,
abundância e prazeres.
Todas as partes de que se compõe o coqueiro são igual-
mente de reconhecida utilidade; e por isso os battcares, ou
palmeireiros, na sua linguagem metaphorica, appellidam
esta arvore o Pataxyá-ruqliá —rei das arvores — . E com
efteito, é ella para os povos das regiões tropicaes mais útil
e de muito mais serventia, que nenhuma outra arvore, por-
que substitue, até certo ponto, todas as producções da na-
tureza.
O coqueiro dá assucar, vinho, vinagre, óleo, agua, leite,
madeira e filaça. Da casca que reveste o coco fazem-se
mais de mil primores de arte.
176
A índia
O espique da palmeira serve para madeiramentos das
casas, e as ólas ou palmas tecidas, alem de outros muitos j
usos, servem para recobrir as mesmas casas ou garás. j
Na summidade do coqueiro acha-se um grosso palmito, \
chamado miirindo pelos indígenas, que offerece um bom
alimento^ mas como o seu arrancamento traz após si a
morte da arvore, não se faz uso d'elle, seucão quando ella
se abate.
Palmar.— O coqueiro é designado vulgarmente pelo no-
me de palmeira. D" aqui deriva o solo plantado de coqueiros
o seu nome de palmar ou hatt.
Palmar é, pois, uma extensão de terreno, cortado de li-
nhas parallelas equidistantes, formando muitos quadrados ^
de 7 a 10 metros de lado, tendo em cada angulo d"esses '
quadrados uma palmeira ou coqueiro.
O coqueiro reproduz-se por semente. Os cocos para se-
mente denominam-se, como dissemos, biadòcos e são esco-
lhidos de uma palmeira vigorosa e de boa qualidade: devem
ter o hilo ou olho grande, e o epicarpo, sonnam-sáli, ou
solnachi-cati, isto é, a casca exterior bem lisa, e ligeira-
mente rosada, e serem colhidos á mão, depois de bem ma-
duros.
Os que melhor cultivam o coqueiro, antes de semearem
os cocos, collocam-os n um viveiro, ainna, com os hilos
para cima, expondo-os á acção dos raios solares até que
germinem. Depois abrem covas ou némas no mesmo vi-
veiro, de modo que os cocos enterrados n"ellas venham a
ficar somente com 3 a 4 centímetros de terra, mátte, so-
bre o hilo, para que com as regas diárias ou em dias al-
ternados, o murindo ou ramo primordial do novo coqueiro f
venha gradualmente apparecendo á superfície do solo na ji
proporção em que a terra desce com o peso da agua. [;
Nas covas costuma-se deitar algum sal commum mistu- \
rado com cinza, para facilitar o desenvolvimento da germi- jj
nação, e evitar que o caria, ou formiga branca, nos terre- ji
nos onde costuma apparecer, damnifique as sementes. \'
PORTUGUEZA
//
Logo que a palmeirinha tem attingido o desenvolvimento
de o^^iSo a o'", 40 de altura, está apta para ser transplan-
tada.
Segundo a boa ou má qualidade da terra, e a profundi-
dade a que forem enterrados, assim os cocos levam de
quatro a nove mezes para nascerem no viveiro.
A transplantação do coqueiro é feita, por uns, na estrel-
CASTELLO DE BENASTARY
la gentílica Boromim, isto é, de 24 de abril a 7 de maio,
ou em agosto, na estrella Mogó; e por outros do mez de
novembro em diante, na conjuncção da lua nova. Esta ujti-
ma epocha é a preferível, por se poderem enterrar as pal-
meirinhas em covas sufficientemente fundas, sem se dar o
inconveniente de apodrecerem as raizes com a demasiada
humidade do solo, como succede nas outras epochas da
quadra pluviosa.
>7«
A índia
Na disposição do terreno para a plantação das palmeiri- jj
nhãs deve-se ter em vista as dimensões dos canteiros, em l|
que se costuma dividir o palmar. i;
Os canteiros são ordenados de modo tal, que compor- !|
tam somente seis a oito palnieiras, por assim se conserva- !;
rem mais tempo em bom estado; e quando precisam de ;i
concertos, são estes de mais fácil execução e de menor ii
despeza. .j
A distancia media a que devem ficar umas palmeiras das ij
outras é de 7 a IO metros quadrados-, porém nos plantios ;í
dos vallados. aonde as palmeiras ficam em linha e desas- ',■
sombradas de um e outro lado, deve aquella distancia ser i'
reduzida de 4 a d metros. í;
As palmeiras plantadas nos vallados denominados donpa-
niá-chem, que orlam a margem dos rios de agua mixta,
como nos terrenos de cultura de vangana, são os que me-
lhor e mais cedo se desenvolvem.
O bãttcaró ou hattcar emprega cuidados e despezas em-
quanto o coqueiro não chega á putd-etd, ou epocha de co-
meçar a dar o fructo; o que tem logar depois de seis annos,
contados da data da transplantação da palmeirinha, sendo jj
convenientemente tratada. • }
Disposta a palmeirinha no logar, em que deve desenvol- !^
ver-se e fructificar, como os palmares são geralmente pas- j^
sagem publica e vivenda dos manducares, e as palmeirinhas jj
estão sujeitas a serem destruídas pelos gados d'estes colo- |j
nos agrícolas indígenas, é conveniente resguardal-as por j^
meio de um cercado, que deve ser construído de modo j!
que. protegendo a tenra planta, a não príve do sol e da í
indispensável ventilação, e se possa desmanchar facilmente, il
quando for mister mobilisar a terra em que a palmeirinha |;
está fixada e da qual tira o seu sustento. |
Emquanto as palmeirinhas não tiverem adquirido o. vi- ji
gor necessário para estenderem suas raizes a pontos mais J!
ou menos distantes, a fim de procurarem os elementos de 11
nutrição, que porventura lhes faltem junto de si. é preciso 1
J
i
•
PORTUGUEZA I^í)
regal-as, porque scmii o auxilio de uma apropriada e con-
veniente irrigação, as palmeirinhas ficarão enfezadas, só
muito tarde darão fructo, e este será sempre de inferior
qualidade.
As regas devem ser diárias, ou reguladas conforme a
natureza do terreno, e em todo o tempo decorrido desde
novembro até princípios de junho do anno immediato.
Durante os dois primeiros mezes da rega, alem da cinza
e do sal, que se lançou na cova por occasiao da transplan-
tação, deve-se também, quando se julgar conveniente, dei-
tar alguma cinza em roda do pé da planta.
A formação dos canteiros de que já falíamos, deve ter
logar quando as palmeirinhas tiverem bastante robustez, o
que acontece aos três annos de idade, para evitar o incon-
veniente de apodrecerem as raizes, principalmente com a
demasiada quantidade de agua que os terrenos recebem
durante a quadra das chuvas. Passados os primeiros três
annos, quanta mais agua receberem, tanto melhor para o
seu progressivo desenvolvimento.
As palmeiras devem ficar mais ou menos afastadas umas
das outras, conforme a riqueza ou pobreza do terreno, em
que se plantarem.
Em terrenos ubérrimos, como as palmeiras tomam então
maiores proporções, é conveniente que fiquem mais afas-
tadas, para que umas não privem as outras de gosar ple-
namente da influencia dos agentes meteorológicos-, e nos
terrenos fracos, posto que as palmeiras se não desenvolvam
tanto como nos fortes, e por isso não embaracem umas ás
outras a circulação do ar, ainda assim não devem ficar
muito juntas, para as suas raizes poderem colher da maior
extensão do terreno os princípios nutritivos, que as planta-
das em boas terras tiram de menor espaço.
Correctivos. — São dois os systemas pelos quaes se cos-
tuma corrigir os palmares. O primeiro consiste em espa-
lhar os correctivos por todo o terreno, e denomina-se entu-
Uio d rãyã; o segundo, em deitar os correctivos ao redor
1
Vt
i8o A índia I
— — ■ ]
1
do pé das palmeiras, e chama-se entulho ao pé. Este ultimo '
processo, que tem por fim fornecer á palmeira maior som- j
ma de elementos nutritivos em menos tempo, pratica-se de i
três em três ou de quatro em quatro annos. Tem a vanta- \
gem de augmentar a fertilidade da terra, mas o inconve- ;
niente de lha conservar por pouco tempo, quando não for
bem applicado.
O entulho ou piidti deve ser feito com terra de differente j
qualidade do terreno do palmar, e executado quando a |
terra estiver bem enxuta, isto é, desde os princípios de j
janeiro até i5 ou 20 de maio. ',;
Para evitar o inconveniente da palmeira crear mais raizes ;
á superfície do solo, do que a uma certa profundidade, oí- |
ferecendo n'este ultimo caso mais garantia de estabilidade i
e de prolongada e regular nutrição, antes de se deitar o j
entulho junto da palmeira, deve-se abrir uma funda caldei- {
ra ou alcnga, como lhe chamam no paiz, e lançar dentro j
d'ella a nova terra, de maneira que fique ao nivel do plano
do palmar. De se não proceder d"este modo, e accumular
a terra em torno do pé da palmeira, seguir-se-hão estes
inconvenientes :
i.o Por occasião das chuvas a agua, que escorre pelo
stipe, arrastará comsigo a terra para longe do logar em j
que se lançou; í
2.° Ficará a descoberto uma grande parte das raizes su-
perficiaes do vegetal-, e por este motivo as extremidades f
radiculares estarão privadas de absorver os saes e soluções I
alimentares necessárias á sua nutrição; (i
3.° A palmeira ficará sujeita a ser mais facilmente desar- j'
reigada pelos ventos; ;■
4.° Faltando-lhe o cubo de terra, d'onde as raizes su- }•
perficiaes tiravam uma grande parte da nutrição da palmei- (;
ra, esta dará poucos fructos e de inferior qualidade; ;
5.° Finalmente, para o battcar, não ver definhar o seu i\
palmar, será obrigado a proceder quasi annualmente a no- •]
vos entulhos, e a despender maior quantidade de capitães. ,1
PORTUGUEZA
I8l
O entulho á ra'{a, ou o entulho feito em todo o palmar,
tem a vantagem da economia por ter de se fazer raríssi-
mas vezes, a de distribuir uniformente a alimentação por
todas as palmeiras, a de não ser arrastado pelas chuvas, a
de facilitar os labores do terreno, e finalmente, a de ollere-
cer maior ponto de apoio ás arvores.
Alem da necessidade, que ha de corrigir de tempos a
tempos o terreno do palmar, é também preciso fornecer
annualmente ás palmeiras os adubos de que carecem, pa-
ra darem bons e abundantes fructos.
BOMBARDA
Os adubos que mais aprazem ás palmeiras são o sal, o
lodo dos esteiros e a cinza. Estes adubos devem ser mi-
nistrados pela maneira seguinte:
Passada a maior força do tempo chuvoso, quando a terra
ainda receber uma conveniente quantidade de aguas plu-
viaes, o que succede no mez de agosto, abrem-se as caldei-
ras em volta de cada palmeira, e circumda-se o pé com
i'/2 medida de sal commum, misturado com folhagem de
arvores, para lhe fornecer o húmus indispensável. Na falta
de sal, é costume substituil-o por quatro cestos de lodo
fresco, ou três de lodo salgado, reduzido a pó, sendo tam-
l82 A índia »
~ '. i
bem empregadas com vantagem as cinzas provenientes da *
combustão de palha produzida nas várzeas salgadas, ou de -j
outros combustíveis queimados na cozinha. Estas substan- 'j
cias devem ficar expostas ao ar até ao fim da quadra plu-
vial para o sal ser bem dissolvido, e as cinzas perderem a
sua causticidade.
Amanhos seciiiidarios. — Consisteni os amanhos secunda- ;
rios no seguinte: '
I .° Em conservar sempre limpo o palmar de quaesquer i,
hcnddassi ou arvores, arbustos e outros plantas, que pos-
sam impedir o livre desenvolvimento das palmeiras*,
2.° Reformar os canteiros, em que se divide o palmar,
para reprezarem a agua das chuvas, a fim de que o terre-
no fique bem saturado, mas de modo que o não alague, a
ponto da humidade prejudicar, por demasiada, as raizes
das palmeiras. Para evitar este inconveniente, devem os
cômoros ser feitos do meado de julho em diante, depois de
haver passado a maior força das chuvas e das ventanias.
3° Pela epocha do Mogó, que tem logar na segunda
quinzena de agosto, em que as chuvas e os ventos amainam
sensivelmente, deve-se começar a lavrar os palmares-. A
lavra deve ser funda e repetida, para que as raizes das
palmeiras se possam estender livremente pelo maior cubo
de terra, e tirar assim maior somma de princípios nutriti-
vos .
4.° Quando terminam as chuvas do mar e de terra e a
viração, acalmada por um periodo de três mezes, começa a
soprar suavemente, desfazendo pela sua benéfica acção as
densas massas, que annuviavam a atmosphera nos mezes
anteriores ao de setembro, chega-se a terra, extrahida das
caldeiras, ou melhor ainda nova terra, para os pés das pal-
meiras, mas de modo que o palmar fique o mais ni^"elado
possível.
Epiphytias. — A maior parte das doenças que acommet-
tem as palmeiras, provém do solo e da exposição pouco
adaptada á sua natureza, das intempéries atmosphericas.
ê
PORTUGUEZA l83
da falta de tratamentcj, de irritações e feridas produzidas
por plantas parasitas, por animaes e principalmente por
insectos*, e finalmente, por outros quaesquer agentes desor-
ganisadores.
A seccura e pobreza do solo, e a privação da acção da
luz, produz a debilidade das palmeiras. Esta doença mani-
festa-se por uma vegetação frouxa, pela queda antecipada
de parte de suas folhas e fructos, pela cor amarellada d"a-
quellas e pelo enfezamento destes.
O seu curativo consiste na correcção e irrigação do ter-
reno e nos bons amanhos e adubos. Ha uma espécie parti-
cular de debilidade, que se denomina estiolamento, e que
se conhece pela côr amarellada, que as folhas da palmeira
adquirem, quando os raios do sol as não excitam, quando
a luz não promove a decomposição do acido carbónico,
ou emtim, quando o terreno é demasiadamente húmido. O
tratamento desta doença consiste na remoção das suas
causas, desassombrando a palmeira, e desseccando o ter-
reno da humidade superabundante.
O subsolo impermeável ou excessivamente rico, produz a
doença chamada viço ou plcthora, a que muitos palmeireiros
chamam mondolini ou inonddólli. Esta enfermidade mani-
festa-se primeiramente por uma vegetação luxuriante, pouco
tempo depois as folhas destacam-se da palmeira, as ílores
attingindo maiores dimensões do que no estado normal,
tornam-se estéreis, e os cocos não chegam a formar-se ou
caem antes da maturação. O mondolim, com a forma de
endemia, em determinados sitios, ataca e mata rapidamente
um elevado numero de palmeiras. O seu tratamento radi-
cal é ainda desconhecido:, entretanto, o que se costuma
applicar como preservativo, consiste na sangria da palijiei-
ra, feita por meio da perfuração no stipe, na amputação
de algumas raizes mais profundas, no empobrecimento do
terreno por meio da plantação de vegetaes esgotantes', isto
e, de plantas cujas raizes penetrem bem no solo, e tam-
bém na correcção pela cal e pela sihca.
i84
A índia
Alem d'estas doenças que acommettem as palmeiras pela
raiz, estão ellas ainda sujeitas a outras produzidas no stipe,
e são os ferimentos, as contusões e a perfuração longitu-
dinal feita pela larva, denominada pelos indígenas rontó, e
pelo insecto chamado bomóro, que fere tanto o stipe da
palmeira, como as suas spadices.
Em 1854 uma doença até então desconhecida assolou os
palmares da costa do Coromandel, á excepção de um palmar
CONVENTO DA .MADRE DE DEUS
próximo de Binlipatam, pertencente a um. pimdi ou pondeva
que conhecia o remédio para curar esta enfermidade. Con-
sistia elle no emprego da agua do mar lançada sobre a folha
central do verticilio da palmeira, durante a noite, repetindo
esta operação de seis em seis mezes, como preservativo.
Este remédio destruía completamente o Lórfchtas Rhi-
nocéros, o qual, depois de ferir as spadices, deposita os ovos
no âmago da raiz do coqueiro. Será o coleóptero Lôrjclitas
PORTrCUl-.ZA
is;
Rhinocéros, que, "sob o nome vulgar de bomóro, faz na índia
Portugueza iguaes estragos áquelles que fez no Coroman-
del? E possível, porque bomôro tem os mesmos hábitos e
grande horror á agua salgada.
O ladrão, sór, que arranca o coco sem os devidos cui-
dados, o rato Pharaó, o chanim, o morcego ou pacó, o
sindó (ave que fura o coco), o rato ordinário, diversas
qualidades de formigas, as abelhas e as vespas, são outros
i8(5 A índia
tantos animaes damninhos, que prejudicam muito a palmei-
ra. A sura, que escorre da spatha sobre a gemma termi-
nal, também prejudica bastante a palmeira, chegando a
matal-a, se não houver todo o cuidado em a lavar bem e
promptamente. A este mal, porém, estão somente sujeitas
as palmeiras denominadas sureçó-maddó ou destinadas a
produzir sura.
Colheita. — O coqueiro é cultivado para dar cocos ou
um sueco fermentado, a que se dá o nome de sura. No pri-
meiro caso, o colhimento, palló, é feito por alguns palmei-
reiros mensalmente, porque o fructo amadurece todos os
mezes; mas o mais regular, é colher-se o coco de três em
três mezes:, no segundo caso, a colheita,' /íi««;/z';«, é diária,
porque a sura é tirada todos os dias, e em diversas horas
do mesmo dia.
Aquella arvore produz por anno doze a quinze cachos.
Ao primeiro cacho maduro que se corta do coqueiro no mez
de março, dá-se o nome de mál; o segundo colhido em maio,
chama-se dal; o terceiro em agosto, tisserem; e emfim, o
quarto em dezembro, que muitas vezes é incerto, denomi-
na-se choutem.
Os cocos são colhidos pelos derrubadores ou pallecares,
que sobem á palmeira munidos de uma coita, com a qual
dão os golpes na raiz da spadice, e deitam ao chão os ca-
chos maduros.
O derrubador sobe á palmeira com o auxilio de um an-
nel de corda, onde introduz ambos os pés, e cingindo-os e
apertando-os á palmeira, fixa-se sobre o spique, e assim
vae subindo até chegar ao cocar ou parte superior com
grande rapidez.
Cada coqueiro de primeira qualidade dá três a quatro
colheitas annualmente, sendo portanto a sua producção
media, por anno, de loo cocos. Palmeiras ha que chegam
a produzir 200 e mais.
Palmeira d sura. — A extracção da sura, é feita por um
individuíj denoniinado baudary.
I
PORTUGUEZA 187
A sura commum é recolhida n"um vaso de barro :{ãmnó
ou damiicm, caiado interiormente e que se adapta a uma
das espigas da palmeira.
Para que a espiga ou espadice possa produzir sura, é
necessário cingil-a e apertal-a com um cordel, que é feito
de filamentos tirados da base da folha, por onde o limbo se
continua com o peciolo. Estes filamentos, antes de sereni
applicados, devem ser cozidos no goddó ou agua que con-
tém os resíduos da distillação da sura. Depois de apertada
a espiga, deve-se tocar levemente em torno delia com o
cabo da catv em dias interpolados, até ficar redonda e fle-
xível.
Assim preparada a espiga, corta-se-lhe a extremidade
livre, e passados alguns dias, logo que para ali tenha afflui-
do a seiva, é esta recebida na :{ainnó.
A sura colhe-se três vezes por dia: ás seis e onze horas
da manhã, e ás seis horas da tarde. De todas as vezes que
se faz a colheita, apara-se a espiga, cortando-lhe um pequeno
fragniento horisontal da parte superior, para renovar e acti-
var o liuxo da seiva. A parte que se corta da espiga deno-
mina-se chèu.
As espigas têem diversas denominações, consoante a sua
idade, qualidade e destino. Assim, ás espigas destinadas a
produzir cocos, chama-se chipór, quando desabrocham e
se desembaraçam da spatha; chevoc ou chelem, ás espigas,
cujas flores abortam ou nascem enfezadas; e man:{on ou
pondj' á espadice perfeita e fecunda.
Ao coqueiro que produz espigas estéreis, dá-se o nome
de pauio-])idddo; e ao que não produz espigas pissó-máddo.
Da sura extrahem-se diversos productos, a saber: sircó,
fiiiini, cajuló ou dobrado e iirraca ou poscó.
O sircó, ou vinagre de palmeira, obtem-se pela fermenta-
ção acética da sura, como pela distillação da mesma se
consegue o Jiiiini, o cajuló e a iirraca.
O finim é o espirito alcoólico do coqueiro, o cajuló a
aguardente ou primeiro producto da distillação da sura, e
A índia
a iirraca é uma porção de cajiiló misturada com agua, e
serve de bebida ordinária á classe dos jornaleiros'.
O goddó ou resíduos da dis-
tlUação, é empregado na alimen-
tação dos suínos; serve para lim-
par vasos de vidro e de barro
engordurados, e applica-se como
anti-rheuniatico.
Ha duas espécies de sura:
uma, sura comminn ou de ja-
gra, que é a seiva do coqueiro
coagulada e similhante ao assu-
car mascavado; e outra, mais
fina e depurada, que se deno-
mina niró. O :{amuó, em que se
recebe esta ultima sura, não é
caiado interiormente.
A sura é distillada n"um ap-
parelho muito simples e da mais
remota antiguidade, denomina-
do yOiiíró.
Zontró. — Este apparelho é
composto de duas grandes pe-
ças de barro, que se communicam entre si por meio de
I Nos artigos 26.°, 27.°, 29.° e 30." do relatório geral do commissariado,
a que já nos referimos, relativo ao segundo anno do tratado anglo-por-
tuguez, viu-se :
i.° Que a media de producção de sura diária de um coqueiro em Goa
é, conta redonda, 1,6 garrafas, ou 96 gallões imperiaes por anno;
2." Que são necessários 3,38 gallôes imperiaes de sura para produzi-
rem I gallão de espirito de i5° de Cartier;
3." Que são necessários 8,7 gallões de sura, ou 2,58 gallÕes de espirito
de i5° para produzirem i gallão de espirito de 20" de Cartier;
4." Que são precisos 5i,5 gallões de sura para produzir 80 libras de
jagra;
5.0 Finalmente, que são necessárias 9 garrafas de sura para produzir
6 garrafas ou i gallão imperial de vinagre.
PORTUGUEZA
189
um tubo de bambu. Uma das peças, conhecida por bâjia,
e que assenta sobre a fornalha, é a caldeira d'este appare-
Iho distillatorio*, a outra chamada colçó é o capacete, onde
se fazem condensar os vapores alcoólicos, por meio da con-
stante refrigeração com agua fria.
No '{ontró, a condensação é feita no mesmo colçó dos
vapores alcoólicos e aquosos, tornando por isso a primeira
:_-/_,V,
aguardente muito mais fraca e sendo necessário distillal-a
segunda e terceira vez para lhe elevar o grau.
Gaiúcará. — Pela espremedura da catoly, polpa do caco,
no ganicará ou moinho de azeite, obtem-se a narida, azei-
te ou óleo de coco, que se emprega na economia domes-
tica e em medicina-, e a penddi ou pináca, que são os
resíduos da extracção do óleo, e serve para arraçoar os ani-
maes de trabalho.
IQO A índia
<í
i
Da ilha de Combarjua passámos, atravessando o canal i|
de Marcella, para esta aldeia da província de Pondá, a fim ji
de examinar e desenhar o grupo de pagodes que ali se en- \l
contra. I|
Havendo sido arrazados nas Ilhas de Goa os pagodes i
ou diiilás, como os idolatras lhes chamam, e concedidas .j
as rendas das suas terras em mercê ao collegio de S. Paulo, j*
por provisão de i3 de fevereiro de i545; — e tendo-se pro- i*
hibido a sua reconstrucção em 25 de março de i55q — fo- \{
ram aquclles gentios construir eni Marcella os pagodes, j,-]
cujo grupo representa o desenho. |!
Os coiicanós ou gentios do Concao classificam em duas [;
espécies os seus templos ou pagodes, segundo a sua fun- í
dação. Se o pagode é fundado por uma pessoa ou família
particular, denomina-se devalld; se é fundado por uma cor-
poração ou communidade agrícola, chama-se vulgarmente
matliá ou deralem.
Deixemos o continente das Novas Conquistas, e voltemos
a Combarjua, a fim de examinarmos as várzeas de arroz e
de milho, que nesta ilha se cultivam. M
«Eis aqui as minhas várzeas de arroz, disse o nobre M
proprietário da Combarjua, que nos havia acompanhado a f
Marcella. Em Goa, continuou elle, chama-se batt na lin- A
gua concany ao arroz com casca, e taudiil ao arroz desças- '-5
cado. Classificam-se geralmente os terrenos para cultura \
deste cereal, em doces e salgados, sendo estes os que ficam ■ j
á borda dos rios ou braços de mar, sujeitos a alagações de , .
aguas das grandes marés, e doces todos os mais.
«Em duas epochas se verifica a cultura. Na primeira, que
começa com as primeiras chuvas, a do serôdio. A semen-
teira é feita em fins de maio ou princípios de junho, e colhe- jv
se o arroz na primeira quinzena de setembro. Na segunda,
a de vangana, que carece de rega, e começa em novembro, [ ;
a colheita faz-se em fevereiro ou março. 1^
«Os terrenos salgados não são aproveitados na cultura i
de vansana. •/
PORTUGUIiZA IQI
«Muitas são as variedades do arroz que se cultivam em
Goa. As que cultivo na ilha de Combarjua, são as seguin-
tes: Aiiisó, asgv, xirtó, conchri, condir iTcrmelho, conejirsal,
consró, corungutte, dongrem, geriçal, motial, pati-branco,
qiicndal e vanecal. Destas só o coningutte e consró toleram
terrenos salgados.
«Desde a germinação até á maturação do grão, levam o
asgó, matical, geriçal, xirtó, vanecal, corungutte e consró
cento e cinco dias; o dongrem, coneíirsal, quendal, dori-
patni, conchri e conchri-vermelho, noventa dias e o ainsó
oitenta dias.
«Os seguintes cálculos referem-se todos a uma superfície
de i<)o bambus quadrados, que leva i candil de semente.
O bambu, vara ou canna, nesta ilha corresponde a lo mãos
de extensão, sendo cada mão igual a o"\_i4'.
iiLavoura. — No serôdio os terrenos doces são lavrados
com o arado, e a superfície de i6o bambus quadrados exi-
ge o emprego de doze Juntas de bois, cuja despeza á rasão
de 1,5 xerafíns cada junta, importa em i8 xerafins. Alem
d isto são necessários para dirigir a lavoura, e lançar á ter-
ra a semente quatro jornaleiros, a meio xerafim diário cada
uni.
«Sendo salgados os terrenos, não são lavrados com o ara-
do, mas preparados com a enxada, empregando-se trinta
jornaleiros na cava e oito na semeação e gradagem, a meio
xerafim diário i ic) xerafíns i. Um xerafim, como sabe, corres-
ponde approximadamente a i franco ou i6o réis fortes.
Tem 5 tangas, e cada tanga 6o réis fracos.
«Na cultura da vangana os campos carecem de ser lavra-
dos seis vezes antes da sementeira. Empregam-se n"este
trabalho cinco juntas de bois em cada lavoura, vencendo
cada junta i xerafim diário (3o xerafins i e sete jornaleiros
a 0,5 xerafim cada um. para estrumar e semear a terra.
Candil, veja-se a sua descripção a pag. 23.
192 A IXDIA
I
(íMonda. — O trabalho da monda é executada por mulhe- ,
res e rapazes. !
«No serôdio, em terrenos doces, são necessários quarenta^l
indivíduos, a 90 réis cada um (12 xerafins); para a monda :
de uma seara de arroz que tenha a área de iGo bambus ;
em terrenos salgados, bastam trinta indivíduos (q xerafinsj.
«Na vangana- é sufficiente igual numero de braços. ]
«.Estrume. — Emprego o sal ou lodo salgado para estrumar j
n'esta ilha as semeaduras de serôdio do terreno doce, reser- ^
vando exclusivamente o estrume de gado vaccum para a í
vangana. Os 160 bambus quadrados de superfície levam, ;
de três em três annos, nos campos de serôdio, i cumbo
de sal ou 35o cestos de lodo, na importância de 21 xerafins; j
e annualmente nos campos de vangana 100 cestos de es- .
trume de gado vaccum, tendo cada cesto a capacidade de ;
3 curós, e sendo o seu custo 5 xerafins.
«Rega. — Usa-se a rega diária nos campos de vangana. '
Extrahe-se a agua dos ondós, poços ou reservatórios de agua,^
por meio da cegonha lathr, empregando-se n'este serviço!
durante 75 dias um jornaleiro, a o, 5 xerafim por dia, 37,5 '
xerafins. :
«Ceifa. — No serôdio a ceifa, quer os terrenos sejam do-"
ces, quer salgados, é feita com a foicinha ou coity, e exige ,
dois jornaleiros, a i xerafim diário, e cinco mulheres, a o,5
xerafim. Na vangana a ceifa é feita pelo mesmo processo, '
e requer igual despeza. :
«Debulha. — Empregam-se na debulha vinte a vinte e cin- i
c'o jornaleiros, a i xerafim diário cada um. Quando a debu- |
lha é feita com gado vaccum, empregam-se durante meio j
dia quatro bois ou búfalos, a 73 réis cada um, alem de J
nove jornaleiros por todo o dia, a i xerafim. \
«Palha. — A palha produzida n"uma área de 160 bambus '
quadrados é avaliada em 5 xerafins no serôdio, e em 7,5
ditos na vangana. A palha serve de alimento ao gado vac-
cum, e usa-se para fardos, cordas, combustível, cobertura
de choupanas, etc.
PORTUGUEZA
193
«No serôdio a producção media, na ilha de Combarjua,
é de I para 18, variando em outras localidades de 6 a 25,
Na vangada, que leva de mais um quarto de semente, a
relação é de i para lõ n'esta ilha, em outros pontos de 8
até 20.
«No serôdio o proprietário vem a receber pouco menos
de metade do producto bruto, sendo a restante parte absor-
vida pelas despezas da cultura, pagamento do dizimo e
lucros do cultivador quando a cultura não é feita pelo pró-
prio proprietário. Na vangana o proprietário fica com um
terço do producto bruto.
« Valores. — Cada candil de batí^ na eira vale actualmente
18 xerafins^ no celleiro ou depois de enfardado, custa 20
xerafins; na localidade, e fora d'ella, 21, 5 a 22 ditos.
104
A índia
«Resumindo as despezas, lucros do cultivador e do pro-
prietário, temos na cultura do:
Serôdio em terras doces
Semente - i candil 20-0-00
12 juntas de hois 18-0-00
Lavoura ■, . 1 • „, .-, r> r,r.
4 jornaleiros 2-0-00
Monda. .-40 mulheres • • • • 12-0-00
Estrume -lodo ou sal 7-0-00
(2 jornaleiros 2-0-00
^^'^'^- • ■ j 5 mulheres 2-2-3o
Debulha -25 jornaleiros 25-o-oo
Dizimo 36-0-00
Lucro do cultivador 76-0 - 00
200-2-00
Producto bruto em batt Sôo-o-oo
Producto em palha 5-o-oo ^eS-o-oo
Lucro do proprietário i(i5-2-3o
Serôdio em terrenos salgados
Semente . . - 1 candil de batt 20-0-00
Cava -3o jornaleiros 1 3 -0-00
Sementeira-S jornaleiros 4-0-00
Monda.. . .-3o mulheres 9-0-00
\ 1 jornaleiros 2-0-00
Ceita \ . „ o o ■^r»
I T mulheres 2 - 2 - -lO
Debulha.. . -25 jornaleiros 25-o-oo
Dizimo 30- 0-00
Lucros do cultivador 87-0-00 2oo-2-3o
Producto bruto em batt 36o-o-oo
Producto em pallia 5-o-oo 3^j5_q_qç,
Lucro do proprietário i()5- 2-J0
Yangana
Semente- 1 candil 25 -0-00
í 3o juntas de bois 3o-o-oo
Lavoura - . , • 1 ^ ^r.
\ 7 jornaleiros j-2-jo
Monda.. -3o mulheres 9-0-00
0-7-2-30
PORTUGUEZA
195
Transporte G7-2-30
„ (100 cestos de estrume de
hstrume { , ^
( gado vaccum 5 -o -00
Rega.. . .-I jornaleiro, yS dias Sy-o-oo
„ -r 1 2 jornaleiros 2-0-00
Ceita.... ^'
( :> mulheres 2-2 -3o
„ , ,, 1 4 bois I -0-00
Debulha ( . , .
\ <) jornaleiros q-o-oo
Dizimo 3o-o-oo
Lucros do cultivador 53 -0-00
207-0-00
Producto bruto em batt 3oo-o-oo
Producto em palha 7-2-3o o ,
* ' 3o7-2-3o
Lucro do proprietário 100- 2 -3o
Milho. — Cultura do milho grosso ou Zondoló, como lhe
chamam os indígenas de Goa.
A seara de milho que vimos em Combarjua, teve por
origem uma maçaroca ou espiga de milho, :{eã maí-, que
o illustre proprietário d'esta ilha obteve da Austrália, cujos
grãos semeados primeiramente num pequeno campo pro-
duziram I curo, que equivale a 8 litros proximamente.
«Aproveitando todo o producto da primeira sementeira
desta importante planta monoica, tenho, disse o sr. barão,
conseguido augmentar a sua cultura a ponto de colher já
dez candis ou 200 curós.
«Este anno (1864) espero maior producção, assim na ilha
como em vários pontos do Estado, para onde tenho re-
mettido sementes d'esta graminia, que ainda ha pouco se
cultivava mais como planta de recreio do que como indus-
trial e alimentar.
«Se os cultivadores, a quem tenho distribuído semente de
milho, tirarem bom resultado das suas experiências, tenc-iono
mandar vir da Pensilvânia e da Virgínia, varias espécies de
maiz, para ver qual merece preferencia em o nosso clima.
«Os terrenos destinados á cultura doeste cereal, recebem
duas lavras de preparo e uma na epocha da sementeira,
que é feita duas vezes por anno, sendo a primeira em fins
196 A índia
de junho, e a segunda em novembro, a rego ou em linhas I
parallelas. i
«As espigas da primeira sementeira colhem-se em outu- ;
bro, e as da segunda em princípios de março.
«Em junho cuhivo o milho em terrenos altos de natureza '
silico-argillosos, e em novembro nos terrenos baixos, calca-
reo-siliciosos, mais frescos e fundáveis que possuo na ilha. i
«Na epocha da arrenda de milho, mando estrumal-o, em- \
pregando o estrume de gado vaccum e cavallar por me ser :
mais fácil a sua acquisição. O estrume de peixe é o que '
mais apraz a este cereal', mas não uso delle por ser mui ;
dispendioso, em rasao desta ilha estar situada a grande j
distancia da praia do mar. j
«A sementeira feita em junho é irrigada pelas chuvas, e •
a que se faz em novembro é regada pelo pé em dias inter- ;
polados, e muitas vezes de dois em dois dias, mormente ]
depois do completo desenvolvimento da planta. ;
«A seara que se colhe em março é mais abundante, e 1
produz, termo médio, de i para 5o sementes. A que se
colhe em outubro, dá espigas e grãos menores, e produz '
de I para 40. j
«Depois da colheita conservo o grão destinado para sémen- j
te em espigas, que recolho em cestos de bambu os quaes
mando pendurar no tecto da cozinha, onde se conserva
muito bem. O grão livre do carolo, guardo-o em saccos de
serapilheira ou em fardos de palha de arroz, misturando j
em ambos os casos o grão com cinza do fogão por causa |
dos insectos. j
«O milho em grão costumo empregal-o em arraçoar o j
gado vaccum e cavallar. Reduzido a farinha é consumido \
em papas, ápas, bolos, e doces-, e em pequena quantidade j
também o emprego na panificação. j
«O milho, sendo por emquanto pouco conhecido, é raras !
vezes empregado na alimentação do homem. Não tem ain- j
da preço no mercado; mas espero que de futuro, avaliado
devidamente, venha a opulentar as subsistências do meu
PORTUGUEZA
197
paiz, e até a formar competência com o consumo do ar-
roz.
«Os caules, as folhas e as bandeiras costumo empregal-as
na alimentação do gado vaccum, que as come em verde c
depois de seccas.»
Deixando em Combarjua o illustre barão, major de ar-
tilheria do exercito de Goa, nosso prezado amigo, e homem
DANTEM OU MOINHO DE DESCASCAR ARROZ
tão digno quanto nobre e honrado, passámos ao palácio do
Cabo.
Este palácio, onde os governadores geraes costumam
passar a estação calmosa, está situado 8 kilometros a oeste
de Pangim, entre a praça de Aguada e a de Mormugão.
Tinha sido convento de franciscanos reformados, deno-
minado de Nossa Senhora do Cabo, e está situado no ex-
tremo Occidental do promontório do mesmo nome, sobre
grandes massas de rocha lateritica, n'um sitio aprazivel e
198 A índia •
1
fresco. Foi mandado edificar pelo vicc-rei Mathias de Al- i
buquerque no anno de 1Õ94, ]
O ex.™° governador geral, conde de Torres Novas, trans- j
formou este convento numa excellente casa de campo, J
substituindo as cellas por amplas salas e outras casas de i
habitação. Mandou concertar as duas cisternas de largas '.
dimensões, e junto delias construir quartos para hospedes, 1
casas para crcados e boids, uma coelheira modelo, uma '
capoeira e cavallariça* Estas edificações acham-se ao lado S
sul do jardim e pomar, circumscriptos por um alto muro '■
de pedra e cal. A igreja também foi concertada pela mes- ]
ma epocha. j
A igreja, o palácio e a sua extensa cerca são adminis- '
trados por um frade do antigo convento, que fixou ali a j
residência. ]
I
A cerca que se estende até á antiga porta da cidadella, i
acha-se toda povoada de cajueiros Anacardium occidentalc, i
mangueiras Mangifera indica, jaqueiras Artocarpus inte-
grifolia, e outras arvores fructiferas que, sombreando a !
estrada, a tornam aprazível. Foi n"esta cerca que os ingle- ■
zes, em 1799 e 1808, sem requisição ou pedido do nosso '
governo, a pretexto de nos auxiliarem contra os francezes, j
occuparam os pontos militares de Goa e edificaram os quar- *
teis, dos quaes nem ruinas existem actualmente. O que -•.
apenas resta dessa epocha de forçada e interesseira protec- '\
cão, fora do recinto da antiga cidadella, é o cemitério, que :■■
fica n'uma quebrada ao sul do outeiro, no sitio denomi- j
nado a Cova, onde se acham alguns garás de pescadores. >
Os inglezes só depois do tratado de Amiens e de muitas j
instancias do governo portuguez, é que largaram as nossas ]
fortalezas da índia no dia 2 de abril de iSi3. \
Dentro dos muros da antiga cidadella, no sopé do despe- '1
nhadeiro, que está fronteiro á fortaleza de Mormugão, existe
uma grande nascente de agua potável, que foi restaurada
pelo illustre governador visconde deVilla Nova de Ourem. ;
Desce-se para ella por uma escadaria, parte aberta na ro- í
PORTUGUEZA IQg
cha, e parte formada de alvenaria. Do lado opposto a esta
fonte, na praia da enseada do Cabo, que se acha compre-
hendida entre este Cabo e o forte de Gaspar Dias, demora
a Calheta, onde se desembarca indo pelo Mandov}^
A fortaleza chamada do Cabo, e cujas ruinas ainda se
vêem na base occidental do promontório, era uma grande
fortificação no s^-stema da de Aguada, no cume e praia oc-
cidental da ilha de Tissuar}', com sua cidadella communi-
cando com as baterias razantes, que envolviam todo o pro-
montório.
A couraça, que se vê representada no desenho, dominava
o grande canal, que jaz entre ella e a fortaleza de Aguada,
e outro canal que fica entre o Cabo e Mormugão. As suas
muralhas e baterias estão completamente arruinadas.
Quasi todas as fortificações do Estado da índia portugue-
za foram construídas em tempos anteriores á pratica dos
princípios de^'auban, e algumas até fabricadas inicialmente
pelos mouros. São copias exactas, das que temos no reino,
desses mesmos tempos, em posições similhantes, com seus
baluartes apertadíssimos e informes, e algumas ainda com
as velhas torres, barbacans e couraças que os progressos
da arte militar têem feito desapparecer. Quasi tudo se acha
já desmoronado e desfeito, como testemunho evidente do
nosso desleixo e ingratidão nacional.
Sente-se na verdade profunda mágua ao contemplar as
solitárias ruinas de Goa, onde os nossos maiores alcançaram
tão merecida fama.
Cara^^alem. — Uma estrada magnifica, de primeira classe,
mandada construir pelo ex."^° conde de Torres Novas, e que
de Pangim se dirige ao cães de D. Paula, liga por meio de
um ramal o palácio do Cabo com a capital do Estado. í^sta
estrada corre por entre densos palmares e casas de campo,
parallelas á esplendida praia de Carazalem, onde os euro-
peus vão passar a estação calmosa.
No extremo norte da praia está o forte de Gaspar Dias,
situado na margem esquerda do Mandovy.
•200 A índia
Gaspar Dias. — Este forte foi mandado construir pelo con-
de da Vidigueira, D. Francisco da Gama, no anno de iSgS,
para defender a embocadura do rio, quando a nossa costa
era infestada por piratas, taes como o Angrid e outros,
que traziam as povoações ribeirinhas em contínuo sobre-
salto.
O forte de Gaspar Dias, assim chamado por assentar
em terreno pertencente a um palmar deste nome, é uma
tenalha de lo peças, oppostas ao forte de Bardez ou dos
Reis Magos, cujos tiros cruzam com os daquelle.
Este forte defende o rio, não só porque a passagem do
banco terá ali apenas meia amarra de largura, mas porque
o mesmo rio entre os dois fortes não chega a ter 1:200
metros. Foi mandado arrazar pelo ministro Martinho de
Mello, mas apenas se desartilhou, accommodando-se então
nos seus quartéis o batalhão de artilheria, e na grande ter-
cena, que tinha na gola, o primeiro regimento. Na noite
de 4 de março de i835 foram os quartéis incendiados e o
forte desmoronado por artilheria, que o bateu pelo lado de
terra, e por a de um cuter e chata do lado do rio, por oc-
casião dos desastrosos factos que na índia se succederam
á restauração do throno da rainha e da carta constitucional.
Sete annos depois, o governador interino, José Joaquim
Lopes de Lima, mandou fazer os indispensáveis reparos no
forte e no quartel, que hoje serve de convalescença ás pra-
ças tratadas no hospital militar de Nova Goa.
Reis Magos. — Fronteiro a Gaspar Dias está o forte de
Bardez ou dos Reis Magos.
Este forte está situado no extremo sul da povoação de
Verem, na margem direita do rio Mandov}^, e, como já
dissemos, cruza o fogo de artilheria com o do forte de Gas-
par Dias, varejando o banco de areia, e obstando assim a
que embarcações hostis passem alem doestes dois fortes,
visto como o banco as obriga a seguir certas direcções
determinadas pelos dois canaes, fora dos quaes é imprati- j
cavei a navegação de grande tonelagem. Foi mandado con-
PORTUGUEZA
201
struir entre i55i a i554 pelo vice-rei D. Aífonso de Noro-
nha, no sitio onde existia o antigo forte que Aífonso de
Albuquerque tomou aos mouros no mesmo dia em que
conquistou o castello de Pangim,
Aquelle vice-rei deu-lhe o nome de Forte Real.
Em 1 589 o governador Manuel de Sousa Coutinho man-
dou construir a couraça
ao lume de agua, que
Mathias de Albuquerque
ampliou depois. Esta ba-
teria consta de sete pe-
ças com as canhoneiras
casamatadas, e apresen-
ta três faces unidas á ci-
dadella por duas corti-
nas, cada uma das quaes
tem uma escada seguida
com cento e vinte e
quatro degraus no inte-
rior do parapeito.
O vice-rei D. Fran-
cisco da Gama, 3.° con-
de da Mdigueira, man-
dou edificar o quartel do
commandante doeste for-
te no anno de lôgS; e,
segundo consta de uma
inscripção que se acha
no entablamento da por- vendedeira de arroz
ta sob as armas reaes,
foi reedificado em 1707, pelo vice-rei Caetano de Mello e
Castro.
É pouco defensável da parte de terra, apesar de estar
bem artilhado, e em soífrivel estado, porque é visto a ca-
valleiro por uma collina que lhe fica sobranceira. A sua
construcção é irregular e desproporcionada.
202 A índia
Tem um telegt^apho, que repete os signaes do de Aguada
para o do outeiro de Pangim.
Fora das muralhas, no largo fronteiro á igreja parochial
da invocação dos Reis Magos, faz-se annualmente uma fei-
ra no dia 6 de janeiro, denominada «feira dos reis».
Os vice-reis e governadores recemchegados ao estado
da índia eram hospedados neste' forte dos Reis Magos,
desde que desembarcavam até que tomavam posse do go-
verno, e ali sustentados durante três dias, pela junta da
fazenda publica.
Por provisão regia de S de janeiro de 1701, mandou-se
dar ao collegio dos Reis Magos, hoje extincto, 5oo xerafins
a titulo de esmola para aquellas despezas.
Actualmente os governadores geraes, quando chegam a
Goa, vão logo hospedar-se no palácio de Pangim, passando
o antecessor a residir em casa particular, emquanto não se
retira da índia.
Aguada. — Ao SO. do forte dos Reis Magos está a praça
de Aguada.
Esta praça, que primeiramente se chamou de Santa Ca-
tharina, assenta no extremo occidental da península de
Bardez, e é o limite norte da foz do Mandov3^ Debaixo de
suas baterias são forçados a fundear para o registo todos
os navios que demandam o ancoradouro da barra de Goa.
Foi começada a construir no anno de 1G04, e acabada a par-
te principal em 1612, como se deprehende da seguinte inscri-
pção que se acha collocada sobre a porta da fortaleza real:
REINANDO O MUI CATHOLICO REI D. FILIPPE
2.0 DE PORTUGAL MANDOU A CIDADE FAZER ESTA
FORTALEZA DO DINHEIRO DE UM POR CENTO, PARA
GUARDA E DEFFENSÃO DAS NÁOS, QUE A ESTE
PORTO VEM, A QUAL FOI ACABADA PELOS VE-
READORES DO ANNO DE lGl2, SENDO VIGE-
REI d'eSTE ESTADO RUI LOURENÇO DE TÁVORA.
Consiste em um recinto, que circumscreve a fralda do f
outeiro, que tem a mesma denominação da praça, e em
PORTL(iLEZA 2o3
uma cidadclla construída na parte mais ele\ada df) mesmo
outeiro. O recinto é unicamente interrompido nos pontos,
em que grandes penedos da costa ou rochedos porphiricos
inaccessiveis do lado da foz do Mandovy oíferecem uma
defeza natural; mas actualmente as suas muralhas estão
derrocadas em muitos pontos, principalmente na margem
do rio de Sinquerim.
A cidadella, no cume de um massiço de rocha metamor-
phica sobranceira á bateria onde está o quartel do major
da praça, e que ainda hoje se denomina palácio do gover-
nador, apresenta uma fortificação sem methodo, com quatro
baluartes, um dos quaes é muito irregular. Dois do lado
do norte têem faces, e uma espécie de orelhões com flancos
retirados, praças baixas e casas matas. Igual disposição
oíferece um dos outros dois, que ficam oppostos, e que do-
minam a subida, e a bateria baixa, que vareja o surgidouro.
Três cortinas desiguaes unem estes baluartes, de dois-dos
quatro partem ramaes, que formam differentes ângulos, e
são, de distancia em distancia, guarnecidos por pequenos
baluartes ou reductos, que se prolongam pelo declive do
outeiro até á parte correspondente do recinto inferior, cujo
espaço, assim fortificado, constitue o que se chama «For-
taleza real».
As suas muralhas e parapeitos, que são de alvenaria, e
estão bem conservadas, parecem construídas segundo os
preceitos ordinários. A roda das suas faces tem a cidadella
um fosso talhado na rocha, sufficientemente largo e fundo, e
na contra-escarpa tinha um caminho coberto, do qual ainda
se reconhecem vestígios na esplanada. A porta principal,
desta cidadella exposta a leste é defendida do alto do re-
cinto magistral e do ramal correspondente, e tem á entrada
sobre o fosso uma ponte de madeira, actualmente bastante
arruinada, parte da qual é dormente, e parte levadíça por
meio de cadeias de ferro.
As edificações, que existem dentro da fortaleza real, são:
o chamado palácio, antiga habitação dos governadores da
1
204 A índia ^
!
praça-, a capella de Nossa Senhora da Boa Viagem, que
serviu em outro tempo de parochia^ diíferentes casas para
prisões*, armazém da pólvora e munições de guerra; os
quartéis ou tercenas para artilheria; e na cidadella um alo-
jamento destinado para a guarda da porta principal; outro
armazém abobadado para deposito de pólvora; e uma torre
cylindrica, que tem quasi 12 metros de diâmetro e (S de al-
tura, na qual se accendia, até quasi aos fins do século xviii,
um pharol durante as monções das naus do reino, e que
era entretido por fachos ensopados em óleo de coco.
Em 1841 o governador interino, Lopes de Lima, mandou
coUocar n"este logar uma grande lanterna, com eclipses re-
gulados pela machina de um grande relógio, que bate as
horas num sino de 2:25o kilos de peso, e que foi para ali
transferido da torre do extincto convento de Santo Agosti-
nho de Goa. Actualmente está coUocado na mesma torre
o pharol do S3^stema Argand, do qual demos o desenho e
noticia a pag. q.
S. Lourenço. — Sobre o promontório circumscripto pelo
recinto da praça de Aguada está a igreja do martyr S.
Lourenço, mandada construir a expensas do vice-rei conde
de Linhares, que, por escriptura de 22 de fevereiro de ]635,
a entregou á administração dos religiosos de S. Francisco
da cidade de Goa.
O povo conserva ainda a antiga crença de que ao primeiro
tiro da salva, com que a praça de Aguada saúda a procis-
são, que no dia 10 de agosto sáe desta igreja, se afastam ji
as areias que obstruem a foz do Mandovy durante a mon- í|
ção de SO., e deixam livre passagem para a navegação in- íi
terior. j ;
Mormiigão. — O cães de D. Paula, mandado construir I
pelo ex.™° conde de Torres Novas n"uma pequena enseada iJ
ao sul de Carazalem, defronta com a praça de Mormugão, ' \
uma das mais fortes e das melhores do estado da Lídia. 1 ,
Comprehendida na província de Salcete, está Mormugão ' \
ou aldeia das Pérolas situada ao sul do Cabo, a 1 5°. 24'. 33" ' |
I
PORTUGUEZA
205
de latitude norte e 73°.49'.56"de longitude oriental do meri-
diano de Greenwich.
Esta praça tem no seu maior comprimento 1:980 metros
desde o limite oriental, no baluarte do Desterro, até ao
ponto mais occidental do forte de Malabar, e na sua maior
IGREJA DE S. LOURENÇO DE UNHARES
largura 1:210 metros, desde o limite septentrional da for-
taleza real ao ponto meridional do baluarte de Bombaça.
A extensão de todo o polygono mede 4:840 metros, e dá
em projecção horisontal uma superfície de 170 hectares." E
limitada ao norte pela embocadura do rio Zuary, ao occi-
dente e sul pelo oceano Indico, e ao oriente pelo pequeno
isthmo, que a liga á terra firme de Salcete. O isthmo tem
de largura 3oo metros proximamente.
206 A INDlA.
A superfície da península de Mormugão é declivosa, com I-
um extenso planalto assente em rocha conglomerada de na- |i
tureza trachitica, que afflora á superfície do terreno. t
Os terrenos são provenientes da desaggregaçao dos con- p
glomerados e do grés. |'
A flora é igual á das Ilhas c á de Salcete. Quando em !
i863 visitámos Mormugão, vimos ali muita salsaparrilha sj
espontânea, ruiva de tintureiro, algodoeiro vivaz, muitas !;
arvores e arbustos da familia das leguminosas, coqueiros, jj
mangueiras, jaqueiras, cajueiros e outras. \\
Existem eni Mormugão nascentes de aguas abundantes ii
e potáveis, muitas fontes de alvenaria construídas em 1703, [ii
das quaes ainda ali se encontram quatro encanadas e ador- t^
nadas e sete no estado natural; dois grandes poços pu- i]
blicos reconstruídos em 1862, um cielles em estado de rui- |;
na, e dois poços de construcção simples.
A salubridade do clima, a variedade de exposições, a pu-
reza da atmosphera, a abundância das aguas, o seu porto
natural, considerado o melhor de toda a costa do Malabar,
onde os navios podem entrar em todo o tempo e abrigarem- \']
se das travessias, durante a maior intensidade dos ventos j
de SO., a sua posição topographica a 2 3 kilometros da villa :
de Margão e i3 de Nova Goa, são poderosas circum«tan- ;;
cias, que concorrem para a importância que devia ter Mor- ii
mugão, se ali houvesse permanecido a capital do estado da ;;:
índia. :,
A praça de Mormugão começou-se a construir em abril j
de 1624 (governando a índia D. Francisco da Gama, 3.° 1
conde da Vidigueira, conforme reza a lapide, que se acha ■ :
sobre o pórtico da entrada), á custa da camará geral ou i .
agraria de Salcete, a quem sua magestade mandou agrade- jj
cer por carta regia cie 10 de março de 1(^40.
Em consequência da insalubridade da cidade de Goa, e [í
sobretudo por causa das repetidas invasões dos marathas,
e da que teve logar no principio do governo do vice-rei
conde de Alvor, fazendo receiar a perda da cidade, resol- •
2o8 A índia :
— ).
alicerces da cordoaria; o convento de freiras; a contadoria, ji
de que ainda restavam em bom estado as paredes; a alfan- ;i
dega e jardim adjacente; os quartéis próximos á porta do j.
Campo; o hospital e a casa da pólvora e da moeda. j|
Alem d"estas existem também, mais ou menos arruinadas, ii
as seguintes fortificações isoladas: o baluarte de Bombaça; :j
o do Malabar; o da casa da pólvora; o da casa da moeda, |
e o baluarte da Pedreira. '\\
Baluartes ligados por cortinas. — O baluarte Pedrinha, o j<
baluarte do Cabo, e mais quatro que se seguem a este, e
de que não podemos saber os nomes: — o do Desterro, o da
Guia, o da Boa Vista, o de S. Francisco, o de Santo An-
tónio, e a bateria do palácio.
Os edifícios, que encontrámos em bom estado, são os
que se seguem: o edifício da fortaleza real, onde actual-
mente reside o governador da praça, um quartel novo;
quatro armazéns, sendo um sobre a porta do cães; seis
casas de habitação sobre a porta do Campo, uma capella,
um pequeno quartel e uma prisão.
As obras feitas durante o governo do ex."^° conde da
Torres Novas, são: sessenta braças de muralha levantada
em diíferentes pontos da praça; concerto do baluarte do
Desterro, e do da porta do Campo; embellezamento do cães
com assentos de alvenaria, e um pórtico que dá ingresso
para um terreno ajardinado, que o intelligente, zeloso e
activo governador da praça, Francisco Adriano Pires Fer-
rari, nos disse destinar ao cultivo das plantas indígenas
medicinaes; um quartel, que se achava habitado pelo des-
tacamento de caçadores n.° i, pelo cirurgião da praça, al-
moxarife e oflicial commandante do destacamento de arti- \i
Iheria, e as respectivas cozinhas para o pessoal superior, [ij
para os soldados gentios, e outra para os christãos. - :
Um grande poço, que se acha situado junto do quartel 'A
do destacamento, foi desentulhado e concertado para uso ij
dos habitantes do mesmo quartel, e ajardinado o terreno j
em volta delle. Concertaram-se também duas prisões, e »
I
I
«
PORTUGUEZA 20Q
estava em construcção uma capella nas proximidades do
novo quartel.
Esta capella, feita por subscripção dos devotos, é desti-
nada á imagem de Santo António, que está collocada ha
muitos annos junto á porta da praça.
Desobstruiram-se igualmente as principaes ruas da cidade,
que ha muitos annos estavam intransitáveis e cheias de en-
tulho, proveniente das ruinas dos edifícios marginaes.
O pessoal da praça em i863 era o seguinte: um major
governador e commandante, um ajudante, capellão, cirur-
gião, almoxarife e o fiel do almoxarifado.
Ao serviço. — Um mocadão e três marinheiros, para a
tona ou barca de passagem destinada ao serviço da guarni-
ção, entre Mormugão e o cães de D. Paula, e doze galés
do arsenal destinadas ao serviço da fachina.
Guarnição da praça. — Um subalterno do regimento de
artilheria, um inferior, um cabo, um corneteiro e nove sol-
dados; um inferior de caçadores n.° i, um cabo e vinte e
quatro soldados.
Artilheria. — Existiam na praça as seguintes peças:
De calibre 1 2, montadas 12
» não montadas 4
» em mau estado 8 _^
De calibre 18, recebidas havia pouco de Portugal, 10
" antigas 3 o
De calibre 9, em bom estado 10
» em mau estado 2
De calibre 3, em bom estado i
De uma libra, em mau estado i
5i
De toda esta artilheria, só 12 peças estavam montadas
em reparos de madeira, sencio 7 na fortaleza real, e 5 no
baluarte da Guia.
2 IO A índia
As grandes ostrciras de pérolas acham-se na enseada,
na proximidade do isthmo, aonde por entre a areia da praia
se encontram facilmente aljofres ou pérolas miúdas.
Barra de Mormugão. — A barra de Mormugão é formada
pelo rio Zuary. Este rio, a partir da embocadura para a sua
origem, toma o rumo SE. verdadeiro, e SSE.-, no ancora-
douro tem de fundo -j, 4,5 e 5 braças^ na enseada 5, 6 e
7*, na foz do rio 2, 4,5:, dentro do rio 2, i, e menos ainda
de Rachol para cima. Na enseada podem invernar navios
redondos, tendo a cautela de ficar bem amarrados, e em
mastros reaes. De Aguada a Mormugão o fundo é de 5,
5,5, 6, e 7 braças sobre um fundo de pedra e areia; da
entrada da barra em diante o fundo de todo o canal até ao
surgidouro é de lodo, assim como d'ali até Rachol^.
Em Mormugão foi actualmente creada uma alfandega e
a topographia da praça alterada pelas exigentes necessida-
des do caminho de ferro, que d'este ponto se dirige para
Nova Hubli, trepando a cordilheira dos Gattes.
A aldeia de Mormugão, segundo o recenseamento de 17
de fevereiro de 1881, tem 1:451 habitantes, sendo i:3i7
christãos inclusive 7 europeus, e i34 não christãos.
O soberano hindu Zaquexy ou Zacquessy da dynastia
Cadame, que tinha a sede do seu governo na cidade de
Gopacpour, Goai, Goam ou Goc^ a que os portuguezes dc-
rani o nome de Goa, e hoje se denomina Goa Velha, situa-
da na margem direita do Zuary — que era então como será
I As ultimas noticias recebidas da índia dizem que o porto de Mor-
mugão já está apto para receber navios de grande tonelagem.
No dia i5 de abril do corrente anno (1S86) entrou ali a Veitbourne,
de 2:700 toneladas, exigindo 23,5 pés de calado de agua, carregado com
pesados volumes de machinas e outros artigos para o caminho de ferro.
Em 20 minutos o vapor entrou no porto, e encostou-se ao cães onde
descarregou.
Mormugão, depois de concluídos os melhoramentos, fica sendo o
primeiro porto da índia, superior em commodidades aos portos de Bom-
bay e Calcutá.
PORTUGUEZA 2 I I
no futuro o principal porto de Goa— lançou diversos im-
postos sobre as embarcações nacionaes e estrangeiras, que
entrarem por caminho de jnar nos rios encorporados ao
rio nascente da inlla de Gopacpour, para com o seu pro-
ducto se continuar a casa misericordiosa, como consta do
Formão datado de 976 da era gentílica, ou de 1064 da era
christã, exarado no Liv. das Mon. n.o 93, H. 1396, o qual
termina assim:
...«Quaesquer mercadores de quaesquer portos ou ci-
dades, cada um pagará a cada viagem duas moedas chama-
das Gadiannacas.
«Os barcos, que vierem das terras Malaias pagarão cada
um a cada viagem uma moeda Gadiannaca acima dita;
Parangue, ou Palia das mesmas terras que fizer viagem
cada um pagará cinco dramos, que também é moeda.
«Das terras Dulucas até lavatório de Guarna a cada via-
gem que fizer um Parangue, pagará cinco, e a embarcação
chamada Palia pagará um dramo. Esta é declaração dos
direitos que contribuirão as embarcações da parte sueste.
Declaração dos direitos que contribuirão as embarcações da parte do norte
«Das terras Sourastta, Gurgira, Ladda, partes do Con-
cam, e Veiomulie pagará cada um parangue a cada viagem
uma moeda de Gadiannaca.
«De Chipolana, Sanguemessuar, e Vallapatau, cada um
parangue que fizer viagem pagará cinco dramos, e galveita
dous dramos.
Declarações das embarcações mercantes de Chandrapour
«De Pendiana parangue pequeno, e paro pagará cada
um que fizer viagem dous dramos.
«De Sivapour paro pagará dous dramos, e sendo paran-
gue pequeno pagará um dramo.
«Todas as embarcações assim parangues como manchuas,
que entrarem por caminho de mar nos rios encorporados
212 A índia
ao rio nascente da villa de Gopacpour, ou Goa pagarão
pela declaração seguinte:
«O parangue, que vier carregado de mantimento dará
um curo da marca grande da medição da casa misericor-
diosa; e o mesmo dará manchua, que carregada vier de
mantimentos, e sendo embarcação pequena dará duas me-
didas ou oitavas da dita medição, o mais género, que vier
pagará com consideração da embarcação.
«Um gúne de mantimento pagará um mane que é duas
medidas ordinárias, e o mesmo dará sendo de especiaria,
e o género que trouxer de summo dangiddi dará uma ma-
nuá.
«De todo o metal, quer seja ouro e prata dará de cada
bhar, que importa trinta e quatro mãos e meia e algumas
xeras, um quarto de mão quem o vender, e outro quarto
dará o comprador.
«Pagará o vendedor de barco uma moeda de Gadianna-
ca, e outra uma o comprador.
«Pagará o vendedor do parangue cinco moedas de dra-
mos, e o comprador outras cinco.
«Mané uma, e barca, quem vender pagará dous dramos,
e o comprador dous dramos.
«Casa, palmar, e escrava quem vender, de cada um pa-
gará um dramo, e o comprador outro um.
«De todo o género acima dito, de peso, medida, fructo, e
summo será cobrado os direitos desta dita pensão pela me-
dida que serve na casa misericordiosa, da qual medida não
poderão usar os mercadores destas terras, para comprarem
qualquer género, que vier por caminho de mar;, e todo
aquelle género de mantimento, fructo, summo, e espécie de
metal, que acima fica declarado, pessoas que trouxerem, e
constrangerem da pensão, em não quererem pagar os seus
devidos direitos serão condemnados por auctoridade da
real ordem, visto todos os mercadores naturaes destas ter-
ras, e muitos estrangeiros dos portos ultramarinos, que de
presente estão por sua livre e boa vontade offerecerem,
I
PORTUGUEZA 2l3
como data voluntária, para obra de caridade, que se conti-
nuará na casa misericordiosa por serviço de Deus. E outro-
sim fica determinado que qualquer pessoa rica natural destas
terras, ou estrangeira que estiver achado, e succedendo
fallecer sem ter filho, não pertencerá sua riqueza a el-rei,
senão que ao depois de solemnisar sua morte, com grande
demonstração de que é devida, o mais que restar perten-
cerá ao thesouro da casa misericordiosa; para que suc-
cedendo morrer qualquer pobre ou desamparado sem ter
posse para despeza da solemnidade de sua morte, se des-
penderá do thesouro da casa misericordiosa.»
Esta casa de beneficência foi, como acabamos de ver,
fundada 43*2 annos antes de fr. Miguel Mendes de Contrei-
ras, natural de Andrães, na casa da Anta, comarca de Ailla
Real de Traz os Montes, frade trino e confessor da rainha
D. Leonor de Lencastre, mulher de el-rei D. João II, haver
inspirado a esta excelsa rainha a fundação das Misericór-
dias em Portugal.
O sêllo d'este Formão, escripto em nome de el-rei Zac-
quess}' pelo brahmaneMssuá Rupo, representa — Xaraxium
Avatar, 4.^ encarnação deMshnú.
1 I
1!
I
CAPITULO V
Bardez — Quartel de caçadores 4 — Real ponte D. Estephania — Portaes
de Britona — Forte de Tivim — Forte do Meio — Ilha de Arabó — Ca-
sa do Dessay — Darvazó — Pernem — Dessayados — Pagode de Bo-
gounti-deu — Fortaleza deTiracol — Tacarduma — Praça de Alorna —
Doddomaddogo — Bicholim — Maddy — Ticân — Bananeira — Casa-
mento gentílico — Parto — Sexto dia — Baptismo hindu — Pagode de
Mulgão — Quartel do 3.o batalhão — Pagode de Santer-deu — Ruinas
da fortaleza do Bounsuló — Casa do dessay de Lamagão — Houri —
Joguy Sorbé Sorá — Mossondy — Sadotas — Dorôbo — Tumulo dos
ranes — Luto — Sattv — Tulôssv — Pagode de Peligão — Tirta.
a madrugada de um dia de
fevereiro de i863 atravessámos
o Mandovy em companhia dos
g^mos sps_ conde de Torres No-
vas, conde de Sarzedas, con-
selheiro Joaquim Heliodoro da
Cunha Rivara, secretario geral
do governo, conselheiro João
Maria de Sequeira Pinto, pre-
sidente da Relação de Goa,
conselheiro Thomás Nunes da
Serra e Moura, procurador da
coroa e fazenda, Bernardo Lorena, Albuazar Ramires de
Lorena, e os ajudantes de campo D. Jorge Augusto de Mello
e José Maria de Queiroz, em direcção a JNLipuçá.
2l6 A índia
Ao desembarcar no cães de Verem foi o ex."^*^ conde de
Torres Novas, governador geral do Estado da índia, rece-
bido pelas principaes pessoas de Bardez.
Entrando na freguezia de Parra, viam-se muitos arcos
de triumpho, feitos de ramagens e íiores, e outros ornados
de sedas e damascos, musicas e dansas, que nos acompa-
nharam até ao limite da freguezia. Ahi substituiram-se
aquelles festejos por novas musicas e fogo de artificio, dis-
cursos, e h3-mno dedicado ao governador do Estado.
Em Mapuçá, capital de Bardez, renovarani-se estas de-
monstrações de regosijo pela ^•isita do illustre governador 1
geral a esta província, que só terminaram próximo da igre-
ja matriz, aonde nos dirigimos, acompanhados da camará
municipal, administrador do concelho, juiz de direito da
comarca, commandante do batalhão de caçadores n.° 4, e
muitas outras pessoas, a fim de examinar o local em que
se pretendia construir uma ponte. Era este o motivo da
visita do ex."'° conde de Torres Novas.
Terminado o exame, o sr. conde e a sua comitiva dirigi-,
ram-se á casa do sr. Francisco Lorena', onde passaram
a hora de maior calor, emquanto nós fomos desenhar o quar-
tel de caçadores n.° 4, que de Colual fora transferido para
aquella capital em 1841.
Barde-. — A província de Bardez, conquistada por Aífon-
so de Albuquerque, e depois reconquistada pelo Hidal-Kan,
pertenceu depois ao Estado da hidia portugueza por doa-
ção do príncipe Meale, tio do Hidal-Kan, sendo vice-rei da
índia jNIartim Affonso de Sousa, que d'ella tomou posse em
nome de el-rei de Portugal, na era christa de 1544.
Deriva-se a palavra Bardez de duas indígenas: bar, do-
ze •, e des, dessays :, doze dessayados em que foi dividida pelos
musulmanos. Tendo sido muitas vezes invadida pelo Mara- j
tha e pelo Bounsuló, é hoje a província do território de i
Goa a mais bem agricultada e povoada. Tem 225 kilome- j
1 Actual conde de Sarzedas.
PORTUGUEZA
217
tros quadrados de superfície, i villa, 27 freguezias, 41 al-
deias, 25:486 fogos e 109:951 habitantes, sendo 88:828
christãos, de ambos os sexos, e 2i:i23 não christãos.
A villa de Mapuçá, cabeça de comarca e do concelho de
Bardez, tem uma magnifica igreja, casa da camará muni-
cipal, quartel militar, um asylo' denominado de Nossa Se-
nhora dos Milagres, 2:285 fogos e 10:286 habitantes. A
igreja matriz d'esta villa soífreu um grande incêndio no dia
28 de abril de i838, sendo concluídos os melhoramentos
da sua reedificaçao em 10 de março de 1839. No dia de
Nossa Senhora dos Milagres celebra-se n'esta igreja uma
grande festividade, a que concorre muita gente de todos os
pontos do território de Goa.
Em Mapuçá e aldeias de Bardez publicam-se os seguin-
tes jornaes: O Imparcial — O Mensageiro — O Arya Bondu
~A Pátria íMapuçá) — Ga:{eta de Barde^ (Assagão) — A
Phenix de Goa e a União (Calangute).
Sob o ponto de vista ethnographico muito teríamos que
dizer dos bardezanos — que já tivemos a honra de repre-
sentar no parlamento — se não se oppozesse a Índole d este
trabalho. Todavia, diremos que são de constituição robus-
ta, morigerados, laboriosos e intelligentes, e as mulheres
mães amoraveis e formosas, como mostra o retrato (copia
de uma photographia) da ex.""^ sr.^^D. Amália de Figueiredo
(trajando panno paló), brahmane christã, natural de Aldo-
I Este estabelecimento de caridade foi fundado com donativos, e o
capital e juros do producto de uma subscripçao feita pelos principaes
habitantes de Bardez, para ofFerecer um baile e uma medalha ao nosso
prezado amigo, conselheiro Thomás Nunes da Serra e Moura, para com-
memorar os valiosos serviços prestados á comarca, onde exerceu o lo-
gar de juiz de direito de 186 1 a 62, cuja importância s. ex.a pediu que
fosse applicada na compra das primeiras pedras para o alicerce do pri-
meiro estabelecimento de piedade que se fundasse em Bardez. A subscri-
pçao produziu em i863 a quantia de 1:180 rupias, e hoje com o pro-
ducto dos juros, monta a mais de 2:600^^^000 réis nominaes. Bem haja
s. ex.a .
21(5 A índia
ná, e esposa virtuosa do sr. Vicente João de Figueiredo,
natural de Salcete, e um dos maiores proprietários da nos-
sa índia.
A aldeia de Aldoná tem uma magnifica igreja, que foi
construida, como quasi todas as igrejas de Bardez, pelos
frades franciscanos da Observância, em iSGg.
Estes frades entraram em Goa com AtTonso de Albu-
querque em i5io, e começaram a conquista espiritual de
Bardez, fundando no anno de i555 o collegio dos Reis Ma-
gos; e apoz esta multiplicaram rapidamente as fundações,
emquanto os jesuítas, que logo no principio da constitui-
ção da companhia (i54'2j se estabeleceram na índia sob a l
direcção do mestre Francisco, que hoje se venera com o
nome de S. Francisco Xavier, se encarregaram de reger
e doutrinar a christandade recentemente creada em Sal-
cete, aonde em 1367 foram destruídos duzentos e oitenta
pagodes, como veremos circumstanciadamente na segunda
parte d"este livro.
Mais tarde os religiosos de S. Francisco, afrouxando em
zelo e dedicação, e esquecendo antigas e louváveis tradi- j
ções, não procediam como erani obrigados para darem j
exemplo aos seus freguezes com sua vida e costumes. Estes jj
desmandos crearam tal fermento de desordem e perturba- !l
ção no Estado, que os vice-reis e governadores se explica- |l
vam para a metrópole n"estes termos: i;
«Nada dá tanto cuidado a quem governa este Estado o \t
em que elle se acha, como dão as contínuas perturbações à
dos Religiosos, que assistem nestas partes, sendo excepção ^J
de todos os Religiosos Dominicanos, e os Padres da com- \i
panhia de Jesus, porque só estes vivem com aquella mo- lá
deração religiosa, que em toda a parte costumam ter; po-
rém nos mais he insoífrivel a inquietação, que causam, pois
apenas se socegam os Religiosos de Santo Agostinho, quan-
do começam a contender os Capuchos, Franciscanos, e
Carmelitas; o que fazemos presente a V, Magestade para
que seja servido ordenar o como nos havemos de haver
y í
PORTUGUEZA
219
nas bulhas destes Religiosos, que devendo gastar o tempo
na conversão dos infiéis, o consomem e passam todo em
dependências particulares, parecendo os claustros mais
quartéis de soldados, que habitação de monges.»
Entre outros excessos inauditos praticados pelos frades,
contaremos o que consta de uma carta do vice-rei, 2." con-
de de Villa Verde, dirigida a sua magestade em i5 de no-
vembro de 1694 (L.° das Mons. 58, íl. 277), e que é o se-
guinte :
«Hontem, que se contaram 14 do corrente (novembro de
1694) estando no coUegio de S. Boaventura' o visitador e
provincial dos Observantes da província de S.Thomé d'este
Estado com alguns vogaes, que se hiam congregando para
o capitulo, que intentavam fazer a 17 naquella casa, succe-
deu que sahiram do convento 17 frades, os mais delles mo-
ços, armados com bacamartes, pistolas, e catanas, e ás
quatro horas da tarde entraram no dito collegio com escân-
dalo, e obrigaram ao seu visitador lançasse fora o religioso,
que tinha posto por presidente naquelle collegio, mettendo
de posse de força o Guardião delle, que estava suspenso,
e usando de todos estes meios tão abomináveis para que se
lhe não elegesse por Provincial um Fr. João de Santiago,
que determinava eleger a outra parcialidade. Vieram dar-me
parte deste successo alguns religiosos velhos, e mandei lo-
go participal-o ao Arcebispo, que na forma da ordem, que
nesta monção teve de V. Magestade me deu os seus pode-
res para os prender, implorando o auxilio do braço secular
contra elles. Mandei o Ouvidor geral do crime ao dito col-
legio, onde o não quizeram receber os frades amotinados,
tendo fechadas as portas, reclusos o Visitador, Provincial, e
os mais vogaes, que alli se achavam. Mandei cercar-lhe o
collegio de noute, e de manha, porque crescia cada vez
mais a resistência, lhe mandei chegar uma galiota ás pare-
I Vide gravura a pag. 79.
220
A índia
des do coUegio, e assestar-lhe a artilheria, a ver se este
terror os intimidava; porém não foi bastante, porque per-
sistiram no seu intento, e com pouca decência e respeito
exposeram o Santissimo Sacramento em uma janella do
dormitório, que cahe para o .rio (Mandovyj. Ultimamente
lhe mandei chegar uma peça por terra á portaria, e vendo
que com resolução lhe davam fogo para lhe levar a porta,
a abriram, e se entregaram. Trouxe o Ouvidor geral a to-
dos os presos, e com consentimento do Visitador, e Provin-
cial, os mandei uns para a Aguada, e para o pharol delia
os cabeças, outros para Mormugao, onde ficam presos para
os castigarem os seus Prelados, e eu terei attenção a que
o castigo faça exemplo.»
As várzeas e palmares de Bardez são importantíssimos.
Só um dos ramos da industria agricola, os coqueiros la-
vrados á sura, por exemplo, durante os seis annos da vi-
gência do tratado luso-britannico, produziram de imposto
para o Estado as seguintes quantias a saber:
Annos
Coqueiros
Rendimento
Rupias
Em 1880
17:721
19:757
18:434
16:447
15:840
I 5:334
i5:i45
18:799
17:252
28:213
43:889
5i:i57
Emi88i
Em 1882
Emi883
Em 1884
Emi885
1
io3:533
174:455
A taxa annual d'este imposto, por cada coqueiro, era de
I rupia nos primeiros três annos, foi elevada a 2 desde
o quarto anno, e actualmente é na importância de 4, sendo
provável que ainda seja augmentada no futuro pelo gover-
no de Goa a requisição do inglez.
PORTUGUEZA
221
Tres quartas partes da sura total dos coqueiros d'esta
província emprega-se na distillação de bebidas espirituosas,
sendo '/s para fhiim, Ys para cajulo, c ^j^ para urraca, e a
restante quarta parte applica-se ao fabrico de outras cousas,
taes como: Ys para jagra, Ys para vinagre, e '/g para niró
e para fermento do pão, segundo os dados officiaes publi-
cados na nossa índia.
^
^
/
indígena bardezana
Com relação aos cajueiros está calculado que o sumo
dos cajus d'esta província produz annualmente 25§:()i4
gallões imperíaes, dos quaes 240: 585 são empregados na
distillação, que produz 48:117 gallões de iirraca, e os res-
tantes 18:026 dão i:383 gallões de fenim.
O exclusivo da distillação dos cajus foi arrematado pela
quantia annual de 5:oio rupias durante o triennio de i883
222 A índia
a i885, em que começou o mesmo imposto, e pelo de 10:010
rupias para o triennio de 188G a 1888.
Ponte D. Estephania. — Na estrada que segue de Verem
pela província de Bardez na extensão de mais de 3o kilo-
metros até Sincreval, na fronteira da índia ingleza, estava
lançada sobre o rio de Assonorá, a ponte mixta, que re-
presenta o nosso desenho, denominada Real ponte D. Este-
phania.
Esta ponte foi mandada construir e solemnemente inau-
gurada pelo ex.™° conde de Torres Novas, no dia 16 de se-
tembro de i858, e, havendo-se posteriormente deteriorado,
foi substituída por outra toda de pedra, que se encontra
hoje no mesmo local da primeira.
A freguezia de Assonorá conta 2:907 habitantes, sendo
1:993 christãos e 914 não christãos.
Portaes de Britona. — No mez de março do mesmo anno
de i863, voltámos a esta provinda, pelo canal de Britona,
cujos Portaes o nosso desenho de pagina representa, e que
se acham situados um pouco ao norte da igreja de Nossa
Senhora da Penha de França, representada na vinheta com
esta designação, e adjacentes á casa da família do sr. dr.
José Júlio Rodrigues, illustradissimo professor da escola
polytechnica de Lisboa, e onde então morava o nosso ami-
go, o sr. António Filippe Rodrigues, distincto escriptor e
professor de inglez no hxeu de Nova Goa.
A igreja de Nossa Senhora da Penha de França foi man-
dada construir por D. Anna de Azevedo, que a doou aos
franciscanos em 1629.
Na parte central de Bardez está a notável igreja do
Monte de Guirim, construída pelos franciscanos em 1604.
E n'esta freguezia qne se encontra um collegio de gran-
de nomeada, fundado pelo benemérito e illustrado barde-
zano, o sr. padre Francisco Luiz de Gonzaga Athaide.
Março. — Como característico d"este mez, vêem-se espa-
lhadas pelo firmamento densas nuvens cirro-cuimilus no
horisonte a leste.
PORTUGUEZA 223
O mez de março é o verdadeiro mez de transição, quan-
to ás temperaturas atmosphericas. Ladeado dos mczes de
janeiro e maio, que apresentam os limites, minimo e má-
ximo, de frio e calor, satisfaz este mez ás exigências dos
que se aprazeni n'uma temperatura media.
Forte de T^/ww. — Chegando a Ti vim, desenhámos o forte
e cães doeste nome, e pouco depois o denominado forte do
Meio em Colual. A freguezia de Tivim contava em 1881,
3:827 habitantes, sendo 5:(544 christaos e i83 não christãos.
Ao occidente do forte está a igreja parochial, que foi con-
struída pelos frades de S. Francisco em 1627.
O forte de S. Thomé de Tivim foi construído em 1681,
e o do Meio em i635. A respeito d'estas fortificações apre-
sentou o engenheiro Manuel Pires da Silva o seguinte pa-
recer em I de dezembro de 1686: «A fortificação de Tivim
é um simples muro comprido, feito em parte da fronteira
de Bardez com umas três pequenas atalaias, a que cha-
mam fortes. Tem um fosso, feito para dividir as Velhas das
Novas Conquistas por aquelle lado, o qual não está acaba-
do, mas projectada a sua conclusão, para com ella se com-
municarem os rios de Chaporá com o de Bardez».
Estas duas fortificações foram construídas á custa da ca-
mará geral ou agraria de Bardez. Todas ellas, como as
de S. Braz, de Naroá, Ambarim, Quitéria, Corjuem, as
praças de Rachol e a fortaleza de Batagrama ou Bicholim,
tiveram baixa em 2 de janeiro de 18 10, á qual se deu exe-
cução nos dias 17 de abril e 24 de maio de 1834.
No forte denominado de S. Sebastião ou do Meio lê-se
sobre a porta principal a seguinte inscripção:
REINANDO O CATHOLICO REI DO FILIPPE X3X
GOVERNANDO ESTE ESTADO O VIGILÁTISSIMO DÓ
MIGUEL DE NORONHA CONDE DE LINHARES SE
FEZ ESTA OBRA l635.
Próximo d"este forte está a igreja de Colual, que foi fun-
dada pelos franciscanos em 1591, reconstruída em 1C78,
224
A índia
concertada depois do incêndio que soíFreu na invasão geral
do Sambag}^ em i683, e finalmente reedificada em 171 3.
De Colual passámos para a ilha de Arabó.
N'esta pequena ilha fomos hospedar-nos em casa do des-
say, o sr. Rogunatag}- Zossovonta Ráu; vendo-nos forçado
a mandar cozinhar fora d'ella, e a comer as nossas viandas
no alpendre, por não consentir a sua religião convivência e
contacto com os frangiiiiis ou europeus, e com os chris-
tãos nativos em economia domestica.
Ilha de Arabó. — A ilha de Arabó, situada ao S. da pro-
víncia de Pernem, na margem direita do rio de Chaporá,
em i863 tinha 100 fogos e 600 habitantes, todos gentios.
O forte d"esta ilha, que fora conquistado por D. Frederico
Guilherme de Sousa em 1781, tendo-o já sido em 1746 pelo
valoroso marquez de Alorna, não existe hoje. A sua guar-
nição até 1842 compunha-se de 34 praças, e havia ali mon-
tadas 7 peças de artilheria. Posteriormente foi mandado
abandonar e demolir pelos alicerces, não restando d'elle
actualmente mais do que o terreno, em que assentava. O
que ainda encontrámos foi a Darra:{ó, ou casa forte gentí-
lica, que representa a vinheta com este nome, mandada con-
struir pelos antepassados dos dessays d'esta ilha.
Pernem. — A província de Pernem, outr"ora dominada
pelo Bounsuló, foi submettida ás armas portuguezas em
1788, quarenta e dois annos depois de terem sido toma-
das as praças de Alorna eTiracol pelo marquez de Castello
Novo e depois de Alorna, sendo encorporadas nos bens da
coroa todas as rendas, foros, tributos e mais pensões, que
a província pagava ao seu dominante. Foram então arren-
dados todos os proventos variáveis, subsistindo, porém, sem
alteração alguma, os foros permanentes e fixos das aldeias,
com abatimento do soldo da gente da ordenança ou sonodo,
a quem o governo do Estado mandou pagar do mesmo
modo que o Bounsuló lhe pagava. Em 17Q4 rebellou-se a
província, que novamente veiu a ser subjugada em 1800,
assignando por essa occasião os gãocares das aldeias uns
PORTUGUEZA
225
termos, em que se promptificavam a pagar o mesmo que
antes da revolta. Este comrato ainda hoje se cumpre.
A província de^ Pernem é a mais septentrional do Esta-
do da índia. Confina ao N. com o rio Arondem; ao S.
com o rio de Chaporá*, por E. com a provincia de Manary,
do território britannico, e por O.^com o oceano indico.
Tem de comprimento de
E. a O. 20 kilometros, e de
largura média N. a S. lo
kilometros, perfazendo uma
superfície, approximadamen-
te, de 242 kilometros qua-
drados.
A sua população, deduzi-
da da estatística official de
i8<Si, é de 32:112 habitan-
tes, sendo 5:837 christãos e
32:012 não christãos. Conta
5:539 fogos, 3 freguezias e
28 aldeias, entrando n'este
numero a ilha de Arabó, re-
sidência do dessa}' deste ti-
tulo.
Dessãfãdos.— Existem na
provincia de Pernem os se-
guintes dessayados: Cansor-
vone, Morgi, 0~o?'i e o da ilha P\-~-
de Arabó, havendo ha pouco
tempo revertido á coroa por-
tugueza, por falta de successão, metade do dessayado desta
ilha.
Os dessajados e sar-dessayados são instituições puramen-
te feudaes ou concessões, que o dominante fazia, de certas
terras, rendas, cargos e direitos, com a condição de seus
possuidores lhe guardarem fidelidade e prestarem serviços
militares.
i5
VENDEDEIRA DE LOUCA DE PILERNE
►
220 A índia
Os portuguezcs, segundo o direito consuetudinário segui-
do entre os mouros, conservaram aos dessays as suas res-
pectivas mercês com as mesmas condições que lhes haviam
sido mantidas pelos dominantes musulmanos'.
O solo da província' de Pernem, pela maior parte pro-
veniente da rocha metamorphica, é povoado de excellen-
tes palmares (sendo os de Morgim os melhores que vimos
na nossa índia), de magníficos ciillagòrcs, ticaiis ou are-
caes^ e produz arvores fructiferas, taes como ponósso ou
jaqueira, chincha ou tamarindeiro, ca- ou cajueiro, e ou-
tras arvores fructiferas e silvestres, que lhe imprimem um
aspecto verdadeiramente pittoresco. Alem disso abunda em
várzeas de vangana e serôdio, e em salinas, que o tornam
productivo e valioso.
As florestas, situadas a E. da província, também aqui se
ostentam em soffrivel escala.
A zona florestal definida e demarcada pela commissão
das matas, da qual tivemos a honra de fazer parte na qua-
lidade de secretario e agrimensor, abrange a superfície to-
tal de 882'^^'^S2742 e comprehende as aldeias deTamboxem,
Mópa, Chandel, Ibrampur, Contual, Assapur e Anconem.
A flora dominante, que a povoa, é a marêta {tenninalia
glaba) e o quinzol [penlaptcra paniculata) . O estado d'estas
matas é lamentável, pelo abandono em que estão desde a
sua origem. Ainda assim o seu valor real é de 2o5:668 ru-
pias ou 82:267.^^200 réis fortes, representado por 822:674
I A propriedade de dessayados do Estado da índia, não podendo
continuar a ser regulada pela sua antiga organisação, visto que os pri-
vilégios que lhe eram inherentes não se podiam justificar na actuali-
dade, nem subsistiam já os únicos fins a que miravam taes mercês, pois
ha muito que todos ou a maior parte dos dessays haviam deixado de
satisfazer certas obrigações que ellas lhes impunham, foi por decreto
de i5 de dezembro de 1880 reformado no seu modo de ser, de maneira
que o interesse geral do Estado se conciliasse com os legítimos direitos
dos que a usufruíam. Assim o exigia a equidade, a justiça e o respeito
de antigos compromissos.
PORTUGUEZA 227
arvores, computadas a 3 tangas cada uma, seja qual for a
sua qualidade, grandeza e idade, considerando que cada
arvore occupa uma superfície de lo metros quadrados, tendo
em attenção as raleiras das Horestas.
Cassabé.—T)e Arabó passámos á Cassabé, ou capital da
província de Pernem, onde no tempo do Bounsuló existia
uma fortaleza irregular com atalaiões e cortinas setteiradas
de ameias, a qual D. Frederico Guilherme de Sousa con-
quistou no anno de 1783. D"esta construcção gentílica existe
apenas o pagode —que mostra o nosso desenho— e é con-
sagrado ao deus Bogountí.
As. ruínas d'aquella fortaleza foram demolidas em 1860,
por ordem do ex.™ governador geral, conde de Torres No-
vas. No seu recinto, aproveitada parte da pedra, foram edi-
ficadas a casa da administração fiscal, o quartel do desta-
camento, a casa da camará geral, que estacionam no pe-
queno outeiro á direita do pagode, e andava-se construindo
a igreja, quando ali estivemos em outubro de 1862, seis dias
depois de desembarcarmos em Pangim. No local da igreja,
que se estava edificando, fora construída em 1780 uma ou-
tra, a instancias do padre Patricio Fernandes, missionário de
Varím. A Cassabé conta 5 19 fogos e 3:268 habitantes, sen-
do 263 christáos e 3:oo5 não christãos. Tem uma t3'pogra-
phia, onde se imprime o jornal politico, intitulado O Pro-
gresso.
Tiracol. — Situada na margem direita do Arondem, á
beira do mar, na província de Ussopá, dos antigos domí-
nios do Bounsuló e presentemente dos ínglezes, está a for-
taleza de Tiracol, mandada construir pelo Bounsuló.
Esta fortaleza foi conquistada, em 23 de novembro de
174(3, pelo intrépido více-rei D. Pedro Miguel de Almeida
e Portugal, marquez de Castello Novo, e nunca mais a
perdemos, apesar de ter o inimigo tentado rehavel-a por
varias vezes, sendo a ultima em 181 7. Em i835, por occa-
sião das commoçôes politicas de que foi theatro o Estado
da índia, a fortaleza de Tiracol, onde se haviam reunido
228 A índia
alguns partidários do prefeito, Bernardo Peres da Silva, foi
tomada á viva força pelo governador militar Fortunato de
Mello.
Alem do recinto magistral sobranceiro á foz do Arondcm,
compÕe-se a fortaleza de duas couraças, que descem da ro-
cha para a praia e margem do rio, unidas por uma muralha,
que abrange a aldeia ali existente n'uma milha quadrada de
superfície. A sua posição favorece o commercio pela foz do
rio, que ella senhoreia e serve para interceptar a navegação
interior e proteger a alfandega, que a íiscalisa. Como posi-
ção militar, perdeu a sua importância, desde que os nossos
vizinhos inglezes se apossaram dos dominios do Bounsuló,
em virtude do tratado celebrado com o Rajá Quema Santo
Bounsuló, em 17 de fevereiro de 18 19, tratado em que o
Bounsuló reconheceu a auctoridade suprema do governo
britannico.
Em 1839 os inglezes, que então pretendiam (como ainda
hoje pretendem) augmentar os seus dominios indianos com
o pouco que actualmente possuímos na Ásia, vieram amea-
çar-nos a pretexto de que a auctoridade militar de Tiracol
tinha apoiado os insurgentes que se haviam levantado con-
tra o Bounsuló, protegido da Inglaterra. Não conseguindo
então os seus intentos, voltaram pouco depois com amea-
ças novas, terminando por oíferecer a troco de todo o nosso
Estado da índia, a quantia de 5oo:ooo libras (um ovo por
um real!), cujas ameaças e ofiferta o illustre e patriótico mi-
nistro, barão da Ribeira de Sabrosa, nobremente repelliu.
Nos alcantis sobre que assenta Tiracol existem umas ro-
chas denominadas Binddam Qiierim, onde as andorinhas
costumam fazer os ninhos, que são, como em Angediva,
muito procurados, e formam um dos principaes ramos de
commercio d'aquella pequena região, que os exporta para
a China, onde são considerados como um saborosíssimo ali-
mento.
Quando no dia i5 de março de i863 visitámos a aldeia
e fortaleza de Tiracol, tinha a aldeia 80 fogos, pela maior
PORTUGUEZA
229
parte pertencentes aos srs. Collopos de Mapuçá, e 486 ha-
bitantes, sendo 426 christãos e 60 gentios, que se emprega-
vam principalmente na distillação da sura. A fortaleza era
governada por um alferes da 4.^ secção, o sr. Remédio
Francisco de Noronha; e contava 16 peças de ferro de cali-
bre 6 e 9, montadas em reparos de madeira. Segundo as
informações que nos deu o sr. José Joaquim de Sousa, ci-
IGKEJA DE NOSSA SENHORA DE PENHA DE FRANCA
rurgião da praça, a sua guarnição compunha-se, alem do
commandante, de 1 capellão, i cirurgião, 2 sargentos, 16
praças de caçadores n.» 4 e 11 do regimento de artilheria
do exercito de Goa.
Tacarduma. — Na passagem deTiracol para a praça de
Alorna, no dia 17 de março, pernoitámos no pagode de
Dargaly ou Dargalim, aldeia de 2:857 habitantes, onde en-
2 3o A índia
contrámos os srs. dr. Luiz Adriano de Magalhães e Me-
nezes de Lencastre, digníssimo juiz de direito da comarca
de Bardez, Eduardo Salema, Alarico e outros, os quaes, a
convite dos srs. Collopos de Mapuçá, tinham vindo assis-
tir á Tacarduma ou representação dramática gentílica.
Representavam-se nessa noite as «Aventuras de Ravon»,
essa epopêa de Valmiki, em que o immortal cantor da con-
quista do Ceylão sublima com pompas de est3Ío as proezas
do heroe do Ramafana. Esta representação havia sido pro-
movida pelos srs. Collopos, principaes ma:[anes do pagode'.
Consagrado á deusa Xantadrugá ou Kaly, é o pagode
um dos maiores e mais sumptuosos da índia portugueza, e
aonde em 1817 esteve aquartelada uma grande força do
exercito de Goa, que foi mandada contra a praça de Rarim.
Depois de assistirmos á tacarduma, que terminou na
madrugada do dia 18, partimos para a praça de Alorna,
em companhia dos nossos coUegas da commissão das ma-
tas, os srs. coronel João Luiz de Oliveira e Filippe Nery
Xavier, de quem já falíamos.
O sr. coronel João Luiz de Oliveira-, natural de Lisboa,
depois de dezesete annos ininterrompidos de serviço militar
em Portugal, onde completou, com distincçao, o curso da
academia de marinha e de fortificação e fez as campanhas
da liberdade de i833 a 1834, foi em 1848 promovido a ma-
jor, para servir em commissão no Estado da Lídia, onde se
apresentou em 12 de dezembro do mesmo anno.
Em i85i foi nomeado para exercer as funcções de major
da praça de Aguada. D'aqui passou ao i.° batalhão de ca-
çadores e d"este para o de infanteria. Em março de 1854
foi nomeado commandante do batalhão de artilheria de
Macau, passando em seguida para o 3.° batalhão de infan-
teria da índia.
' Ma^anes, são os instituidores dos pagodes ou os seus descendentes.
2 Actualmente general de divisão reformado.
PORTUGUEZA 23 I
Mais tarde exerceu as funcçõcs de commandante do cor-
po da guarda municipal de Goa, de commandante interino
da praça de Mormugáo, de major da praça na capital da
índia, e, finalmente, foi nomeado administrador das matas
nacionaes em maio de iS58. Nesta commissão foi promovi-
do a tenente coronel e em seguida a coronel por decreto de
•if) de setembro de i863. Como s. ex.'' fosse n'este anno no-
meado presidente da commissão das matas, percorremos as
provindas do norte do território de Goa em sua companhia.
O sr. coronel Oliveira, homem honrado, intelli gente, acti-
vo e obsequiador, alem da commissão das matas, desem-
penhou com distincção outras muitas, pelas quaes recebeu
condecorações e louvores, que se acham consignados no
boletim official da índia.
Praça de Alorna. — A praça de Alorna acha-se situada
quasi na raia, a SE. da província de Pernem, sobre a mar-
gem direita do rio de Chaporá, que n^este logar recebe o
nome da mesma praça. Ponto militar péssimo a todos os
respeitos, pois que assenta em uma planície dominada pelas
alturas vizinhas, tem todavia excellentes muralhas, e por
isso foi tenazmente defendida pelos indígenas, senhores da
província. Apesar disso foram d ali expulsos em 5 de maio
de 1746 pelo valoroso marquez de Castello Novo, que ali
ganhou o illustre titulo de Alorna em memoria d'aquelle fei-
to. A sua conquista era indispensável, como o futuro se
encarregou de demonstrar, para obter a das províncias de
Batagrama e a de Satar}', protegidas pelas forças que n"ella
se apoiavam.
Por ordem do governo da metrópole foi ella entregue
no anno de 1761 ao Bounsoló, que, auxiliado pelos Ranes
de Satar}^ immediatamente se insurgiu, rehavendo as "ditas
províncias, e ameaçando a de Bardez.
N"este estado se conservaram, soffrendo varia fortuna,
até que no dia 2 5 de agosto de 1781 foram as mesmas
reduzidas a obediência, e a fortaleza reconquistada pelo go-
vernador D. Frederico Guilherme de Sousa.
232 A índia
O terreno pertencente á praça é delimitado ao S. pelo
rio, e nos restantes pontos cardeaes por um largo e profun-
do fosso, Comprehendem-se nelle a praça, um pequeno
bairro da aldeia de Alorna, um terreno plantado de palmei-
ras e outras arvores fructiferas, terras de arroz e outras
culturas. Entra-se para esta planície por uma pequena por-
ta, que demora ao N.
O fosso externo, formado por dois grossos vallados de
terra argillosa, ainda se acha coberto aqui e ali de denso
bambual, que no tempo da conquista era impenetrável, e
ao abrigo do qual os marathas offereciam uma forte resis-
tência, sem experimentarem damno algum. Em i863, e
ainda em 1871, quando ali estivemos pela segunda vez,
achava-se o fosso todo povoado de magnificas bananeiras,
cu)as folhas são consideradas de primeira qualidade para
embrulhar o tabaco, em forma de canudos ou viris — espé-
cie de cigarros — de que geralmente se usa em Goa.
Uma única porta, aberta no centro da cortina que olha
para o rio, dá entrada na praça, e, para se chegar a ella,
passa-se por uma lingua de terra da largura de 3 metros,
onde termina o fosso, em frente do pequeno cemitério.
A praça é um pentágono irregular com quatro baluartes
e um grande fosso, que facilmente se pôde inundar com
as aguas do rio, que também banham as muralhas pelo
lado de SO.
As muralhas estão perfeitamente conservadas, bem como
os quartéis e mais officinas. Em i863 tinha a seguinte
guarnição; i major da 4.^ secção, commandante e governa-
dor da praça, i alferes, ajudante, i capellão, i sargento re-
formado fazendo serviço, i cabo de esquadra, servindo de
condestavel, e i cabo e 10 soldados do 4.° batalhão de ca-
çadores. Era artilhada unicamente com 4 peças de ferro,
I em cada baluarte, sendo 2 de calibre 6, e 2 de calibre 9.
Em i836 foi a ultima vez que o canhão troou sobre estas
celebres muralhas de recordações gloriosas para o credito
das armas portuguezas.
PORTUGUEZA
233
Encontram-se no recinto da praça algumas palmeiras,
jaqueiras, mangueiras tamarindeiros e quatro cafeeiros.
A campina adjacente á praça é delimitada pelo rio e fos-
so exterior^ rende 7 '/a candis de arroz serôdio, e alimenta
40 palmeiras á sura.
O rendimento total é avaliado em 120 pardáos, ou xera-
fins de 5 tangas, sendo um terço para o ajudante da praça,
CAES E FORTE DE TIVIM
e as duas partes restantes para o commandante, com a obri-
gação de sustentar a passagem publica do rio, pagando 72
pardáos annuaes ao tónacar, que conduz a tona.
A situação de Alorna é risonha, aprazível e riquíssima
em pittorescas paizagens. Tem boa agua, é sadia, e abunda
em contrastes naturaes, que produzem agradáveis impres-
2 34 ^ índia ^
sõcs aos viajantes, que amam as maravilhas da natureza.
A aldeia conta 468 fogos e i:832 habitantes.
As praticas agrícolas em Pernem, como em toda a nossa
índia, estão, com raras excepções, no mesmo estado, em
que as descrevem os mais antigos historiadores brahmanes.
Esta rotina dos hindus, que não tem outra legitimidade se-
não na tradição e nos costumes herdados, é a causa prin-
cipal da escravidão e pobreza em que elles têem vivido
sempre, e a mais funesta máxima de seus primeiros legisla-
dores. Mais de três séculos de contacto como os europeus
não têem alterado os seus hábitos e usanças!
Da província de Pernem passámos para a de Bicholim no
dia 27 de março, seguindo a estrada de Sincreval c Dod-
domaddogo em direcção a Latamborxem.
Ás oito horas da manhã do referido dia 27 chegávamos
ao posto fiscal aduaneiro.
Alfandega de Doddomaddogo. — Este edificio, de que of-
ferecemos o desenho, foi construído no anno de 1847, sendo
governador geral da índia o sr. conselheiro José Ferreira
Pestana.
De Doddomaddogo dirigimo-nos á aldeia da Latamborxem,
onde vimos extensos e formosos arecaes.
Bicholim. — A província de Bicholim foi conquistada ao
Bounsuló pelas armas portuguezas, depois de tomada a pra-
ça de Alorna em 1746. Mais tarde, porém, foi perdida pela
revolta dos ranes da provinda de Satary, até e|ue D. Fre-
derico Guilherme de Sousa a reconquistou em 1781, junta-
mente com a provinda de Satary ou Sanquelim; ficando
os respectivos dessays de Carapur, Lamagão, Maulinguem,
Saler e ^'erdi na posse de seus dessayados, e concedendo-
se-lhes a percepção das rendas publicas, que pertenciam ao
Bounsuló, seu primeiro dominante.
Tem 21G kilometros quadrados de superfície, i freguezia,
3o aldeias, e comprehende 5 dessayados, 2:100 fogos com
20:520 habitantes, sendo 2:284 christãos e 24:245 não chri-
stãos.
PORTUGUEZA 2:>D
São afamados os arccaes de Bicholim cultivados pelos
bottos.
Arequeira. — A maddv ou arequeira — aréca catechu —
é uma espécie de palmeira, da tribu das arecineas, cultivada
com grande esmero pelos bottos da índia portugueza.
O espique d"esta princeza da flora indiana é cinzento,
cylindrico, e attinge ordinariamente lo a iG metros de al-
tura, não excedendo, porém, a circumferencia de 20 a 25
centímetros de diâmetro. O pouco desenvolvimento da gros-
sura do tronco, em compensação da sua extrema elevação,
expol-a-ía a ser mais vezes derribada pelos ventos íerraes, se
a raiz que a rixa profundamente ao solo, lhe não assegurasse
um solido ponto de apoio, e se as fibras duras e coreaceas
que a constituem, não offerecessem também uma grande
resistência aos ventos impetuosos.
O porte d" este vegetal é de uma elegância encantadora.
As folhas reunidas em numero de seis a oito, e guarnecidas
do lado do peciolo commum de foliolos estreitos e dobrados
na extremidade, são de côr verde-escura e do comprimento
de 2 a 3 metros. O sindy, ou ramo superior, constitue o ele-
gante capitel desta vistosa columna natural, cujas virentes
folhas, em forma de ramalhete, coroam magestosamente o
espique da maddy.
O fructo é uma noz carnosa com o pericarpo tibro-car-
noso, recoberto de uma membrana delgada, que não apre-
senta senão um septo monosperma.
A arequeira cultiva-se pelo interesse de seu fructo, que
entra na preparação do masticatorio de areca e betle, muito
usado pelos hindus, e que o grande Vasco da Gama vira
pela primeira vez no palácio de Camorim.
Reproduz-se por sementeira feita em viveiros. Depois,
quando a cavthi ou nova planta tem tomado um certo de-
senvolvimento, transplanta-se para logar abrigado, e que
possa ser facilmente irrigado. Por isso se escolhem para
formar os ticâns ou arecaes as proximidades dos rios de
agua doce, ou das nascentes de agua potável.
23G A índia
A cultura da arequeira é muito laboriosa. Requer grandes
cuidados pela necessidade dos repetidos amanhos da terra,
e pelas regas mais ou menos espaçadas segundo a natureza
do terreno.
Em geral, os arecaes são propriedade dos bottos, e cul-
tivados por suas mãos. Durante os primeiros cinco a seis
annos em que a arequeira não dá fructo, exige os maiores
cuidados.
Os padaquas ou fructos da arequeira são da grossura de
um ovo de gallinha. A casca, verde e fibro-carnosa, come-
se emquanto fresca. Dentro d"ella encontra-se uma amên-
doa denominada suparj', da grossura de uma noz moscada
oval, achatada na base, e na qual o perisperma, que é mui-
to acre e styptico, entra por numerosos prolongamentos do
tegumento da semente, e apresenta asperezas consideráveis.
Segundo a analyse feita por mr. Morin de Rouen' a noz
da areca compÕe-se: i.°, de acido gallico; 2.°, de uma gran-
de quantidade de tannino:, 3.°, de acetato de ammoniaco;
4.°, de um principio análogo áquelle que se acha nas legu-
minosas; 5.°, de uma matéria vermelha insolúvel; 6.°, de
matéria gorda e composta de oleina e de stearina; 7.°, de
óleo volátil; 8.°, de gomma', 9.°, de oxalato de cal; 10. °,
de fibra lenhosa; 11. °, de saes mineraes; 12.°, finalmente,
de oxydo de ferro e de sílica.
Cada arequeira produz, termo médio, 3 a 4 kilogrammas
de areca, e um arecal de i hectare de superfície, sendo bem
tratado, pôde dar 2:000 a 3:ooo kilogrammas de fructo.
A cultura da arequeira é susceptível de incremento nas
Novas Conquistas, onde se desenvolve admiravelmente.
Os hindus servem-se da areca misturada com caunchem-
pan ou betle (piper hetle, de Linneu), e cal viva, preparan-
do-a da seguinte forma: Depois de cortarem com um in-
strumento apropriado a noz da areca em alguns bocadinhos.
I Essai analytique sur les fruits de Taréquier. Journal de phannade,
lère série, 1822, tomo VIII, pag. 449-455.
PORTUGUEZA
237
tomam duas folhas de betle, e sobre ellas estendem uma
pouca de cal, em que envolvem um ou dois d'aquelles bo-
cadinhos, mastigando-os em seguida.
Depois de terem mascado o rolo por algum tempo, a sa-
liva tinge-se de um vermelho purpurino. Expcllcm esta pri-
meira saliva, por conter a maior parte da cal, e continuam
a mascar, até que não exista mais do que um sedimento
FORTE DE COLUAL OU DO MEIO
sem sabor, que também rejeitam, ficando-lhes os lábios
igualmente purpurinos.
Conjunctamente com as arequeiras costumam os bottos
cultivar sacarnimbú ou laranjeira (citrus laurantium),.w/m-
hu ou limoeiro (citrus limonum ou a.dáo)^jamboIet'ro (euge-
nia jambulona), ateira (anona squamosa), anoneira (anona
reticulata), arvore de dinnão (anona muricataj, goiabeira
(psidium pyriforme), cidreira (citrus medica), arvore do
pão (artocarpus incisa), torangeira, romãseira, videira, ba-
238 A índia
naneira (musa paradisíaca), ditTerentes espécies de cafeeiros,
e outras arvores fructiferas.
Alem d"estas arvores, cultivam as seguintes plantas hor-
tícolas: kiabos oií bendés (kibiscus escolentos), gonçalinho
(cucumis acuctangula), ouçandé (phaseolus vulgaris), milho
sorghojsorghum vulgare), bilimbeiro (averhoa bilimbi), ba-
geri (pennicuUaria spicata), inhame (dioscorea alata), caram-
bola (averhoa carambola), ananaz, bringella, pimenta, re-
donda, e outras plantas úteis.
Bananeira. — A bananeira (Mnsa) é um vegetal, que to-
dos os indígenas cultivam, pela importância do seu fructo
e das suas folhas. O fructo da bananeira é com efteito do
maior interesse para a subsistência do homem. \jm. feno —
penca ou cacho de bananas — contém muitas vezes de i6o
a i8o figos e pesa 3o a 40 kilogrammas.
Não se conhece planta que, em igual espaço de terreno,
possa produzir uma quantidade de substancia alimentícia
tão considerável.
Na banana madura o assucar está perfeitamente formado.
Acha-se de mistura com a polpa, e em tal abundância que,
se não fosse cultivada a canna de assucar no solo da índia,
poder-se-ía extrahir do fructo da bananeira com mais van-
tagem do que na Europa, da uva e da beterraba.
A banana, colhida verde, contém o mesmo principio
alimentício que o trigo, o arroz e o. sagú.
Do talo cortado em pedaços, e secco ao sol, extrahem os
habitantes das Novas Conquistas uma excellente farinha,
que lhes serve para os mesmos usos, em que se emprega a
do arroz e outros cereaes.
O figo maduro é um alimento muito agradável ao pala-
dar, que os gentios e os christãos da nossa índia preparam
de differentes modos.
As bananas, que, no Estado da índia, constituem, por
assim dizer, um ramo de commercio pela sua grande expor-
tação para a índia ingleza, podem conservar-se como as
tâmaras e os figos da Europa.
PORTUGUt:ZA 2Ó()
Galcula-se que uma porção de terreno de loo metros qua-
drados, plantado de bananeiras, pôde alimentar mais de cin-
coenta indivíduos hindus;, ao passo que na Europa o mesmo
espaço de terra semeado de trigo alimenta apenas dois eu-
ropeus.
A agua que por meio de uma incisão feita no tronco da
bananeira corre abundantemente, c empregada pelos indí-
genas como adstringente nas hcmorrhagias.
Uma espécie de tisana que elles preparam com as bana-
nas cozidas a secco em um vaso de barro, e com a casca
que se destaca d'ellas, fazendo depois ferver tudo em pouca
agua, é empregada com maravilhosos resultados contra as
tosses obstinadas e inflammaçóes do pulmão.
Finalmente, as fibras extrahidas do talo da bananeira
podem ser empregadas na fabricação do papel, e de vários
estofos.
A bananeira occupa um importante logar nas tradições
religiosas de diíferentes povos, e particularmente dos judeus
e dos christãos. Assim era ella considerada a an'ore da
sciencia do biblico Paraiso terreal; e posteriormente a tra-
dição fez crer que foi com as folhas da bananeira que o
primeiro homem cobriu a sua nudez. E sem duvida d"esta
tradição que se deriva o nome de Jigucira de Adão, pelo
qual é também designada.
Outros pensam ainda, que o enorme cacho de uvas leva-
do para a mesa da Terra da Promissão era um cacho de
bananeira.
E principalmente das folhas que os indígenas se servem
para fazer squs pot?\ii'oh's ; e também as utilisam como papel
para n ellas aprenderem a escrever quando mancebos e
para os seus rirís ou cigarros.
Ha cinco espécies principaes de bananeiras; mas as que
mais se cultivam em nossa hidia, são: a Musa paradishica
(bananeira do paraizo ou de fructos longos), e a Musa sa-
pientum (bananeira de fructos curtos ou figos de horta).
Nas montanhas mais elevadas das Novas Conquistas encon-
240
A índia
tra-se uma outra espécie de Musa, que os montanhezes
apellidam chounoj- ou bananeira silvestre. Esta espécie é a
Musa sylvestris; da qual os indigenas costumam extrahir
uma excellente farinha, de que fazem ápas para se alimen-
tarem.
A bananeira reproduz-se por pimpolhos. Quando se pre-
tende fazer uma plantação em grande escala arrancam-se
para esse fim os qombus ou renovos, que nascem das raizes
das velhas bananeiras, e que devem ter attingido de o'^,5o
a I metro de altura.
Com um golpe de moqui-cuãdoli, espécie de enxada pon-
taguda, separa-se da bananeira um pimpolho; corta-se a
haste á altura de o'^,22 acima do bolbo, e depois de se ter
aberto uma cova apropriada, enterra-se n"ella obliquamente
a nova planta, da qual se deixa a descoberto uma pequena
porção, o'",o6, pouco mais ou menos.
Passado um anno, e algumas vezes antes de findar este
praso, póde-se colher um ramo de figos maduros. A planta
morre logo depois de dar o fructo, mas succedem-lhe al-
guns novos rebentos, que provém da raiz, e assim se vão
reproduzindo.
A cultura da bananeira é uma das menos penosas e das
mais vantajosas. A bananeira, uma vez creada, não care-
ce, por assim dizer, de mais trabalho do que o de colher os
fructos.
Um campo, em Moira de Bardez, que, semeado de arroz,
rendia 2:000 pardáos, plantado de bananeiras chegou a pro-
duzir 8:000 pardáos annuaes, vendidos os cachos a 4 par-
dáos.
As flores da bananeira infundidas em agua e postas ao
sereno da noite, é um banho salutar para ophtalmias.
O pedúnculo, pisado e desfeito em agua ministra-se em
clyster, sendo bom remédio para curar d3'senterias rebel-
des. A fructa é emoliente e maturativa dos abcessos.
Estávamos em Nanorá, bairro da aldeia de Latamborxem
de Bicholim, quando se nos offereceu a occasião de obser-
PORTUGUEZA
241
var o cortejo do casamento de um rico gentio, que se diri-
gia ao grande pagode d'esta aldeia. O desenho, denomina-
do casamento gentílico, representa esta ceremonia, copiada
do natural, onde se vêem os noivos no seu palanquim, con-
duzido aos hombros de quatro bóias, e na frente d'este as
bailadeiras, mordangueiros e convidados, indo atraz do con-
ductor da mantapa ou umbrella um grupo de gentias com
CASA DO DESSAY D ARA13L
o dote da noiva e vários utensílios domésticos, emblemáti-
cos da vida conjugal.
Casamento gentílico.
Entre os gentios é o casamento
um dever prescripto pela religião, e considerado como uma
das mais bellas e das mais santas acções da vida do homem.
O celibato, quando não tem por desculpa uma absoluta
necessidade, é um estado deshonesto e infame, contrario ás
leis da natureza e ás vistas da Providencia. Os gentios
16
242 A índia
pensam que o individuo, que recebeu a vida, tem obriga-
ção de a propagar.
Em consequência disto quando qualquer gentio pretende
casar-se, acha todos, mas principalmente os da sua casta,
dispostos a auxilial-o no seu projecto. Assim, nem ao mais
miserável nunca falta consorte.
A polvgamia é permittida aos gentios ricos. Os pobres
contentam-se com uma só mulher;, e quando tèem tilhos
masculinos, conservam a esposa ordinariamente por toda a
vida.
O código' pelo qual se regem actualmente os habitantes
das Novas Conquistas, quando trata do matrimonio, diz no
artigo i.°:
cr Entre gentios e mouros é permittida a polvgamia simul-
tânea dos homens, e podem elles casar-se em toda e qual-
quer idade, ainda antes da puberdade; mas as mulheres
gentias não podem contrahir núpcias depois de púberes.
«Art. 3.° São prohibidas as núpcias entre os individues
de uma mesma tribu, gothra, ou entre pessoas que adoram
o mesmo deus primitivo e privativo da tribu, deus de PH-
Os gentios podem casar com suas sobrinhas, filhas de
suas irmãs, mas não com as filhas de seus irmãos, assim
como não é permittido a dois irmãos desposar duas irmãs,
isto é, um desposar a cunhada do outro. Todavia, estes
costumes nem sempre são observados rigorosamente, e em
Goa ha exemplo (ainda que só conhecemos um) de dois ir-
mãos terem casado com duas gentias irmãs.
As solemnidades das núpcias são todas religiosas. Nin-
guém as pôde dispensar; mas, conforme as leis de Manú,
destinam-se unicamente ás virgens.
Estas solemnidades são a sancção necessária do casamen-
to; e o pacto consagrado por estas preces fica completo, e
• Vide nota a png. 128.
P0RTL"Gur:zA 243
irrevogável ao sétimo passo dado pela noiva, de mão liga-
da com a de seu marido.
Pelo facto do casamento a esposa fica entregue ao mari-
do sem restricção nem compensação alguma. E como uma
escrava, sem consciência da sua individualidade e sem opi-
nião própria.
Os casamentos na índia são feitos com extraordinária
pompa e grande despendio. Para evitar a ruina de muitas
fomilias, foram, por alvará do i.° de fevereiro de 1G81, pro-
hibidos os excessivos festejos nos casamentos e baptisados;
mas pelo que observámos entre christãos e gentios, cremos
que nunca teve execução o referido alvará, nem outros que
posteriormente se publicaram com o mesmo fim.
A mulher gentia vive em uma perpetua dependência.
Segundo as leis de Manii, depende de seu pae durante a
infância-, de seu marido desde que se sujeita ás leis do ma-
trimonio-, e de seus filhos masculinos logo que lhe morre o
marido. Se não tem filhos, depende dos mais próximos pa-
rentes de seu maricio ; e quando este os não tem, dos paren-
tes de seu pae, e, finalmente, do governo, á falta de parentes
paternos.
Os casamentos concluem-se quasi sempre na infância dos
dois esposos, não podendo, todavia, consummar-se senão
passados dezeseis dias depois de manifestada a puberdade
da mulher. Porém se o marido morrer antes da consum-
mação do matrimonio, a joven consorte fica condemnada ao
celibato e a perpetua virgindade.
Em algumas pro\"incias do Industão mais afastadas da
acção civilisadora do governo inglez, ainda de quando em
quando ha sattys, ou queima das viuvas na fogueira, que
consome os cadáveres de seus maridos.
Mas não são só os inglezes que se têem opposto a este
bárbaro uso. Já nós os portuguezes nos oppozenios a elle
ha mais de três séculos, tanto por meio da auctoridade ci-
vil como ecclesiastica. Por provisão de 3o de junho de
i5()o, o viso-rei D. Constantino de Bragança, mandou que
1 \ ] A \s\n.\
as mulheres 'gentias se não queimassem vivas por morte de
seus maridos ou por outro qualquer caso; e o terceiro con-
cilio provincial' de Goa, celebrado em i585, pediu a sua
magestade que repetisse o mandato, e ordenasse também
que os gentios não obrigassem as viuvas a raparem as ca-
beças, mas que as deixassem em sua liberdade para se po-
derem casar, se quizessem.
N'este particular só agora, ha poucos annos, é que o go-
verno inglez promulgou uma lei, permittindo os casamentos
das viuvas, o que, todavia, acha grande resistência nos gen-
tios puritanos.
As gentias occupam-se do governo da casa, são boas
mães e esposas submissas e fieis.
A esterilidade é considerada como um estado humilhante
e uma grande infelicidade", e por isso as mulheres não pou-
pam nem as oblatas aos deuses, nem as esmolas aos pobres,
nem as offerendas aos bottos, para obterem os filhos, que
a sua infecundidade lhes nega.
Os gentios acreditam que não podem entrar no satlóco,
céu, sem que deixem filhos para lhes fazerem a sadota ou
ceremonias fúnebres, que lhes assegurem a felicidade de
suas almas no mundo dos espíritos.
Os gentios são obrigados a casar suas filhas na idade de
sete a nove annos; e os filhos, podendo casar em toda a
idade, costumam contrahir núpcias dos doze aos quatorze.
Como os maridos são extremamente zelosos da virgindade
de suas mulheres, é por esta rasão que as gentias se casam
antes da puberdade.
Aquella em quem se declara a puberdade antes do casa-
mento, fica inupta e é excluída da casta, o que é reputado
pelos gentios como a maior desgraça. As mulheres de casta
maratha são exceptuadas d"esta lei, e podeni casar depois
de púberes.
« As mulheres, diz Manú, que se unem a seus maridos
com o desejo de ter filhos, que são inteiramente felizes,
dignas de respeito, e que fazem a honra de suas casas, são
PORTUGUEZA
24D
verdadeiramente, sem ditíerença alguma, as deusas da for-
tuna.
«Dar filhos á luz, creal-os e occupar-se constantemente
dos cuidados domésticos, taes são as obrigações das mu-
lheres.
«Aquella que foi fiel a seu marido, e cujos pensamentos,
palavras e corpo são puros, obtém depois da sua morte o
mesmo logar que seu marido, e é chamada virtuosa pelas
pessoas de bem.
DARVAZO DE ARABO
«Pelo contrario, se a mulher tem um procedimento culpá-
vel para com seu esposo, chega neste mundo ao cumulo da
ignominia, e depois de morta renascerá no ventre de um
animal carnivoro, e será affiicta com enfermidades, taes
como a tisica e a lepra.»
As ceremonias, que precedem e acompanham a celebra-
ção do casamento, variam segundo as castas e as localida-
des. Entre as classes elevadas, e entre as pessoas ricas, os
24<) A índia
banquetes e as festas a que pelo seu uso estão obrigados,
são muito despendiosas, a despeito de todas as prohibições
da auctoridade e dos alvarás delia dimanados.
As mulheres das primeiras castas são tão reclusas, como
as dos mouros.
Manú recommenda a exacta observância das seguintes
disposições da lei:
«Dia e noite, diz Manú, devem as mulheres ser mantidas
num estado de dependência por seus protectores; e ainda
quando ellas tiverem excessiva propensão para os prazeres,
aliás innocentes e legítimos, devem ser submettidas por
aquelles, de quem ellas dependem, á sua obediência.
«Uma mulher está debaixo da protecção de seu pae na
infância, de seu marido na juventude, e de seus tilhos na
velhice. Xunca se deve conduzir pela sua phantasia.
« Um pae é reprehensivel se der sua tilha em casamento
em tempo impróprio (depois de se declarar a puberdade);
o marido se não cohabitar com sua mulher na sazão pró-
pria (aos de^eseís dias, como Já disse}}ios, depois de se decla-
rar a puberdade; o que tem lagar muitas ^'f-fs dos nove aos
de:[ amios de idade); depois da morte do marido, é repre-
hensivel o filho, que não protege sua mãe.
«Deve haver todo o cuidado em desviar as mulheres de
más propensões, por pequenas que sejam. As mulheres
que não forem vigiadas, farão a desgraça de suas famílias.
«Por mais fracos que sejam os maridos, considerando
que esta máxima é uma lei suprema para todas as castas,
devem ter todo o cuidado em vigiar o procedimento de
suas mulheres.
« O marido que recata sua mulher, honra a sua casta, a
sua familia, a si mesmo, os seus costumes e o seu dever.
«O marido, fecundando o seio de sua mulher, renasce ali
na forma de um feto, e a esposa se chama Diaya — deusa
do céu — porque seu marido delia nasce segunda vez.
« Uma mulher dá sempre á luz um filho dotado das mes-
mas qualidades daquelle que o gerou; c por isso que, a fim
MBBP,ríp
AREQUEIRA
PORTUGUEZA 247
de assegurar a pureza de sua família, o marido deve recatar
com cuidado sua mulher.
«A ninguém é possível conservar as mulheres por meios
violentos no cumprimento de suas obrigações; mas perfeita-
mente se consegue i§so por meio dos seguintes expedientes:
«O marido designe por obrigações de sua mulher a receita
e despeza de seus rendimentos, a purificação dos objectos
e do corpo, a preparação da comida, entretenimento dos
utensílios domésticos, e em geral a instrua no cumprimento
dos seus deveres.
«Encerradas cm casa, debaixo da guarda de homens fieis
e dedicados, não podem reputar-se em segurança; somente
se podem considerar seguras quando voluntariamente se
guardam a si próprias.
«O uso de bebidas espirituosas e de más companhias, o
separar-se de seu esposo, dormir em horas impróprias e
habitar em casa alheia, o divagar de uma para outra parte,
são acções deshonestas para as mulheres casadas.
«Taes mulheres não se importam com a formosura, nem
com a idade de seu amante; pouco 'lhes importa que seja
bonito ou feio; é um homem, estão satisfeitas.
« Mas, por causa da paixão que téem pelos homens, pela
inconstância do seu génio e natural falta de aftecto, é con-
veniente guardal-as com vigilância, para que não sejam in-
fiéis a seu esposo.
«Conhecido assim o caracter, que lhes foi dado pelo Se-
nhor das creaturas no momento da creação, os maridos
devem ter o maior cuidado em as recatar. »
O nascimento dos filhos c também acompanhado de ce-
remonias.
Logo que a mulher dá á luz, o chefe da família manda
offerecer um coco e um pouco de assucar ao seu deus, e
depois a todos os parentes e amigos, participando-lhes por
esta offerta o prospero acontecimento da sua família.
O pac do recemnascido esparge a casa com bosta de
vacca diluída em agua, para a purificar, e todos os habitan-
248 A índia
tes da casa esfregam a cabeça com óleo de coco;, tendo
depois Qf cuidado de a lavar e perfumar. A puerpera toma
douche de agua 'morna.
As ceremonias variam de província para província, e de
família para família. Entre os gentios da nossa índia costu-
mam celebrar-se, no sexto dia depois do parto, em honra da
deusa Satty, que preside ao nascimento e morte dos indi-
víduos, e que, segundo elles pensam, fixa os destinos dos
recemnascidos. Ha comtudo famílias que não celebram estas
ceremonias.
Consistem ellas em se coUocar, próximo á parturiente,
um montão de arroz — 13 litros proximamente — rodeado
de cocos ^ algumas folhas de betle, areca e ura pantim (can-
deia de barro preto) accesa; o que tudo representa a deusa
Satty. Quando tem logar a ceremonia da representação,
ha também tangeres de gliiimattas e outros instrumentos,
qual d'elles o mais dissonante, durando este estridulo con-
certo até ao romper da alva. Depois de desfeita a represen-
tação, o arroz, os cocos e outros comestíveis oíferecidos á
deusa, ficam pertencendo á parteira, que os leva para o seu
gard sem olhar para traz.
Os tangeres não se interrompem durante a noite, nem
tão pouco é permittido ás pessoas de casa o dormir, em-
quanto a parteira se não retirar com os objectos, que repre-
sentam a divindade, em honra da qual se praticaram essas
ceremonias.
Comtudo aflirma-se, que o fervor, com que taes solemni-
dades eram celebradas outrora, tem diminuído considera-
velmente, não tendo ellas hoje rasão de ser senão para cum-
prir uma formalidade da antiga religião brahminica.
Na casa em que taes ceremonias houverem de celebrar-
se, todas as mulheres que tiverem creanças, que ainda não
hajam attingido a epocha da dentição, retiram-se com ellas
para fora de casa, onde se conservam dez dias, receiando
que o xetàn, diabo gentílico, ao ser expellido do corpo da
puerpera, possa ir introduzir-se no das creanças, cuja boca,
PORTUGUEZA
249
ainda desprovida de dentes, não pôde obstar ao ingresso
do espirito das trevas.
No decimo primeiro dia, depois do parto, a puerpera, e
todas as pessoas da casa tomam uma porção de agua benta
gentílica ou paiicha-gávia; — nome composto de duas pala-
vras marathas jL^az/c/zíi, cinco, e gcivia, vacca; cinco secreções
e excreções de vacca, que são: diida
("leite), lounim fmanteigaj, tac (soro de
leite), chene (bosta) e tmita (urina).
A puerpera, emquanto não perfizer
dez dias depois do parto, conserva-se
incommunicavel dentro do quarto, ou
tem apenas trato com outra mulher,
que também não pôde communicar
com outras pessoas. Esta pratica é
igualmente observada com as gentias,
quando menstruadas.
Onze dias depois de se purificar com
a pancha-gávia, os parentes e amigos
da família reunem-se para denomina-
rem a creança, mas antes de lhe da-
rem o nome, que é quasi sempre o
de um de seus deuses, o botto ou o
chefe da família consulta a Postóca,
livro sagrado, tira o horóscopo do re-
cemnascido, e examina se os planetas
lhe são favoráveis. Se é o botto quem
faz a ceremonia, recebe as oíferendas,
que os pães da creança lhe dão, e a
solemnidade termina sempre por um banquete e por diver-
timentos.
Cada epocha obedece ás leis do seu desenvolvimento, na
proporção determinada pela Providencia.
A face do mundo pôde variar accidentalmente, o fundo
é sempre o mesmo. O progresso muda de forma, sem mu-
dar de condições dolorosas para o desenvolvimento do es-
SIPAY DO SONODO DE FERNEM
2!)0 A INlJlA
pirito humano. Aos enganchados e ás sattys dos gentios in-
dianos succedem as torturas e as fogueiras da inquisição.
E sempre o 'supplicio feito Deus, o carrasco rei do mun-
do.
Para o leitor fazer idéa de como eram ainda no princi-
pio d'este século celebrados os casamentos entre os indíge-
nas christãos da nossa índia, vamos transcrever aqui o
edital da inquisição de Goa, datado de 14 de abril de i73('),
e que reza assim:
«Os inquisidores apostólicos contra a herética pravidade
e apostasia nesta cidade, e arcebispado de Goa, e mais
partes do Estado da hidia, etc.
« 1 ." Mandamos, que os naturaes da índia, moradores
na ilha de Goa, c nas mais. ilhas suas adjacentes, e nas
provindas de Salcete, e Bardez, nas occasiões de seus ca-
samentos, nem antes, nem depois delles, nem em acção
alguma, que lhes diga respeito, usem de gaitas, e outros
instrumentos gentílicos, como até ao presente costumavam
fazer.
«2.° Que quando ajustarem seus casamentos, e entre-
garem os dotes, e lançarem as prendas, não convidem aos
parentes, assim homens, como mulheres, de noi^o, e noiva,
a que costumam chamar Daigis ou Golris (maioracs da fa-
mília) para assistirem nas ditas funcções:, e quando algum
delles, sem ser convidado, se ache presente, não seja o que
em nome do noivo receba o dote, nem lhe lance, ou entre-
gue a prenda da noiva*, e farão estas acções precisamente
os pacs, ou tutores do noivo, ou outra pessoa ecclesiastica,
ou secular de respeito, quando assim o queiram fazer por
auctorisarem o noivo, ou noiva.
«3.° Que quando levarem os dotes a casa dos noivos,
e quando passarem as prendas, e celebrarem os ajustes, c
em todas as mais funcções pertencentes aos casamentos,
assim nos dias d'elles, como antes, e depois não mandem
da casa do noivo para a casa da noiva, nem da casa da
noiva para a do noivo fullas (flores) de qualquer qualidade
PORTUGUEZA 2 Dl
que sejam, nem betle, e areca, nem outra qualquer cousa,
que substitua a falta das ditas cousas prohibidas.
«4.° Que nas funcçÕes de seus casamentos, e cm todas
as que a elles disserem respeito, não repartam pelas pes-
soas, que assistirem em casa do noivo, ou da noiva, virós
(rolos) de bede e areca, nem em publico, nem em particu-
lar^ e quando queiram usar das ditas cousas, os ponham
na mesa sem delias fazerem repartição nem delias tirarem
as pessoas assistentes com ordem alguma de honra, e pre-
eminência, mas sim cada uma conforme acontecer.
«5.° Que nas funcções de seus casamentos, e em todas
as que a elles disserem respeito, não mandem, da casa do
noivo, ou da casa da noiva saguatc (presente) algum de
fuUas, betle, areca, fugueos, ou de qualquer das ditas cou-
sas, a casa de seus DaÍL(is ou Goiris, e seus parentes, nem
á de outra qualquer pessoa.
«(3.° Que nas occasiões de seus casamentos, e em todos
os actos, que se dirigirem, e ordenarem para a solemnida-
de delles, assim em casa do noivo, como da noiva, não
cantem, nem em publico, nem em particular, as cantigas,
que se costumam cantar na lingua da terra, e se chan^iam
\ulgarmente vorios, e quando queiram fazer algum festejo
em demonstração de alegria, não seja com cantigas, que
tenham similhança com os ditos voviós, e nunca em taes
funcções cantarão pessoas femininas parentes, ou Daigis do
noivo, ou da noiva.
«7.° Que em nenhuma occasião, nem com pretexto al-
gum, se cantem em suas casas as cantigas chamadas roviós,
nem em publico, nem em particular, para com etfeito se
extinguir o uso das ditas cantigas entre os fieis christãos.
«8.° Que nas occasiões de seus casamentos não princi-
piem, assim em casa do noivo, como da noiva, ou em ou-
tro qualquer logar, em dias determinados antes dos casa-
nlentos a pilar, o arroz, moer as temperas, e a farinha, fri-
gir os fugueos, e preparar as mais cousas necessárias para
os banquetes dos casamentos, nem fazerem os taes serviços
252 A índia
em primeiro lugar alguma pessoa, ou pessoas parentes, ou
Datgis do noivo ou noiva; mas sim façam os ditos serviços
no tempo opportuno, e convenientemente á expedição das
cousas, concorrendo nelles simultaneamente as pessoas ne-
cessárias, sem preferencia alguma, nem respeito a algum
costume até agora observado.
«9." Que nas funcções de seus casamentos, nem em
qualquer acto, que se dirigir, ou ordenar para elles, espe-
cialmente no dia do ajuste, no oitavo dia antes do casa-
mento, na véspera, e no dia do casamento, e no dia seguin-
te, e no terceiro, quinto, e oitavo dias, depois do casamento,
se não façam ao noivo e noiva, ou estando juntos, ou sepa-
rados, unturas de açafrão moido, leite, e azeite de coco,
farinha de arroz, pós de folhas de abolim, nem de outras
quaesquer cousas,
«io.° Que nas occasiões de seus casamentos, nem em
qualquer acto, que se dirigir, ou ordenar para elles, espe-
cialmente nos dias acima declarados, se não façam lavató-
rios ao noivo e noiva juntos, ou a cada um d'elles separada-
mente, para os quaes lavatórios concorram outras pessoas,
porque sendo preciso lavarem-se, o farão por si mesmo, e
somente com assistência de outra pessoa, para lhes admi-
nistrar a agua, a qual pessoa não será o parente, ou Daigi
maior do noivo ou noiva.
«11° Que nas occasiões de seus casamentos não façam
ramadas ás portas da casa do noivo e da noiva.
«12° Que no dia de seus casamentos, quando se reco-
lherem da igreja o noivo e noiva para a casa da noiva, e
no dia seguinte, quando forem da casa da noiva para a do
noivo, não sejam nas ditas casas recebidos pelos parentes e
Daigis da noiva ou noivo, nem se sentem debaixo do docel,
ou citai, mas sejam logo conduzidos para a casa, que lhe
for conveniente, nem os parentes, ou Daigis da noiva ou
noivo lancem fullas sobre os noivos, e hospedes, que os
acompanharem, nem os borrifem com agua cheirosa.
«i3.° Que os seus casamentos sejam feitos a taes horas,
PORTUGUEZA
253
que possam os noivos chegar á casa, antes de se pôr o sol,
e que com nenhum pretexto se demorem no caminho, de
sorte que se recolham depois do sol posto.
« 14.° Que debaixo da cama, em que dormirem os noi-
BAXANEIRA
vos, se não ponha betle, areca, nem outra alguma cousa
comestível.
«i5.° Que nos dias de seus casamentos, nem no dia
seguinte, assim em casa do noivo, como da noiva, quando
entrarem nas ditas casas, não sejam logo conduzidos ao
logar, em que houverem de dormir, por alguma pessoa de
suas gerações, nem pessoa alguma os cubra com algum pan-
2 34
A índia
no, nem lhes dê de beber pelo mesmo copo a ambos, nem
lhes dê a comer alguma fructa, ou iguaria, que por ambos
reparta.
«i6.° Que nos banquetes, que íizereni nas funcçõcs de
seus casamentos, não sirvam á mesa os parentes do noivo,
ou noiva, que se chamam Daigís ou Gotris, o que se não
entenderá com as pessoas, que morarem na mesma casa
do noivo, ou noiva, nem com os parentes do noivo, e noiva,
em primeiro grau de sanguinidade por linha recta e transver-
sal;, e as pessoas que servirem á mesa, nas ditas funcções,
sendo de qualidade, que costumem andar calçadas, não
farão o dito serviço descalças.
ai-].^ Que no dia dos seus casamentos, depois de se re-
colhereni da igreja, em que se forem receber, a noiva não
vista os pannos, e mais alfaias, nem se orne com as jóias,
que no tal dia dos casamentos lhes vierem da casa do noi-
vo, nem quando seja necessário mudar de trage, o noivo
administre á noiva o panno para ella vestir, e na mesma
forma, que o noivo no dito dia não mude de trage despindo
o vestido com que se receber, e vestindo outro, que em
casa da noiva se lhe der, neni quando se deitarem, o
noivo diante de outras pessoas, principalmente femininas,
dispa a camisa, e calção branco por vestir outro calção e
camisa.
«iS.° Que no dia de seus casamentos, nem depois d'elles
em outro qualquer dia assim em casa do noivo, como da
noiva, nenhuma pessoa lhe toque nas testas com grãos de
arroz cru, nem faça outra alguma ceremonia similhante.
«19.° Que nas occasiões de seus casamentos desde o
dia da celebração do ajuste inclusive, até passar um mez
depois de casarem, não vão o noivo e noiva, ou ambos jun-
tos, ou algum d'elles separadamente, nem de dia nem de
noite, a casa do Daigi maior de suas gerações.
«20.° Que se no dia seguinte ao de seus casamentos
forem, como costumam ir o noivo e noiva para casa do
noivo, não tornem dentro de tempo de um mez para casa
PORTUGUEZA 2 55
da noiva, e se não forem no dito dia para casa do noivo,
se conservem ao menos pelo mesmo tempo de um mez em
casa da noiva, e de nenhuma sorte se façam convites, nem
mandem sagoates para effeito de os noivos irem de uma
casa para outra.
«2 1.'' Que quando o noivo, e noiva forem da casa da
noi\'a para a do noivo, ou da do noivo para a da noiva,
nem elles, nem alguma das pessoas que os acompanharem,
levem algum bate, areca, fugueos, cocos, arroz, nem outra
qualquer cousa comestível.
«22.» Que as pessoas que levarem alguma roupa, e jóias,
ou outras quaesquer cousas, nas funcções de seus casamen-
tos, da casa do noivo para a da noiva, não vão adornadas,
nem enfeitadas, nem levem outros vestidos, mais que os
usuaes.
«23.° Que nem antes, nem depois de seus casamentos
com respeito a elles, dêem cousa alguma a pessoa, que ti-
vesse servido o officio de Mulv (primeiro gãocar) de qual-
quer aldeia, bairro ou districto.
«24.^^ Que qualquer pessoa masculina, ou feminina, que
exercitasse o officio de Mulv em qualquer districto, ou fi-
zesse as suas vezes, não assista a nenhuma funcção dos
casamentos, excepto somente nos de seus filhos e filhas.
«25.° Que das cousas comestíveis, de que fizeram seus
banquetes nas occasiões de seus casamentos, não reservem
alguma porção para cozinharem e comerem em algum dia
determinado.
«2().° Que nas funcç<5es de seus casamentos, assim em
casa do noivo como da noiva, não ponham em algum dab',
supo, panella, ou outro qualquer logar, arroz, legumes, co-
cos, betle, areca ou outra qualquer cousa comestível, que
fique reservada em logar determinado para se cozinhar, e
conier em dia certo.
«27.° Que quando nas occasiões de seus casamentos lhes
seja preciso fabricar fogões novos para fazerem os comeres,
não ponham debaixo dos ditos fogões betle e areca, nem
256 -^ índia
outra alguma cousa, que não for necessária para a fabrica
dos taes fogões.
«28.° Que quando nascerem seus filhos, e filhas, se não
recebam ao nascer, nem depois de nascidos se ponham so-
bre arroz crú.
«2q.° Que no sexto dia depois do nascimento de seus
filhos' e filhas não celebrem com banquete publico, nem
particular, nem com ajuntamento de muitas pessoas em suas
casas, a funcção da vigia, e quando entendam ser necessá-
rio ter mais cuidado nas creanças pelo perigo que no tal
dia lhes consideram, não façani acção, neni ceremonia al-
guma, que excedam ao tal cuidado ; e porque não só os natu-
raes da índia, mas muitos moradores da ilha de Goa, e mais
ilhas suas adjacentes, provindas de Salcete e Bardez, e
ainda os portuguezes observam até o presente o costume
de celebrarem o sexto dia dos nascimentos de seus filhos e
filhas com banquete e outras demonstrações de festejo, lhes
prohibimos a continuação do dito costume na forma sobre-
dita.
«3o.° Que nos dias dos partos de suas mulheres, nem
antes, nem depois d'elles com respeito aos mesmos partos, se
não bosteie o logar da casa, em que o parto tiver sido ou
houver de ser.
((3i.° Mandámos que as mulheres dos ditos naturaes
da índia por tempo de dois mezes depois de seus partos
não lavem os corpos junto de algum poço-, e quando lhes
se) a conveniente lavarem-se em outro logar, não ponham
n'elle betle, areca, ou outra qualquer cousa comestível.
«32.° Que por tempo de um anno depois do nascimento
de seus filhos, e filhas, os não levem, nem mandem levar a
casa do Daigy, ou Gotri maior da sua geração.
«33.'' Que "quando as mulheres casadas lhes vier a pri-
meira vez, e principiarem, a ter a purgação menstrua, não
façam n'esse dia banquete, nem demonstração alguma de
festejos, nem mandem sagoate de figos e fuUas, nem de
outras quaesqucr cousas com o pretexto da dita novidade.
PORTUGUEZA
257
«34.° Que morrendo alguma pessoa, se não bosteie o
logar, ou casa em que morrer, como condição para no dito
logar, e casa se poder assistir; e quando seja necessário
alimpar o dito logar, se fará por diverso modo, que não
seja bosteando-o.
«35.° Que não lancem no mar, nem no rio, a roupa do
uso, nem a cama de alguma pessoa defunta; e quando seja
necessário, por evitar algum
contagio, queimarão as ditas
cousas.
«36.° Que em nenhuma oc-
casião convidem pobres para
lhes darem banquetes em suas
casas pelas almas de seus de-
funtos em commum, ou de al-
gum d"elles em particular; e
quando queiram dar esmolas
aos pobres pelos ditos fins,
lhas poderão dar por diverso
modo, mas nunca dando-lhes
banquete. _ ._
«37.° Que pelo tempo dos '"^^'^'^\
finados, ou depois da morte
de alguma pessoa, ou em ou-
tra qualquer occasião, não
façam banquetes em suas ca-
sas em memoria dos seus de-
r PAPTEIRA
luntos.
«38.0 Que pelo tempo da novidade não façam banquetes
em suas casas.
«39.° Que em suas casas se não faça o serviço da cozi-
nha pela mulher, ou mulheres principaes, estando estas com
o panno, que tiverem vestido, molhado, ou lavando o corpo
com o panno vestido, primeiro que entrem a fazer o tal
serviço, na forma que costumam fazer as gentias.
«40.° Que não usem nas suas comidas de arroz cozido
¥•
oSS A índia
sem sal, misturando-lhe depois o sal por modo de achar
(^conserva) como costumam fazer os gentios.
«41.° Que não jejuem nos dias undécimos da lua nova,
e lua cheia, nem em outros dias, en"i que os gentios costu-
mam jejuar, por observância de sua seita, e quando nos
taes dias aconteça haver obrigação de jejuar por preceito
da Igreja, jejuarão em observância do dito preceito, e seja
o jejum feito segundo o estylo dos christãos, e não confor-
me costumam jejuar os gentios, não comendo, nem beben-
do, senão de noite, e usando de comeres seccos, e fructas.
«42.° Que não guardem os dias de quartas-feiras, nem
os dias das luas nova, e cheia, nem os dias duodécimos das
ditas luas, como dias santos, nem outros quasquer dias,
que os gentios costumam guardar; e quando nos taes dias
haja algum de guarda por preceito da Igreja, o guardarão
meramente em observância do dito preceito.
«43.° Que nos dias das luas nova, e cheia, e nos dias
duodécimos das ditas luas, não façam banquete, nem so-
lemnidade alguma.
44.° «Que nos dias dos eclipses da lua não estejam em
jejum, até que a lua tique livre do eclipse, nem façam ban-
quete, ou outra qualquer solemnidade.
«45.'' Que não usem, nem em publico, nem em parti-
cular, os homens de purvens, que costumam usar os gen-
tios, e as mulheres dos choles, que costumam usar as gen-
tias.
«46.° Mandamos aos ditos naturaes da índia, e também
a todos os moradores dos sobreditos districtos ainda portu-
guezes, que não tenham nos quintaes de suas casas, nem
nos anganans, nem em seus palmares e fazendas, a planta
chamada Tiilossi\ e em qualquer parte donde a houver, a
arranquem logo.
«47.° Mandamos aos ditos naturaes da índia, e todos os
moradores dos ditos districtos, ainda portuguezes, que não
tratem a pessoa alguma christã pelo nome ou cognome de
gentio.
PORTUGUEZA 2^9
«48.° Que nenhum exercite o officio de. Miily, nem por
► tal seja havido e reconhecido.
^■•■. «49.° Que em nenhuma occasião, nem com qualquer
*^' pretexto, dêem cousa alguma a pessoa, que exercitasse o
oííicio de Miilf, ou suas vezes fizesse em attençao ao dito
officio.
«5o.° Que não tratem com respeito de honra e preemi-
nência a pessoa alguma, que exercitasse o officio de Miily,
ou suas vezes fizesse, nem as taes pessoas sejam as pri-
meiras, que façam os serviços das culturas dos outeiros, e
vargeas, e mais lavouras, nem as primeiras, que cubram as
suas casas antes do inverno, as quaes cousas todas se farão
sem distincção, conforme a commodidade de cada um.
<(5i.° Que nos três dias das carnes toUendas, que vulgar-
mente se chamam do entrudo, não brinquem os homens e
rapazes de alguma aldeia ou bairro todos juntos pelas portas,
e que, aos que brincarem sem ser com o dito ajuntamento,
se não dê cousa alguma comestível, nem bazarucos (pe-
quena moeda do tutunaga) nem outra qualquer cousa.
«52.° Mandamos aos ditos naturaes da índia, e a todos
os moradores dos ditos districtos, ainda portuguezes, que
nas procissões, e encamisadas, e outras quaesquer festas,
que se fizerem de dia, ou de noite em louvor de Deus, e
de seus santos, não vá pessoa alguma christã, vestida em
trage gentílico, nem sejam admittidas pessoas gentias nas
ditas funcçÕes a dansarem, ou fazerem qualquer festejo,
nem n'ellas se use de rabanas, gaitas, e mais instrumentos
gentílicos, de que os gentios costumam usar nas solemni-
dades de seus pagodes, e somente poderão as pessoas chris-
tãs usar do trage gentílico em alguma representação verda-
deira, como a dansa, que se costuma fazer em o dia da
conversão de S. Paulo, ou outra similhante.
«53.° Mandamos aos ditos naturaes da índia, e a mais
moradores dos ditos districtos, ainda portuguezes, que nas
procissões, encamisadas, e outras quaesquer festas, nenhuma
pessoa, por jocorice ou por representação burlesca, se dis-
26o A índia '5
.(
I
farce em trage de Clérigo ou Religioso, nem façam acção (
alguma de arremedo ás ceremonias e ritos da Igreja. i
«54.° Mandamos que em os Passos da quaresma, em i
que se representam as acções da Paixão de N. S. Jesus ;
Christo, assim nas Igrejas de Clérigos, como dos Regulares, ;
não haja figuras vivas ou mortas que as que representarem i
ao mesmo Senhor, ou a imagem de Nossa Senhora, e ai- ^
guns santos, que conduzirem para a verdade da represen- ,
tacão, e também poderão haver algumas figuras de anjos, j
segundo a concessão, que tiverem do ill."^" sr. arcebispo \
Primaz; porém de nenhuma sorte haverá a figura de Pila- ;
tos. Judas, Anaz, Caifaz, Herodes, nem de Fariseus, nem j
outras mais, que as acima declaradas, das quaes resultam- ]
não só escandalosas indecencias, mas também muitas ido- í
latrias materiaes. ■
«55.° Mandamos que nas procissões, que se fizerem pelo
tempo da quaresma em representação da Paixão de N. S. )
Jesus Christo, assim nas Igrejas dos Clérigos como dos Re- ,
guiares não vão as figuras do Centurião e Fariseus, dos 'j
quaes resultam os mesmos escândalos e perigos. 3
«56.° Mandamos a todos os moradores dos ditos distri- 'j
ctos das ilhas de Goa e mais ilhas suas adjacentes, provin- \
cia de Salcete e Bardez, de qualquer estado e condição, ,
que sejam, não concorram, assistam, nem de qualquer sor- .;
te cooperem para qualquer das acções acima prohibidas.» 1
Ao infractor das disposições d"este edito oííerecia o tri- j
bunal do santo officio cárceres medonhos, a tortura e a fo- í
gueira, para o delinquente purificar a memoria e não mais i
esquecer os beneficios, que generosamente lhe prodigalisava 1
em nome de Jesus Christo! •
Contra estas e muitas outras leis de absurda intoleran- ^
cia, emanadas do Orlem- Gôr ou palácio da inquisição, os ]
indígenas das classes principaes oppozeram sempre resisten- j
cia invencível e triumpharam, porque o seu desenvolvimento ]
intellectual e moral offerecia maior somma de energias do
que o dos conquistadores europeus.
PORTUGUEZA
261
No dia i.° de abril partimos de Nanorá, aldeia de 1:062
habitantes, em direcção ao pagode de Mulgao, um dos mais
importantes da província, que se encontra na estrada que
de Assonorá conduz a Bicholim e do qual oíYerecemos o
desenho.
A aldeia de Mulgao tem 875 habitantes, sendo 47 chris-
tãos e 828 não christãos.
Ah^il. — As manhãs de abril
são quasi sempre muito agradá-
veis, porque se desenvolve pelo
firmamento, especialmente no
principio do mez, um véu cirro-
so e pouco denso, que, encobrin-
do o sol ligeiramente, evita a
acção livre dos seus raios sobre
a terra.
O agradável aspecto das ma-
nhãs d'este mez é desde remotos
tempos proverbial. (íAs manhãs
de abril » diziam os velhos india-
nos, «e as tardes de setembro,
só podem ser excedidas em bel-
le^a pelas noites de dezem-
bro » .
As tardes são calmosas o mais
das vezes, e durante as primei-
ras horas da noite observam-se
alguns relâmpagos nos quadran-
tes de SE. e NE.
O sol já no hemispherio boreal desde os últimos dias do
mez de março predispõe á estação calmosa os habitadores
d"este hemispherio e os phenomenos precursores da mon-
são de SO. começam a perturbar as condições meteoroló-
gicas que se experimentavam nos mezes precedentes, dando
em resultado alterações de tempo bom e mau.
De Mulgao dirigimo-nos á cassabé de Bicholim, onde
SIPAY DA ADMINISTRAÇÃO
202 A índia
desenhámos o largo do quartel do 3.° batalhão de infanteria
e o pagode de Santer-deu. Tem a cassabé 419 fogos e 2:840
habitantes, e é cabeça de comarca e de concelho pelo de-
creto de 14 de dezembro de 1880.
Na tarde do dia 2 de abril (quinta feira maior ) visitámos
e desenhámos as ruinas da antiga fortaleza do Bounsuló,
onde se encontram os restos de uma mesquita de mouros,
que mostra a vinheta com idêntico nome.
Em seguida fomos a Lamagao, e aqui desenhámos a casa
do dessay d"este dessayado, que conta 355 habitantes todos
gentios.
Horas depois desenhávamos o pequeno houri — gruta ou
templo monolitho — denominado dos Pondáos.
Houri de Lamagão. — Esta gruta, aberta numa grande
rocha lateritica, e outras grutas, de que daremos os dese-
nhos, quando nos occuparmos das respectivas províncias
em que se encontram, foram os primitivos templos gentíli-
cos, na epocha em que a religião brahminíca se estabeleceu
nestas localidades. Mviam antigamente n'estas grutas os /o-
gufs ou sannyassis, penitentes nús, que presentemente se
encontram nos pagodes. Em Dargal}' vimos ojogiiy Sorbé-
Sorá, de trinta e dois annos de idade, que vindo de Madras-
ta, havia cinco mezes, ali estabelecera a sua residência com
toda a inflexibilidade de princípios dos primitivos tempos de
Brahma,
Jogiiy. — O individuo que na hidia abraça o estado de
jogiiy deixa de ser homem para tornar-se uma porção da
divindade. Os objectos terrestres não lhe impressionam os
sentidos. Olha com inditferença o bem e o mal, o vicio e a
virtude*, sente apenas as necessidades da natureza, sem
comtudo se dominar por qualquer paixão*, soffre paciente-
mente a fome, a sêdc e toda a espécie de privações; e logo
que é obrigado a comer, usa indifferentemente, e sem esco-
lha, das primeiras substancias que achar á mão.
O verdadeiro jogity vive nos raens ou florestas virgens e
sagradas, em alguma houri ou em pagodes retirados do
PORTUGUEZA 203
povoado. Ainda que nú dos pés á cabeça, tendo apenas os
órgãos sexLiaes cobertos com um pequeno panno denominado
langotim, é insensível ao frio e ao calor, ao vento e á chu-
va. Tem o mais soberano desprezo por todos os homens,
qualquer que seja a sua jerarchia social, e não presta atten-
ção alguma ás suas acções boas ou más. Não encara pessoa
alguma, não falia a ninguém, não recebe uma visita. Suas
inclinações, suas aífeiçÕes, seus pensamentos estão invaria-
^elmente fixos na divindade, da qual se considera, desde a
vida actual, como fazendo parte integrante. Mve absorto na
meditação das perfeições divinas, e todos os objectos terres
três são para elle como se não existissem.
Na pratica da penitencia e da contemplação se funde
pouco a pouco a parte material do joguy; até que por fim
não reste do penitente, por assim dizer, senão a apparen-
cia, a sombra de um corpo, um phantasma immaterial.
Chegado desta maneira á meta da perfeição, o joguy aban-
dona este mundo terreno, e crê ir unir-se inseparavelmente
á divindade no satlóco ou mokcha — região eterna — para
ali gosar perpetuamente de uma felicidade inalterável.
yiossondy. — Na margem direita da estrada que da cas-
sabé de Bicholim se dirige a Sanquelim, á entrada do bairro
de Vitholapur, acha-se um mossondy — cemitério ou logar
onde são queimados os cadáveres dos gentios.
Quando passávamos pela estrada, procedia-se á queima
de um gentio; e como desejássemos tomar nota de tudo
quanto nos parecesse digno de estudo, presenciámos esta
fúnebre ceremonia, não sem grande repugnância, por ser a
primeira vez que assistíamos á cineração de um cadáver, e
ainda pelo mau cheiro, que exhalava a carne queimada do
finado conconon, próximo do tumulo de Zaibá Ranes.
O desenho do Mossond}' de Morgim, mostra melhor, do
que o poderíamos descrever, o que mezes depois observá-
mos.
Sadotas. — As sadotas, ou ceremonias fúnebres entre os
gentios, variam segundo as castas.
204
A INDlA
Quando o gentio está nos paroxismos da morte, mettem-
Ihc na mão direita o rabo de uma vacca, que, sendo de côr
preta e leiteira, tem mais virtude, na persuasão de que a
alma do moribundo transmigra para o ventre da mesma
vacca, que consideram sagrada.
Logo que morre um gentio rico, os parentes reunem-se
para proceder aos funeraes, Apressam-se em prestar-lhe os
ruínas da mesquita dos mouros
últimos deveres, porque as pessoas de familia, e mesmo os
vizinhos que moram na rua por onde deve passar o pret,
ou cadáver, para o mossondy, não podem tomar alimento
algum emquanto elle não estiver na sua ultima jazida. Por
este motivo é que, em portaria do governo geral de 18 de
agosto de i838, se permittiu aos gentios queimarem os ca-
dáveres antes de vinte e quatro horas, conhecendo-se que
não morreram de morte violenta.
PORTUGUEZA
2()D
Emquanto as pessoas encarregadas do funeral vão con-
struir no mossondy, que demora nas proximidades da po-
voação, a pyra em que deve ser queimado o morto, as mu-
lheres da casa e as da vizinhança, que são convidadas para
fazer babaré — carpir — , estão lamentando em altos gritos
o passamento.
O botto, ou o maioral da casa, que preside á ceremonia,
depois de tomar banho, colloca o
defunto no doróbo, que é, como
mostra o desenho, um terreno
bosteado de fresco, em frente do
Tiilóssy (arbusto sagrado como
ao diante se verá), que estanceia
no centro, ou defronte de toda a
habitação gentílica.
Em seguida liga em torno do
dedo annuUar do cadáver uma
hasteasinha da herva denominada
darbha, que também reputam sa-
grada, e purifica a casa com as-
persões de pancha-gávia. O pa-
rente mais próximo do finado
pronuncia uma prece, finda a qual
põe em torno do cadáver a herva
sagrada, e accende num vaso
novo de barro o fogo religioso,
que é alimentado por bosta de
vacca, secca e pulverisada.
Concluída esta ceremonia, recita mysteriosamente ao ou-
vido do morto as palavras da iniciação. O botto esconjura
os astros para afastar as suas influencias funestas; evoca a
alma do finado, e observa a constellação sob a influencia
da qual elle passou d"este viver transitório para a vida eter-
na; roga de novo a Yama, deus julgador dos mortos, lhe
seja propicio, lhe perdoe as fíiltas, e se digne impedir as
más influencias dos astros que presidiram ao fallecimento.
ARMEIRO GENTIO
266 A índia
Terminadas as precedentes cerenionias, collocam o ca-
dáver nYima espécie de padiola feita de bambu, e, coberto
com um panno novo de algodão branco, c transportado
para o mossondy por dois ou quatro gentios da classe do
fallecido.
Antes de collocarem o cadáver sobre a P3'ra, apertam-
Ihe o nariz, deitam-lhe no rosto alguma agua, tocam-lhe no
estômago, e fazem-lhe grande estrépito aos ouvidos, para
se assegurarem de que não dá signal algum de vida.
Depois de deitarem sobre a meda de lenha aromática
alguni bate, nachinim, gengibre, óleo de coco, betle e outros
productos agrícolas indígenas, introduzem uma moeda de
cobre ou de prata debaixo da pyra, representando o preço
da compra do terreno, em que o cadáver tem de ser quei-
mado, e n'ella o depositam em completa nudez. O parente
mais próximo c o primeiro que lhe lança fogo, e os outros
parentes, emquanto as chammas vão consumindo o cadá-
ver, estão lamentando em altas vozes a irreparável perda
do finado.
Quando a cineração do cadáver está concluída, apanham
as cinzas, e metteni-nas dentro de um cestinho de bambu
feito ad hoc; e passado o tempo do luto, que é de dez
dias, depois de se purificarem com a pancha-gávia, lançam,
com outras ceremonias, os restos do finado ao mar, ou a
um rio próximo da localidade.
Alguns hindus ricos vão de muitas léguas de distancia
deitar as cinzas de seus maiores ao rio Ganges, na cidade
sagrada de Benáres ou Caxv.
As classes ou castas inferiores da sociedade hindu não
queimam os seus mortos, nem submettem á cineração as
mulheres que morrem durante a gravidez, as puerperas,
os recemnascidos, e aquelles cujo óbito se verifica antes
de receber a ceremonia do sut ou ■{anvem — espécie de
baptismo—, que consiste na collocação da linha ou cordão
de três e mais fios, que os brahmanes usam a tiracollo da
esquerda para a direita. Também não são submettidos á
PORTUGUEZA 267
cineração os gentios, que perecem de typho, de bexigas ou
de cholera-morbus: estes são embrulhados em um grosso
panno de algodão branco, e enterrados.
Succedendo finar-se alguma gentia na occasião do parto,
ou até ao decimo dia depois d'elle, isto é, antes de se ter
purificado com a pancha-gávia, é enterrada com repugnan-
tes e selvagens ceremonias, a fim de que se não transforme
cm Xetãn, e venha perturbar o repouso da familia. Estas
ceremonias, que se praticam principalmente entre o vulgo
gentio, consistem em cortarem as articulações dos membros
superiores e inferiores da finada, em lhe cravarem no alto
da cabeça un"i prego de madeira de cazeró (strichnos nitx
romica), e em lhe taparem todas as aberturas naturaes do
corpo com batoques da mesma madeira. Feito isto, é aberto
um buraco na parede da casa, e por ali se tira o cadáver
mutilado.
Cortam-lhe as articulações, para que não possa voltar a
casa-, cravam-lhe o prego no alto da cabeça, para lhe ani-
quilar a alma, que suppÕem existir ahi endemoninhada;
tapam-lhe as aberturas naturaes para que o xetãn, que Jul-
gam introduzido no corpo, não possa sair por ellas; tiram-
na pela abertura da parede, que tapani immediatamente á
saída do cadáver, para evitar que volte ao seio da fami-
lia, acreditando que os mortos não podem reentrar em casa,
senão por onde tiverem saído para o mossondy, e entregam-
se a outras muitas praticas supersticiosas, segundo as lo-
calidades, as castas, e o grau de civilisação que possuem.
Acontecendo fallecer em casa o chefe ou qualquer mem-
bro da familia, em dia presidido por uma constellação de
mau agouro, abandonam todos a casa, durante um certo
período de tempo.
Luto. — O luto dura dez dias, como já dissemos, e con-
siste em os homens cortarem os bigodes e os cabellos,
excepto o chindim, madeixa de cabello que todos os gen-
tios deixam crescer no alto da cabeça; em não se pinta-
rem, e absterem-se de alimentos assucarados, e do uso
268 A índia
do betle e areca. No undécimo dia toda a familia se pu-
rifica com a pancha-gávia, e faz-se então um grande ban-
quete em honra do finado, o qual se repete todos os an-
nos pelo anniversario de seu fallecimento.
Satty. — As viuvas não são queimadas em holocausto,
como eram antigamente nas pyras consumidoras dos res-
tos mortaes de seus maridos- mas todas ellas devem re-
HOURI DE LAMAGAO
nunciar ao mundo. Rapam a cabeça; quebram as canca-
nãs, braceletes-, vestem um panno branco, cobrindo com
elle a cabeça como as mouras, as ranes e as dessaynas;
não podem usar o mais insignificante ornamento, neni co-
mer mais de uma vez por dia, e vivem tristemente n'uma
perpetua viuvez, sob pena de infâmia, e de serem lançadas
fora da sua casta, se infringireni esta lei. Exceptuam-se as
PORTUGUEZA
269
gentias que ficam viuvas antes de consuinmar o matrimonio,
as quaes não podendo mais casar, lhes é, todavia, pcrmit-
tido o uso de cabello, pannos de cor e jóias.
Apesar dos esforços humanitários do governo ingiez ain-
da hoje se observa cm algumas partes do ludustáo o ne-
fando rito da Satty.
Em 1874 uma viuva brahmane, em Phcra, lançou-se na
TUMULO DE ZAIBA RANES
pyra do marido, e, abraçada ao cadáver, deixou-se devo-
rar pelas chammas. Três annos depois, por occasião do
fallecimento de sir lung Bahadur, primeiro ministro do po-
deroso Maharadjah do Nepol, houve outra sattv, de que
nos deu noticia o Armita Patsika. Este importante jornal
indiano narra a morte do grande estadista asiático, do mo-
do seguinte:
•270
A ÍNDIA
«Aos 25 de fevereiro de 1877, sir lung Bahadur foi ba-
nhar-se no Bagonutte; entrou no rio antes de nascer o sol,
e, tendo acabado as suas abluções, sentou-se na margem.
Passada uma hora, quando o seu séquito foi procural-o,
tinha elle succumbido a uma aneurisma.
«As três principaes rãtiys ou senhoras, esposas legitimas
de sir lung, chamadas para authenticarem o óbito, declara-
ram a intenção, que tinham, de não sobreviverem ao esposo.
«O irmão e o íilho do íinado tentaram debalde desper-
suadidas de tão sinistro projecto. Firmes no seu propósito
mandaram ellas levantar uma grande pyra de sândalo e
rezina, onde foi collocado o cadáver do fallecido; depois
tomaram banho, recitaram orações e offereceram valiosos
presentes aos brahmanes. Junto da p3Ta deram conselhos
ao cunhado, incumbindo-o da execução de diversas medi-
das concernentes á publica administração, e pediram que
fossem postos em liberdade diíferentes presos. Em seguida
subiram e caminharam para o centro da p3Ta sem mani-
festarem commoção, e entoando hymnos.
«Estando collocado de costas o cadáver de sir lung, a
mais idosa das ranys tomou-lhe a cabeça sobre o regaço,
e as duas outras os pés. As três esposas dilectas, abraça-
das ao cadáver do marido, foram em breve cercadas pelas
chammas, que o íilho ateava com óleos odoríferos, depois
de ter, como parente mais próximo, accendido a fogueira.
Não se havia passado um quarto de hora, e já de sir lung
e de suas três esposas não restava senão cinzas e ossos
calcinados no mossondy.»
Existeni actualmente no Industão, segundo os dados of-
ficiaes de i883, 21 milhões de viuvas, que não existiriam
se o nosso governo e o inglez permittissem as sattys.
Sendo o finado de casta maratha," as cinzas do seu ca-
dáver são enterradas, e sobre ellas erigem-se-lhe túmulos,
taes como os dos ranes de Satary, que o nosso desenho
representa, e que se acham em Vitholap.ur, de Carapur,
aldeia de 290 fogos e 1:499 habitantes.
t
I
PORTUGUEZA
271
Tiãòssy. — Os gentios da casta brahmane, bem como os
das outras castas hindus, menos a maratha ou quetr}', não
téem mausoléus, nem epitaphios, e os seus parentes ape-
nas se limitam a plantar no logar da queima o tulóssy (Oc-
cimiim sanctiim), planta, á qual os hindus, pela sua super-
sticiosa credulidade, prestam grande veneração e respeito,
por acreditarem que neste arbusto se metamorphoseou Ro-
cumin\', mulher de Crishnd.
Contam os hindus, que tendo perecido Rocuminy na au-
sência de seu esposo, os parentes, deixando de queimar o
cadáver, como era costume entre elles, a enterraram so-
lemnemente.
Crishná, voltando a casa, e informado do triste aconteci-
mento, dirigiu-se á sepultura da sua extremosa esposa. Não
a achando, porém, ali, e vendo em seu logar a planta tu-
lóssy, declarou que Rocuminy se havia transformado neste
arbusto, e ordenou aos seus sectários, que o coUocassem em
frente da porta das suas habitações, e que o adorassem
diariamente.
Assim como a maior parte dos indígenas christãos da
nossa índia téem defronte, ou junto da porta dos seus ga-
itas uma cruz, e os mouros um pé de mangericao, téem os
gentios o seu tulôssy.
Cuniprindo religiosamente os preceitos de Crishná, os
hindus, antes de tomarem banho para jantar, dirigem dia-
riamente as saudações prescriptas pela tradição a este ar-
busto, e volitando em torno d"elle, terminam a sua sanded,
oração, fazendo uma profunda reverencia, com as mãos cru-
zadas sobre a cabeça.
Das folhas e flores do tulôssy fazem collares, que pÕem
ao pescoço dos moribundos, e instigam-nos a invocUr os
riixis ou maharxis (santos) Rama, Crishná e Rocuminy.
Do caule formam uma espécie de rosário, e em suas re-
zas igualmente invocam os mesmos riixis.
Costumam os hindus celebrar annualmente, no mez de
novembro, o casamento do tulôssy-, e não podem desposar-
272
A índia
se sem que previamente se proceda á ceremonia esponsali-
cia desta planta, consistindo em que o botto recita algumas
orações, engrinalda o arbusto e colloca uma luz nas ultimas
ramificações do caule.
Depois do pu:{á, ou lavagem dos Ídolos, dispõem algumas
folhas e flores de tulôssy sobre elles; e servem-se também
das mesmas partes do vegetal, no sacrifício ama, que fazem
nos actos do casamento.
GENTIO MORIBUNDO CONDUZIDO PARA O DORUDO
E na provincia de Bicholim que se acha o pagode de
Mahem, na propriedade agrícola do sr. D. José de Noro-
nha, natural de Pangim, e descendente da primeira nobreza
do reino, onde actualmente reside.
Ao sudoeste do pagode de Peligão, representado na vi-
nheta com este titulo, na margem direita do Mandovy, fron-
teira á ilha de Jua, tem logar no mez de agosto a feira e
'ORTUGUEZA
27J
festividade annual gentilica chamada Tirta, como mostra o
nosso desenho do natural.
J)h'inã Justiça. — As causas da decadência do nosso pode-
rio na Ásia acham-se consubstanciadas no seguinte trecho,
do discurso recitado pelo nobre marquez de Alorna na re-
lação do Pastado da índia, em 19 de novembro de 1744:
PAGODE DE PELIGAO
«Foi a Ásia um theatro glorioso, sim, mas igualmente in-
fausto aos portuguezes.
«Nos tempos heróicos, em que floreciam, como na idade
de ouro, tudo foram felicidades e victorias;, soaram com o
nosso nome as nossas armas, e o limitado numero de guer-
reiros nunca foi obstáculo para as maiores conquistas.
«A rectidão e a justiça, que administravam aos réos con-
quistados, ainda mais que o terror e a grandeza das ac-
ções, nos faziam submetter cidades e reinos.
2 74 ^^ índia n
«As mesmas testas coroadas vinham em competência '
mendigar a nossa alliança e sujeitar-se ao nosso jugo, para ;
nos pagar tributo e vassallagem.
«Mas tanto que o vil interesse occupou o lugar de zelo r
fervoroso da Fé, tanto que a cegueira da cubica trocou pela
gloria de servir ao príncipe e d pátria*, tanto que o mere- '
cimento se fez consistir, mais que no sangue derramado,
na comulacão dos bens da fortuna; tanto que esse conta- <
gio foi communicado dos grandes a pequenos, porque já t
vinha deduzido dos maiores, que deviam dar vigor ás leis, .
c serem os executores delias; logo que conieçaram a pre- ~
dominar as injustiças e sem razões tudo foram perdas, e <!
tudo foram fatalidades e lastimosas desgraças. Perderam-se i
as conquistas, porque o sórdido interesse perturbava a vista |
e cegava os olhos da razão. Perderam-se as conquistas, por- ^
que a vileza da cubica já não guardava medidas nas atroei- «^
dades, ou fossem contra os estranhos, ou contra os nacio- j
naes I I
«Que injustiças não softreriam as Molucas, dos que as 1
goAernavam? Quantas \ezes viram, com espanto, o seu 1
próprio rei manietado e preso, como escravo, a uni canhão, l
padecer o ultimo supplicio por uma mão traidora, pertida
e atrevida? Horroroso espectáculo! Indigno premio do aco- ^
Ihimento e hospitalidade, que deu no seu reino aos portu- ^
guezes 1 I ■
«Xão viu Ceylão, com horror da natureza, violentar os 1
piedosos braços das mães, para despedaçar em morteiros. ^
primeiro os corações, e depois os próprios filhos?'. i
«De que monstruosidades, e de que abominações de cu- '
bica, de luxuria não foi Malaca, qual outra Babilónia, pelo
excesso dos seus vicios, criminoso theatro?!
«Menos difficil foi ao grande Xavier converter muitos mil 4
bárbaros, e augmentar com novas ovelhas o rebanho da
Igreja, que converter os poucos portuguezes, mais endure- ]
eidos que penhascos, mais ferozes que as mesmas feras,
e infinitamente mais bárbaros e mais cegos, que os mesmos
4
PORTUGUEZA
27?
bárbaros 1 Para os supporcm catholicos necessitavam os
gentios de duas Fés, uma para crerem na sua natureza de-
pravada, o que lhes repugnava-, e a outra para se persua-
direm que os portuguezes professam uma lei, que desacre-
ditam com as obras, e que com o horror das suas maldades
desmentiam aos olhos o que lhes pregavam aos ouvidos.
«Foram nestes últimos tempos menores as crueldades,
porque se foi estreitando o campo em que ellas se exerci-
tavam; mas não foram menores as culpas, porque a depra-
vação eni todos os tempos e em todos os estados, foi sem-
pre a mesma.
«Não podiam tão justos clamores deixar de dar brado no
Tribunal Supremo, e se pelas culpas antigas, com um leve
silvo da sua justiça, desde a visinhança do polo Artico fez
voar varias nações para desapossar aos portuguezes d'Or-
muz, das Molucas, de Malaca, de Cochim, e doutros inu-
mieraveis portos: pelas culpas modernas, que se accumulam
sobre as outras, não quiz dissimular mais tempo.
«Provocou-se o justo furor da Divina Justiça, e quiz usar
da omnipotência com aquelles que se não aproveitavam da
sua paciência e misericórdia. Pejamos pois os lastimosos ef-
feitos d'este ultimo castigo. Principiou Deus por enfatuar
os entendimentos; uns não criam o mesmo que estavam
vendo, outros não se acautelavam do que já era para te-
mer-se; despresavam-se os avisos, tendo-se por duvidosos.
Cada um aconselhava o que lhe occorria, e não sabia o
que aconselhava; tal havia, que buscava o damno, como
remédio, e que fugia do caminho, para ir cair no precipí-
cio: Confundiram-se os entendimentos, e foi universal a des-
ordem.
«Armou Deus em hm o braço de um inimigo, que ao
desembainhar a espada causasse horror e espanto, seguiu-
se o terror pânico,- desacordaram-se todos, e em todos se
introduziu o espanto de frenesim e de vertigem. Com acu-
dir a todas as partes, ao mesmo tempo invadidas, sem for-
ças, sem meios, e sem dinheiro, o que se deliberava não
27O A índia
tinha execução, parecia que se obrava pela inquietação, e
tudo era inacção e espanto. Os ignorantes se erigiam em
mestres; os togas entendiam que as disposições militares
eram sujeitas á jurisprudência*, as coroas, em vez de subirem
aos altares e levantarem as mãos aos céus para aplacar a
Divina Justiça, supunham poder dar regras, e serem mais
peritos na guerra que o general: a que importava provi-
dentemente mandar occupar este ou aquelle porto, que o
inimigo podesse invadir, se o súbdito o não obedecia! Tal
havia com imaginação tão ferida, que o rumor das arvores
lhes parecia um poder immenso de cavallaria! Boiava no
rio um galeão dalto bordo, cada um cuidava em salvar a
vida, já que perdia a fazenda, tal era a traça, porque a
Providencia ata^a as victimas, que queria que servissem de
sacrifício á sua vingança.
«Que desmaio é este, portuguezes?! Não sois vós os mes-
mos, que tantas vezes animosos levantastes e erigistes tro-
feos das vossas façanhas em toda a Ásia com os nossos
triumphos?
«São hoje porventura os portuguezes de differente natu-
reza que os passados? Não, por certo. Diga-o o Baçaim,
que ainda nesta calamitosa catástrofe quiz competir com
Diu, já que não na fortuna, ao menos na constância e valor.
«Pois que é isto?! São injustiças antigas e modernas dos
que administram as leis, e deviam ser executores d'ellas!
São desordens commettidas pelos poderosos, pelos supe-
riores, pelos ministros, e por aquelles que governavam!
São productos de altivez, suberba, e da vontade desenfrea-
da.
«Quantas vezes se tem visto na índia, por affecto, e por
paixão torcer a vara! Quantas vezes para favorecer ao in-
digno se causou irreparável prejuízo ao benemérito? Quan-
tas vezes se viu na índia coUocados nos altares os mesmos
que deveriam ser pendurados nos patíbulos?!
«Por estas successivas e continuadas injustiças vemos
hoje reduzidos os maiores á ultima miséria; os pequenos ao
PORTUGUEZA
jugo, c captivciro; c perdidas as terras do Norte, perdeu o
Estado as forças, a opulência, o respeito c o seu antigo es-
plendor 11
«Entregou Deus, finalmente, nas mãos dos idolatras a me-
lhor e mais dilatada provincia que tínhamos ■, talvez por-
que entendeu que nas mãos dos intieis seria menos otVendi-
da a sua justiça, que na dos catholicos, c aquelles a quem
faltava a luz da fé irritariam menos a sua justa vingança,
que aquelles que com a mesma fé commettiam maiores
horrores 1 »
Na segunda parte deste ligeiro esboço sobre a índia por-
tugueza trataremos da provincia de Satarx", dos Ranes e
Dessavs, gãocares e roytes; províncias de Pondã, Embar-
bacem, Zambaulim, Canácona e cabo de Rama:, Reis de
Sundem; Pagodes, Linguas vernáculas. Religião, Padroado,
M^-thologia concany, Salcete, caminho de ferro de Mormu-
gão, Angediva, Damão, Pragana Nagar-Avely, florestas do
Estado, Diu, conclusão, e notas linaes.
índice alphabetico
A
Adão, 45.
Aden, 1 1.
Affonso de Albuquerque, i5, 18 e
102.
Aguada, 202.
Alexandria, ó.
Alfandega, 98.
Altar de S. Francisco Xavier, 8j.
Arabó (ilha de), 224.
Arco dos vice-reis, 66.
Arequeira, 235.
Arondem (rio), 27.
Arroz, 46 e 190.
B
Baga (rio), 29.
Bailadeiras, 104.
Bananeira, 238.
Bardez, 216.
Barra de Goa, i5.
Barra de Mormugão, 210.
Bicholim, 234.
Boiás, Go,
Bomba V, 14.
Cairo, 8.
Calisbaga (rio), 3i.
Capella de Santa Catharina, 75.
Capella de S. Francisco Xavier,
166.
Carazalem, 199.
Casamento gentílico, 241.
Castello de Benastary, 1G7,
Cathecumenos, io3.
Chaporá (rio), 28.
Chorão (ilha), 62.
Clima, 32.
Collegio do Populo, 82.
Combarjua (ilha de), 170.
Communidades agrícolas, 141.
Conde de Torres Novas, 2 1 .
Constituição da propriedade, 1 19.
Convento do Carmo, i63. -
Convento de Chimbel, 61.
Convento das Monicas, 83.
Convento do Pilar, iSg.
Convento de S. Dorningos, 162.
Convento de S. Francisco, 74.
Convento de S. João de Deus, 82.
28o
índice alphabetico
Coqueiro, 172.
Cruz dos Milagres, 154.
D
Dessayados, 225.
Divina justiça, 273.
Dom Vasco da Gama, iSg.
Escola hindu, 106.
Estatística, 35.
Fabrica da pólvora, 62.
Fonte da Vacca, 104.
Forte de Santo Estevão, 63.
Forte de Tivim, 223.
G
Ganes, 55.
Garupeiros, 1 18.
Gaspar Dias, 200
Goa, 64 e 149.
H
Hospital militar, io3.
Hospital da Misericórdia, Gi.
Houri de Lamagao, 262.
I
Igreja do Bom Jesus, 84.
Igreja matriz de Pangim, io5.
Ilha de Tissuarv, q5.
Joguy, 262.
Leis de Manú, 126 e i33.
Leis do processo, 127.
Luto, 267.
M
Machila, 59.
Malta, 6.
Mandovy (rio), 3o.
Manga, 169.
Mar Roxo, 1 1.
Medicina hindu, 107.
Milho, 195.
Misericórdia de Goa, 71.
Moral, leis penaes e civis, 122.
Mormugão, 204.
Mossondy, 2G3.
Nangôro, 1 14.
Ossoró, 42.
N
O
Pachú, 1 1 5.
Palácio do Cabo, 197.
Palácio do governo, 97.
Palácio da municipalidade, 100.
Palmar, 176.
Palmeiras, 171.
Pancatty, 43.
Pangim, 99 e i36.
Pelourinho, 154.
Pernem, 227.
Ponte D. Estephania, 222.
Porta de Nossa Senhora da Ser
ra, i58.
Portaes de Britona, 222.
Praça de Alorna, 23 1.
Priorado do Rosário, 80.
Prossad, 1 10.
índice ai.phabetico
281
Q
Quartel de artilheria, io3.
R
Reis Magos, 200.
Ribandar, 5g.
Rio do Sal, 3i.
Salinas, i38.
Sadotas, 263.
Satty, 243, 248 e 268.
Santa Luzia, 168.
Sé de Goa, 76.
Siga mó, 43.
Sinquerim (rio), 29.
S. Boaventura, 79.
S. Caetano (palácio de), i56.
S. Lourenço, 204.
S. Paulo, i63.
S. Thomé, 162.
T
Tacarduma, 229.
Talapona (rio), 3i.
Tiracol, 227.
Tulòssy, 271.
Tumulo de S. Francisco Xavier,
8q.
Zuary (rio), 3o.
ERRATAS
Pag.
Lin.
Onde se lè
Leia-se
27
17
Zoary
Zuarv
55
3i
Sah-Ganapaty
Mãha-Ganapoty
65
9
Meliquc Oum
Meliqne Ussem
97
(■)
Embcllezou cm ibS2
lunbellezou em i832
102
5
no capitulo vii,
no capitulo ix,
172
32
doteriitorio cidade de
Goa
do território de Goa
219
nota
Vide gravura a pag. 79
Vide gravura a pag. 66
è'^;,^.
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mnuiniA ^l.'^ \ . ^^n ^ o i^íh
PLEASE DO NOT REMOVE
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I)S Lopes Mendes, António
49B A índia protugueza
17
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